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Climatério e invisibilidade do saber feminino

July 7, 2025 21:20 , by Altamiro Borges - | No one following this article yet.
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Por Aline Amorim

A gente aprende cedo a ser múltipla: filha que cuida, mulher que entende, profissional que entrega, mãe que antecipa. Mas em algum momento, normalmente entre os 45 e 55, o corpo avisa: o que te trouxe até aqui não é mais o que vai te levar adiante.

O nome disso, dizem, é climatério. Mas ele é muito mais do que os hormônios: ele escancara o acúmulo, a ausência de pausa, o silêncio sobre tudo o que uma mulher sustenta calada.

E no mundo do trabalho, o preço é alto.

Se somos firmes, dizem que estamos “difíceis”.

Se adoecemos, sugerem terapia, mas não mudam o ritmo.

Se questionamos, nos colocam na “gaveta do RH”.

Invisibilidade institucionalizada

O mercado de trabalho ainda enxerga o envelhecimento das mulheres como um declínio - não como uma transição de potência.

A gente para de menstruar e, junto com o sangue, escoa muitas vezes o respeito, a escuta, o desejo das instituições em nos manter nos espaços de decisão.

Não falta vitalidade.

Falta vontade política de aproveitar a experiência feminina sem sugar até a última gota.

Enquanto a juventude masculina é celebrada como “inovadora”, mulheres maduras precisam provar três vezes mais que ainda “dão conta”.

Mesmo que estejam há décadas segurando não só o trabalho, mas a cultura do cuidado.

Um novo saber que precisa aparecer

O saber da mulher de 50 anos não está nas planilhas.

Está na forma como ela percebe o que não foi dito numa reunião.

Na forma como lida com o conflito entre duas pessoas da equipe que nunca foram ouvidas de verdade.

Na sua capacidade de sustentar o afeto sem fazer disso um espetáculo.

Esse saber é subjetivo, relacional, profundo.

Mas porque não é mensurável, é frequentemente descartado como “intuição” ou “jeito de ser”.

E aqui começa a nossa luta: nomear o que sabemos, afirmar o valor do que fazemos, falar sobre o que sentimos sem sermos lidas como descontroladas.

Não é sobre resiliência. É sobre reconhecimento

O climatério é, muitas vezes, a primeira oportunidade real de uma mulher olhar pra si sem culpa.

E muitas de nós, nesse processo, descobrem que não querem mais subir a escada do sucesso dos outros.

Querem construir outra escada.

Ou andar descalça.

Ou sentar no chão, junto de outras mulheres, pra inventar um novo jeito de estar no mundo.

Enquanto o mercado continuar premiando apenas a performance, continuará perdendo o que há de mais transformador no trabalho:

a presença madura de quem já viveu o bastante para não ter mais medo do espelho.

* Aline Amorim é psicanalista em formação, educadora e pesquisadora nas áreas de saúde mental, envelhecimento e relações de trabalho.

Source: https://altamiroborges.blogspot.com/2025/07/climaterio-e-invisibilidade-do-saber.html