Por Jair de Souza
Com a deflagração pela PF da operação Carbono Oculto, ficou ainda mais evidente que o Estado brasileiro precisa dispor de suas próprias plataformas e redes de comunicação digital, de modo a poder exercer nossa soberania nacional como corresponde a um país verdadeiramente independente.
As ações dos órgãos federais de inteligência na citada operação revelaram uma realidade ainda mais pavorosa do que aquilo que passava pela cabeça dos analistas mais realistas. O que veio à luz foi um medonho esquema envolvendo a “fina flor” de nossas elites financeiras, as principais organizações criminosas do país, vários políticos bolsonaristas e, sem nenhum espasmo, os grandes grupos multinacionais que hegemonizam a comunicação digital em quase todo o mundo, as chamadas Big Techs.
O que agora já está claro para todos é que o crime organizado penetrou profundamente em atividades de muita relevância para o funcionamento de nossa economia. Tanto assim que, por exemplo, a distribuição de combustíveis no Brasil inteiro passou a ser hegemonizada pelo principal grupo delitivo em atuação no país. Também já não nos resta dúvidas de que boa parte de nossa “elite” financeira age em completa sintonia com as agrupações criminosas. Além disto, o apoio político solidário do bolsonarismo é fundamental para viabilizar o andamento deste esquema criminoso. Mas, é importante ressaltar, este conluio de malfeitores não teria condições de se sustentar sem a presença ativa de outro fator: o absoluto predomínio das Big Techs gringas no campo da comunicação.
No entanto, dentre os vários agentes acima mencionados, muito provavelmente, aquele que desempenha o papel mais decisivo e, consequentemente, mais nefasto é o encampado pelos megaconglomerados que controlam as redes digitais. É que são eles que interligam, coordenam e tornam possível a operacionalidade deste enorme complexo a serviço da criminalidade, em benefício exclusivo das classes dominantes. Ao deter o comando quase total das plataformas de redes, os oligopólios comunicacionais podem agir de modo a abrir caminho para a consecução dos crimes, assim como para bloquear as medidas que pretendam combatê-los.
Para ilustrar um dos casos recentes em que sua total hegemonia foi flagrantemente posta a serviço de interesses frontalmente contrários aos de nosso povo, podemos citar a onda de boatos relacionados com o pix. Foi quando, em janeiro passado, as autoridades financeiras federais anunciaram que tomariam medidas para combater as práticas criminosas que estavam sendo detectadas através do uso do pix, um conhecido deputado bolsonarista disparou pelas redes uma violenta campanha contra Lula, com a acusação de que seu governo estava planejando taxar todas as operações efetuadas através deste inovador meio de pagamento.
Porém, com os dados vindos a público nos recém-passados dias, vimos que o grande alvo das medidas que estavam sendo propostas era a maior facção do crime organizado no Brasil, o PCC. Só que, em razão da campanha desinformativa disparada pelo referido deputado bolsonarista, criou-se um clima de forte animosidade em boa parte de nossa população. Em consequência, o governo sentiu-se compelido a recuar em suas medidas. Desta maneira, graças a esse trabalho disruptivo, as atividades criminosas do PCC puderam seguir adiante sem sofrer nenhum combate.
Teria o deputado bolsonarista já mencionado agido deliberadamente para favorecer as atividades do PCC e impedir que os responsáveis fossem punidos? Bem, embora todos os indícios disponíveis nos levem a responder afirmativamente a esta questão, há gente que se recusa a aderir a esta conclusão.
Entretanto, o grande problema não se deriva do fato de que um deputado bolsonarista, notoriamente tido como de poucos recursos intelectuais e culturais, tenha expressado uma opinião difamatória e mentirosa pelas redes, por mais estúpida ou mal-intencionada que fosse. O grave no caso é que a mensagem com deturpações e falsificações absurdas tenha sido espalhada a cerca de 250 milhões de pessoas pelas redes digitais. Sim, por mais espantoso que pareça, a mensagem que objetivava impedir que as medidas visando pôr fim às operações financeiras criminosas do PCC fossem efetivadas atingiu um número maior do que a totalidade da população de nosso país. Como foi possível que isso ocorresse?
Na verdade, o estrondoso alcance obtido pela campanha alarmista e mentirosa deslanchada pelo parlamentar de extrema direita se deveu à plena confluência de interesses que motivavam a todas as partes interessadas em que os criminosos não sofressem restrições em sua atuação. Por isso, o crime organizado estava disposto a aplicar grandes somas de dinheiro para custear todos os milhões de disparos que se faziam necessários para atingir nossa população por inteiro, ao passo que as Big Techs recorriam ao uso dos algoritmos sob seu controle para garantir que ninguém deixasse de ser atingido, e da maneira como deveria ser atingido. Por sua vez, obviamente, o bolsonarismo participava fazendo a costura política do plano.
Tendo em conta que o respaldo político é peça fundamental para que uma sociedade como a nossa seja submetida aos desígnios dos que comandam as atividades espoliativas do crime organizado, e que, nos dias de hoje, a formatação do pensamento político da população se dá, em boa medida, por meio das redes de comunicação digitais, torna-se imperativo que o Brasil passe a exercer sua soberania nacional também em relação a isto.
É muito importante que este ponto seja devidamente compreendido. Não estamos propondo que os conglomerados estadunidenses que controlam as principais plataformas de redes na atualidade sejam removidos para que o espaço volte a ser hegemonizado pelos grandes oligopólios midiáticos de antes (grandes redes privadas de TV, rádio e jornais).
Nosso objetivo é travar a luta para que o Estado brasileiro se dedique a criar e expandir suas próprias plataformas, sob regras soberanas, nacionais e democráticas, que ofereçam condições para que as maiorias populares possam se expressar de acordo com suas necessidades reais, sem estarem subordinadas a manipulações de algoritmos que, da maneira como são usados agora, servem para eternizar a submissão das maiorias aos interesses dos grupos privilegiados.
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