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Megashows: sem crise para os ricos

23 de Julho de 2017, 21:34 , por Altamiro Borges - | No one following this article yet.
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Por Eduardo Nunomura e Jotabê Medeiros, na revista CartaCapital:

Que tipo de crise é essa? Em menos de duas horas, sumiram todos os ingressos para os três shows do U2 no Morumbi, em outubro. São três estádios lotados, uma estimativa de público de mais de 200 mil pessoas. Detalhe: os ingressos custavam até 1.360 reais e havia filas online para comprar de até 70 mil pessoas.

O Rock in Rio 2017, que será realizado nos dias 15, 16, 17, 21, 22, 23 e 24 de setembro, no Parque Olímpico do Rio , esgotou os ingressos ainda no início de abril (o preço era de 455 reais), também em poucas horas. São 700 mil pessoas em 7 dias de evento, com atrações como Justin Timberlake, Lady Gaga, Aerosmith e outros.

O site Rockin’ Chair, que faz acompanhamento do mercado de show business no Brasil, registrou aumento substantivo no preço dos ingressos no País. Em 2013, o preço médio dos megashows era 420 reais. Em 2017, já está em 525 reais. Na quinta-feira 6, esperava-se uma nova corrida por ingressos caros. Começaria a venda dos tíquetes para a temporada paulistana de Amaluna, nova superprodução do Cirque du Soleil (que será abrigada no Parque Villa-Lobos a partir de 5 de outubro). Custam entre 250 e 450 reais.

O grupo de entretenimento canadense retorna ao Brasil, após quatro anos, com Amaluna, que estreou em Montreal em 2012 e já passou por 30 cidades de 10 países e foi visto por mais de 4 milhões de espectadores.

Mesmo espetáculos alternativos, menores, como o show do cantor americano criado na Venezuela Devendra Banhart, no Cine Joia, que só será em novembro, estão com entradas esgotadas. Até domingo 2, a mostra multimídia Steve Jobs, no MIS, em São Paulo, chegou a 12 mil visitantes – a abertura foi em 15 de junho.

A euforia pelo consumo de arte de elite voltou também ao mundo das artes visuais. Após 12 anos sem filas, o Masp tem de novo a perspectiva de aglomerações em torno de uma exposição de arte. Toulouse-Lautrec em Vermelho é a clássica mostra de artista europeu do século XIX, com 75 obras vindas de empréstimos do mundo todo (algumas delas pedidas com mais de um ano de antecedência).

Ironicamente, a megaexposição do Masp acontece num momento de retração de investimentos públicos. Foi realizada inteiramente com dinheiro privado: o escritório Pinheiro Neto Advogados investiu 2 milhões de reais na montagem. Alexandre Bertoldi, sócio-gestor do escritório, diz considerar que o Brasil, a exemplo dos Estados Unidos, onde doações privadas sustentam o sistema cultural, possui empresas saudáveis que podem (e devem) contribuir para o desenvolvimento.

“Temos empresas e instituições que ainda podem dar dinheiro. Se não se conscientizarem disso, não sei o que vai acontecer com a arte e a cultura”, analisa, acrescentando que não se pode mais contar com o setor público. “A Lei Rouanet era uma tábua de salvação, mas também está muito mais difícil agora”, afirmou Bertoldi. Segundo ele, o Masp “está vindo de um grande buraco” e a hora é de modificar a cultura do mecenato no Brasil.

Esse cenário coincide com a política da exclusividade das empresas de comércio de ingressos. Os promotores buscam um público privilegiado, uma espécie de “bolha” de prosperidade. No caso do U2, houve uma venda prévia com três dias de antecedência para os portadores de cartões do Banco do Brasil. No caso do Cirque du Soleil, é o Banco Original o privilegiado.

Só depois entra a venda geral, com um montante reduzido de ingressos. Mas, no evento do U2, isso provocou reclamações de consumidores, que entraram com uma ação no Ministério Público contra a empresa vendedora, a Tickets for Fun, alegando que teria havido oferta sem a efetiva disponibilidade de ingressos.
As empresas promotoras dos shows do U2 no Brasil (Live Nation, Move Concerts e DC Set, esta última de Roberto Carlos) contrataram a empresa Tickets for Fun para realizar as vendas e, ao receber reclamações sobre a venda, repassaram-nas para a companhia de tíquetes. A empresa informou já estar analisando o processo de compra para detectar possíveis erros.

Só para os dois primeiros shows da banda irlandesa no Morumbi foram comercializados mais de 100 mil ingressos pela internet, o que, segundo a Tickets for Fun, comprovaria que muitos ingressos foram vendidos sem problemas. “Gente, ALGUÉM conseguiu comprar o ingresso do U2? Não é possível, eu só vejo nego falando que não conseguiu, mas os ingressos esgotaram em 1 min”, escreveu Giovanna Medeiros em um fórum do jornal O Globo.

Há ainda um pulsante mercado secundário de venda de ingressos, que foi potencializado pela internet. Sites como StubHub, MonTickets e ViaGogo agem como cambistas online, vendendo livremente centenas de tíquetes a preços inflacionados. Giovanna e outros fãs que desejam ver a banda ao vivo teriam de desembolsar entre 992,86 reais, por um lugar na pista, e 9.900 reais por um nababesco assento na chamada red zone pelo StubHub, oito vezes mais que o preço oficial.

Na teoria, o mercado secundário funciona, mundialmente, como um intermediário entre pessoas que compraram o ingresso, desistiram de ir ao evento e não querem sair no prejuízo. O site facilitaria esse contato entre os fãs retardatários e aqueles com ingressos na mão. O problema é que esse mercado age ao arrepio de qualquer legislação ou fiscalização. Na Itália, a promotora Live Nation admitiu, em novembro, vender tíquetes de um show da banda Coldplay diretamente para a empresa ViaGogo, onde os ingressos apareceram minutos após esgotados no canal oficial . Procurados, os sites não responderam aos pedidos de entrevista.

Toda essa aparente bonança de consumo cultural ocorre num cenário que tem todos os ventos desfavoráveis. O dólar está alto, em torno de 3,30 reais, o que encarece turnês internacionais, cujos contratos são feitos na moeda americana. As passagens aéreas também ficam mais caras, e a economia, desacelerada, seria um fator de inibição para o consumidor.

Mas o que se vê é o contrário. Eduardo Hiraoka, do site Rockin’ Chair, explica que o bloco formado por Chile e Argentina, ao lado do Brasil, viabiliza a vinda das superbandas para estes lados: “Hoje em dia, grandes turnês são essenciais para qualquer banda, mesmo que nem haja um disco novo para divulgar, já que a venda de discos perdeu espaço. Por isso, mesmo bandas consagradas como o U2 dependem de extensas turnês internacionais”.
Num momento de caos econômico e golpe político, há um grupo de pessoas que ignora a crise e mantém o padrão de consumo de luxo. Os ricos, no cenário de crise fabricada do Brasil, ficam ainda mais ricos. Sem colocar o dinheiro em circulação, mantendo ativos altíssimos no mercado financeiro, surfam na crista da crise sem se abalar pelas restrições por que passa a maioria dos brasileiros. E não são só eles. Há outros segmentos incólumes da população.

“Um jovem solteiro, já formado e empregado, que não tem filhos, com um estilo de vida de que não quer abrir mão, tem dinheiro no bolso para gastar”, resume Benjamin Rosenthal, pesquisador na área de cultura de consumo da Fundação Getulio Vargas. Esse mesmo raciocínio, explica Rosenthal, vale para outras formas de constituição familiar, como os casais gays e os divorciados.

Em épocas assim, o consumo de bens culturais sofre retração nas famílias tradicionais, aquelas que possuem despesas fixas de educação, plano de saúde e moradia. Essas deixam de frequentar cinemas, teatros, museus e outros espetáculos, e preferem ficar em casa, o que aumenta os gastos com supermercados e serviços de entretenimento doméstico, como os games, internet de banda larga e streaming de vídeos.

Na crise, os organizadores de megaeventos sabem que o público é menor, porém mais fiel. Rosenthal afirma que eles têm ideia clara do poder de atração de cada espetáculo e podem fixar preços, muitos deles estratosféricos, pelo fato de serem eventos únicos.

Fonte: http://altamiroborges.blogspot.com/2017/07/megashows-sem-crise-para-os-ricos.html