Foto: Gibran Mendes/CUT-PR |
O debate sobre a Projeto de Lei (PL) de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 deve partir do pressuposto de que ele trata de crimes gravíssimos. Como disse a presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF) na época, ministra Rosa Weber, a data “se consolida como uma marca indelével da história da democracia constitucional do nosso país” e “será sempre o dia da infâmia”. Segundo ela, o episódio foi “uma investida autoritária, espúria, obscurantista e ultrajante, insuflada pelo ódio e pela ignorância contra as instituições democráticas”.
Na definição de Gilmar Mendes, também ministro do STF, “mais do que um simples protesto ou inconformismo com o resultado das eleições, o grupo criminoso que invadiu as sedes dos três poderes, em Brasília, tinha o objetivo de desestabilizar as bases do regime democrático, na expectativa de adesão das Forças Armadas a um projeto autoritário de poder”. Na verdade, foi uma escalada golpista, como lembra o ministro, que sequestrou símbolos e feriados nacionais para afrontar a legalidade democrática, que contou, em sua trajetória, com abusos de integrantes do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário, no âmbito da Operação Lava Jato, para criminalizar a política.
Anistia, diante desses fatos, seria a extensão da infâmia. O esforço para derrotar a proposta é uma batalha de grande envergadura. A decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de retirar o PL da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para submetê-lo à avaliação de uma comissão especial pode ser positiva, mas esconde o risco de voltar à votação “caso o próximo presidente da Câmara não assuma compromisso de não votar esse absurdo”, segundo avaliação do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) membro titular da CCJ.
Líder do PCdoB na Câmara, o deputado Márcio Jerry (MA), classificou o PL como tentativa de “passar uma borracha e apagar impunemente os graves crimes cometidos contra o Brasil em janeiro de 2023”. “Anistia para os golpistas é nova tentativa de golpe”, afirmou. Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também foi enfática ao dizer que o PL é “infame”, uma tentativa “de livrar a cara de Jair Bolsonaro e outros golpistas das garras da Justiça”. “Agora, vamos trabalhar para enterrar de vez essa excrescência”, declarou.
O PL, com sua atual redação, não restitui a elegibilidade de Bolsonaro. Mas ele se utiliza da situação para prospectar sua própria anistia ou criar ilusões em torno dessa possibilidade. O objetivo seria tentar manter-se como líder inconteste da extrema-direita e da direita, posição que não ostenta mais, como demonstraram as recentes eleições municipais.
Há um consistente relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Congresso Nacional sobre o 8 de janeiro e o inquérito da Polícia Federal em andamento que situam Bolsonaro no topo da hierarquia golpista. Ele precisa ser submetido ao rigor dos preceitos do Estado Democrático de Direito.
Essa conclusão é atestada pelos muitos pareceres de juristas sobre a inconstitucionalidade do PL, além do pronunciamento do ministro Alexandre de Moraes de que quem decide sobre anistia ou não é a Constituição, e quem interpreta a Constituição é o STF. O presidente da corte, Luís Roberto Barroso, diz ser “mito” as alegações de que existem réus inocentes entre os que participaram dos atos golpistas.
A defesa da democracia é a prioridade principal para as forças progressistas. As ações que atentam contra ela precisam ser energicamente combatidas. O Brasil tem um histórico de lutas por liberdades democráticas, condição básicas para que as bandeiras dos direitos do povo e da nação sejam defendidas, que custou sacrifícios e vidas, e não pode tolerar qualquer possibilidade de retrocessos institucionais. O combate a esse PL se insere nesse histórico.
Bolsonaro e seus seguidores são produtos do que houve de mais nefasto para a democracia, a tenebrosa ditadura militar. Anistiar os executores, financiadores e mandantes do 8 de janeiro, longe de ser ato de pacificação, como apregoa a demagogia da extrema-direita, seria, na verdade, impunidade e, por conseguinte, incentivo para, em novas circunstâncias, os extremistas tentarem, mais uma vez, sepultar a democracia brasileira.