A confecção das palavras utilizadas pelos navegadores foi provavelmente muito simples, mas que língua era falada quando estavam perdidos, quando não haviam se tornado poetas habitantes da terra firme, andando e descansando sobre solo tranquilo, com tempo para evocar o mar infinito, os abismos e os vagalhões? Que língua falavam quando não passavam de navegadores circulando na esperança, dependendo da intervenção celeste e maternal para um retorno inesperado à terra conhecida, para perto de uma lareira? Que palavras, então, saíam de suas bocas para designar uma praia, um pedaço de madeira, um castelo de popa, um pedaço de vela latina de proa? O espantoso não é o fato de que essas palavras tenham sido inventadas pela loucura, mas sim o de ainda estarem vivas em nossa língua, em lugar de terem submergido em um grande naufrágio. Inventadas na errância e na solidão, isto é, no medo, elas imprimem em nosso léxico uma arfagem que ainda hoje nos faz soçobrar.
Genet, Jean, 1910-1986
Um cativo apaixonado/Jean Genet – romance autobiográfico