Que a vida está difícil diante dos frequentes cortes do orçamento para bolsas de estudo financiadas com dinheiro público, os pesquisadores brasileiros já sabem. Mas, se o bolsista for das Forças Armadas, o cenário é mais promissor. Dois programas de pesquisa estão sendo desenhados pelo Departamento de Ensino do Ministério da Defesa e pelos comandos das três Forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) com o intuito de enviar pesquisadores civis e militares ao exterior para desenvolver estudos em áreas consideradas estratégicas, como espacial, nuclear, de biossegurança, cibernética e de estudos estratégicos. Chamados de Propex-Defesa e Pró-Estratégia, os programas para pesquisador visitante, doutorado-sanduíche e pós-doutorado preveem custos que somam cerca 300 mil dólares por aluno, por ano (o equivalente a 1,6 milhão de reais anuais). Estarão aptos a concorrer às bolsas pesquisadores ligados aos institutos de pesquisa das três Forças, sejam eles civis ou militares, embora os montantes mais elevados estejam destinados apenas aos bolsistas de farda. A piauí teve acesso ao conteúdo de sete reuniões entre as Forças e a Defesa sobre a viabilização dos programas, ocorridas entre abril de 2020 e maio de 2021. O edital está em fase de minuta e os últimos detalhes estão em discussão na Defesa. Se for aprovado do jeito que está, cria uma distorção: pesquisadores civis e militares enviados por meio desses programas viajariam em condições de financiamento bem diferentes. O pesquisador militar, com a ajuda milionária do projeto das Forças, teria renda de 133 mil mensais (já incluído aqui seu salário). Um professor civil de uma instituição militar interessado em participar do projeto precisaria ser financiado pelas agências de fomento à pesquisa, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que oferecem bolsas anuais de até 30 mil dólares (o equivalente a 160 mil reais). Esse valor está no mesmo patamar do que é pago a pesquisadores de universidades públicas, que, além do auxílio no exterior, também continuam recebendo a integralidade de seus salários no Brasil durante todo o período de estudos. Num exemplo hipotético, um professor titular de uma universidade federal (salário inicial de 16,5 mil reais) que ganhe uma bolsa no valor máximo (160 mil por ano, 13,3 mil mensais) teria renda mensal de 30 mil – menos de um quarto do pacote proposto para o pesquisador militar.
Fonte: Vem aí a bolsa-farda