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Felipe Miranda: O mercado dos 100%

24 de Setembro de 2020, 12:11 , por Adital - | No one following this article yet.
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“Os ativos são bons, os juros baixos vieram para ficar e as ações se mostram muito depreciadas” diz o colunista
Não sei se é verdade, mas papai contava como se fosse. Talvez vá lhe soar um pouco agressivo demais, politicamente incorreto. Peço desculpas por isso. Não é a intenção.
A verdade é que os tempos eram outros e, por incrível que pareça, era considerado normal. Não digo que era certo, fique claro. Apenas era o que era. Não julgo. Só conto a história. Todos pareciam estar de acordo com aquilo, numa relação comercial privada e consensual. “Her body, her choice.”
Reza a lenda que, décadas atrás, quando os coletinhos eram amarelos e motivo de orgulho, não de campanha publicitária no intervalo do Jornal Nacional, alguns operadores da Bovespa e da BM&F se organizavam para apostar qualquer coisa.
Tinha até sorteio de uma mulher, uma garota de programa que era sorteada entre os participantes in loco do pregão viva-voz.
Segundo papai, a coisa funcionava assim: cada um recebia um número, uma senha. Então, sorteava-se um número numa espécie de bingo. O “match” entre o número sorteado e o detentor da respectiva senha levava o prêmio pra casa.

O negócio era tão louco que o número não era anunciado de uma vez. Apostava-se se deu par ou ímpar. Então, um locutor falava ao microfone: “par”.
Todos os ímpares estavam excluídos portanto. Os detentores de números pares podiam negociar entre si as senhas. Agora, com 50% dos jogadores excluídos, cada passe já estava mais valorizado.
Então, íamos para uma nova rodada: “O número é maior ou menor do que 50?”. Nova negociação entre vendedores e compradores de senhas, interessados em levar algum dinheiro com a venda de seu número ou mais interessados no prêmio. O processo se repetia até a descoberta objetiva do real número sorteado e do respectivo vencedor.
O “mercado dos 100%” teria pouca liquidez e poucos apostadores — ao menos em sua frequência semanal (Imagem: Reuters/Issei Kato)
Pelo que se diz, isso acontecia a cada final de ano. Com frequência maior, havia outro tipo de aposta recorrente, no que se chamava de “mercado dos 100%”.
A cada semana, os operadores apostavam qual seria a ação a dobrar de preço mais rápido nos pregões seguintes. Aquele que apontasse a próxima multiplicação de valor levava o prêmio — desta vez, em dinheiro mesmo.

Os tempos são outros, claro. O absurdo do primeiro tipo de bingo seria impensável hoje. De algum modo, o segundo também. Com juros muito menores atualmente e retornos cadentes como um todo, volatilidade inferior e economia mais bem organizada e sem inflação, difícil imaginar ativos dobrando de preço em poucos pregões.
O “mercado dos 100%” teria pouca liquidez e poucos apostadores — ao menos em sua frequência semanal. Contudo, sua existência sugere alguma atratividade especial na ideia de dobrar o capital.
Parece haver algo mítico na ideia de multiplicar suas economias por 2x. Não tenho comprovação científica, tampouco estudei isso, mas, intuitivamente, suspeito que o benefício marginal em termos de Utilidade (algo próximo à medição do nível de felicidade) do investidor ao sair de um ganho de 80% para 90% numa posição é bem menor do que se fôssemos de 90% para 100% — embora todos saibamos, claro, que, objetivamente, se trata da mesma coisa.
Lembrei dessa história depois de call da nossa equipe de análise com o top management de Jereissati (JPSA3), feito ontem. Claro que o cenário para shoppings ainda é muito difícil e que seria ridículo pensar num horizonte de semanas. Mas, fazendo conta, consigo encontrar nas ações um potencial de valorização da ordem de 100%.
O cenário hoje já é melhor do que aquele traçado durante o mês de maio e o próprio management se mostra mais aliviado. Os ativos são bons, os juros baixos vieram para ficar e as ações se mostram muito depreciadas.

Podemos até ter alguma mudança de mix dentro dos shoppings mais à frente, com mais entretenimento e menos lojas para consumo de produtos físicos. Mas não me parece que chegaremos a um ponto de mudança no padrão de consumo em que as pessoas passarão a ir menos para os shoppings.
“Também fiquei pensando em Oi ao ver relatório do BTG ontem, com novo preço-alvo de R$ 2,80 para as ações”, afirma (Imagem: Reuters/Paulo Whitaker)
Ao contrário, pode até haver algum elemento antifrágil aqui. O shopping estará sujeito a regras claras de convívio, limpeza, distanciamento social e rígidos protocolos de atendimento. Será um ambiente seguro — aqui entendido em vários níveis — e mais atraente às famílias.
Podemos ter mais um ou dois trimestres difíceis, mas, objetivamente, as coisas estão voltando semana após semana e logo teremos a vacina.
Uma boa empresa, com ativos irreplicáveis, passando por um mau momento (circunstancial) em Bolsa costuma ser uma das oportunidades de compra mais simples. Downside razoavelmente baixo e ótimo upside para um horizonte de 18 meses.
Também fiquei pensando em Oi (OIBR3) ao ver relatório do BTG ontem, com novo preço-alvo de R$ 2,80 para as ações. Por termos os papéis recomendados nas nossas carteiras, fico feliz com qualquer notícia que possa ajudar a valorizar os papéis, pois isso implica ganhos para nossos assinantes.

Mais até do que o preço-alvo em si, duas coisas me chamaram atenção: i) a percepção de risco muito menor sobre o case agora, o que é ótimo para um ativo sempre considerado muito especulativo; e ii) os elogios à aprovação do aditamento do plano de recuperação judicial; falo isso porque também vi de forma muito positiva a última AGC, embora as ações não tenham andado bem desde então.
Quando um negócio vai bem, as ações no final do dia acabam seguindo. Acredito ser o caso agora. Com a evolução do cenário positivo, entendo que OIBR3 poderia buscar R$ 3,20. Sob alguma sorte e eventual maior apetite dos compradores dos seus ativos, chegaríamos a R$ 3,40 por ação — e então, já estamos quase próximos aos 100% de upside.
Por fim, para fechar a tríade, me vem à cabeça Natura (NTCO3), uma das cinco maiores players globais do setor (hoje é uma empresa realmente global), valendo US$ 11 bilhões em Bolsa, contra pares que rodam entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões.
Se o turnaround der mesmo certo e conseguir entregar aumento de margens de Avon, isso aqui pode ser uma porrada seca e com liquidez.
Comecei a estudar Natura com mais afinco a partir de um anedótico, quando percebi o quanto os gestores próximos à Pragma (multi-family office com laços umbilicais com a Natura) estão otimistas com o case.
A partir de então, quanto mais estudo, mais eu gosto. Pode não parecer e não ser tão óbvio a priori, mas NTCO3 também faz parte do meu clube dos 100%.

 

Fonte: MoneyTimes

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