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Star Trek é Comunista?

28 de Outubro de 2015, 20:11 , por Feed RSS do(a) Aurélio A. Heckert - | No one following this article yet.
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O AntCast é um podcast que tenho curtido bastante. Começou como um podcast sobre design, mas atualmente fala sobre tudo com uma visão crítica, mas ainda divertido. O último episódio foi apresentado pela primeira vez pela Sybylla por conta da saída temporária do Ivan (apresentador e fundador do podcast) e traz três convidados que sabem bastante de Star Trek. Infelizmente nenhum dominava ciência política e economia a fundo, mas achei o episódio muito proveitoso.

Não vou reproduzir o debate, pretendo só adicionar um complemento, então para que esse post faça mais sentido seria bom você ouvir esse episódio: AntiCast 205 – Star Trek é Comunista?

Se você não acompanhou todas as séries (e todas, significa bastante coisa, veja abaixo)...

Startrek-timeline

...ainda dá pra entender o debate, mas se você nem sabia que no futuro de Star Trek não existe dinheiro, veja esses vídeos:


Picard é o capitão da segunda geração, no século seguinte ao do capitão Kirk. Abaixo, num dos primeiros episódios desta série ele encontra uma nave perdida, com humanos em capsulas de criogenia e rola um debate sobre valores humanos. Neste recorte o debate é com o capitalista:

No filme "Primeiro Contato" a enterprise volta no tempo, perseguindo uma nave Borg e encontram a terra pós "3ª Guerra". Novamente Picard explica um pouco da economia do futuro para um humano "primitivo":

Em Deep Space Nine o filho do comandante da estação precisa de dinheiro para comprar um presente (de um mercador fora de seu sistema econômico) para o pai, e assim começa o episódio:

Durante o debate é lembrado que Star trek é uma ficção de vanguarda e toca em outras questões como racismo (na década de 60):

... liberdade de identidade sexual (entre as décadas de 80-90)

Além de tantas outras questões sociais e debates filosóficos.


Finalmente, a minha resenha:

A abundancia em Star Trek é marcada pelo replicador e este parece explicar bastante o porque do dinheiro não ser necessário, afinal, você pode produzir, comidas, roupas e utensílios a partir de um eletrodoméstico na parede de casa... mas é bom lembrar que ele não existia na série original. Mesmo no filme "The Undiscovered Country" tem uma cena na cozinha, onde a vulcana (interpretada por Kim Cattrall) atira em uma panela cheia de massa, portanto a explicação da garantia de acesso (da abundância) deve estar em outro lugar. Talvez esteja na tecnologia atual, pois já produzimos mais comida do que a humanidade precisa, já podemos produzir bens e moradia para todos, mas não garantimos a distribuição, e quando o mercado distribuí com eficiência, cai na obsolescência programada, como a Sybylla lembra bem.

Sobre o modelo econômico da federação (ou dos humanos para ser mais preciso), apesar de claramente pós-capitalista e explicitamente não monetário, como é posto diversas vezes (mas de uma forma divertidíssima no filme "The Voyage Home", o tal filme da baleia), eles ainda tem iniciativa privada (para acalmar os liberais) e aluma forma de controle de acesso aos recursos que eu não consigo diferenciar bem do dinheiro. Permita-me explicar. Isso fica muito claro em Deep Space Nine...

Sobre a propriedade e iniciativa privada, temos o pai de Sisko, que é dono de um restaurante (bem lembrado no episódio, o valor do artesanal, daquilo que não é replicável, mesmo que parte seja replicado), então ou a terra é tipo Cuba e são permitidas pequenas iniciativas como os "paladres", ou algo de maiores proporções, com menos controle, mas que as séries não deixaram muito claro. Na série "Enterprise", de 2001, conta-se como funcionaram as primeiras naves mercantes e estas aparentavam ter bastante autonomia. Apesar dos gestores (a família de Travis) a tratarem como propriedade, não fica claro se a nave é deles (o que eu não apostaria, pois só gente muito rica poderia comprar aquela nave, enquanto a vida nela era terrível... então, porque fazer essa troca?), OU a nave é do estado (bens de produção, hã, hã? Comuna?) e os gestores tem bastante autonomia na gestão, como a China faz hoje com suas fábricas e mineradoras pelo mundo, principalmente na África.

Em um certo episódio de DS9, Sisko (ou foi o Pai dele?) conta que durante seu período na academia, Sisko não conseguia se desapegar da família e se teleportava todos os dias, se materializando na sala de casa para almoçar com os pais. Nisso ele GASTAVA todos os CRÉDITOS do mês. O sistema econômico certamente mudou muito, não é capitalista, mas o dinheiro não foi totalmente perdido. Algumas de suas funções ainda aparecem na estória.

Bem, minha avaliação: Apesar de me posicionar no quadrante da esquerda libertária, do "political compass", não demonizo o dinheiro, só detesto o sistema financeiro. O dinheiro em sí é uma maravilhosa ferramenta de troca. Sem ele teríamos que trocar laptop por batatas, mas o produtor de laptop nem sempre quer batatas... vocês entenderam. Alguns acreditam no governo provedor e este poderia fornecer laptops e batatas; mas aí seria bem complicado garantir a todos a liberdade de escolher o quanto te interessa de cada produto. Os dois exemplos colocam o dinheiro como uma ferramenta de autonomia. E está aí um dos porquês que eu adoro o pessoal do movimento Zeitgeist, mas tenho que dizer: calma, não é bem por aí, pois eles propõem acabar com o sistema financeiro acabando com o dinheiro, dentre outras coisas.

No episódio foi colocado que Gene Roddenberry "se preocupou mais com raça do que com gênero" na luta pela redução da desigualdade, mas é bom lembrar que o episódio piloto da da série original tinha uma mulher como imediato, depois todos os peonagens e atores foram trocados e só sobrou o Leonard Nimoy como Spock. Com a redução do papel da mulher, parece que o patriarcado bateu alí na porta. E como eu ví num meme certa vês: (com a foto de Uhura) Século 23 e quem atende o telefone espacial ainda é a mulher negra.

Como crítica ao episódio eu só me oponho a colocação de que o modelo político humano de Star Trek teria elementos capitalistas, comunistas e anarquistas, e todos poderíamos perceber o que quiséssemos daquilo e inclusive poderíamos defini-lo como quiséssemos. Acho que não é bem assim. Primeiro acho que não tem nada de anarquista, apesar de que eu adoraria ver isso. Só o fato de termos governo e níveis hierárquicos já anula essa proposta. O que não impede que existam naves, colônias ou até cidades terrestres geridas de forma anárquica, com a "benção" do governo central. Segundo: acho que podemos ter uma definição mais clara dobre o modelo econômico dos humanos, mas eu não me arrisco a faze-lo. Acho que seria uma ótima tese de doutorado interdisciplinar, mas também creio que ainda teremos lacunas não respondidas que no fim ainda deixariam alguma nebulosidade na definição. Talvez possamos tapar esse buraco a partir de 2151. :-)


Fonte: http://softwarelivre.org/aurium/blog/star-trek-e-comunista