Por Jair de Souza
A manutenção do controle das estruturas de poder de uma sociedade de classes antagônicas com elevadíssimo nível de desigualdade, como é o caso do Brasil, não é uma tarefa simples. Ao mesmo tempo em que precisam se empenhar para garantir a continuidade dos privilégios de uma minoria que não chega sequer a 10% do total da população, as classes dominantes dependem da anuência e do apoio de parcelas expressivas dos restantes 90% para não terem seus interesses afetados.
A história da evolução do capitalismo foi-nos ensinando que as características associadas ao liberalismo só conseguem se impor em períodos de crescimento e normalidade, aquelas fases em que o capitalismo vai em um crescendo e a bonança não abre muitas brechas para questionamentos do sistema.
Mas, quando as crises chegam e os atritos da luta de classes se agudizam, os mentores dos interesses supremos do grande capital precisam recorrer a medidas que não se encontram dentro do arcabouço do liberalismo político. É quando entra em cena o fascismo, em suas diversas variedades.
E por que o grande capital apela ao fascismo em períodos de grandes conturbações sociais? É que o fascismo é uma tentativa desesperada de salvar o capitalismo com o apoio daqueles que mais sofrem sua exploração. O fascismo foi a maneira mais eficaz que os grandes capitalistas conseguiram idealizar para penetrar entre os setores populares e atrair para sua órbita frações significativas de massas populares.
É claro que os donos do capital não seriam tão idiotas a ponto de acreditar que conquistariam a benevolência dos explorados através de consignas que estipulassem propósitos nitidamente favoráveis às classes dominantes. Então, o fascismo precisa necessariamente apresentar-se com uma cara que não possa ser imediatamente vinculada aos grupos reconhecidamente privilegiados da sociedade.
Para penetrar e ganhar aderência entre as vítimas do sistema, a nova faceta política do capitalismo tem de se dizer antissistema, de se reivindicar como inimiga do status quo, como um agente que quer uma profunda mudança no atual estado das coisas. E, na verdade, o fascismo aspira mesmo a realizar uma grande transformação no panorama vigente, mas não para avançar rumo a novas formas liberadoras, senão que para retroceder às fases mais tenebrosas do capitalismo, aos momentos nos quais as classes trabalhadoras ainda não dispunham de nenhuma condição de cobrar e exigir melhorias em suas condições de vida.
Não se deve a nenhuma razão fortuita que os nomes das lideranças fascistas sejam sempre figuras grotescas, patéticas, de aspectos imbecilizados e desprovidas de notória capacidade intelectual. Na verdade, quanto mais longe disso for o dito cujo, mais apropriado para exercer a liderança de um movimento de cunho fascista ele será. Sem que tenhamos que buscar na história um exemplo para o que acabamos de mencionar, vamos dedicar um pouquinho de atenção ao líder atual do fascismo brasileiro, Bolsonaro.
Por que, apesar de todos os bilhões de que dispõem, as classes dominantes de nosso país não investiram em algum outro político com alguma capacidade cultural, intelectual e moral? Isso não se deu por sua falta de capacidade para detectar qualidades entre os muitos agentes políticos disponíveis. Em realidade, a escolha recaiu entre aquele que mais flagrantemente seria sentido como alguém de fora das elites dominantes. Quem do povo iria ver como integrante das classes dominantes àquele ser tão bruto e tosco, sem tradição de fortuna, sem nenhuma bagagem cultural de importância, desprovido dos modais tidos como típicos das oligarquias?
Evidentemente, os meios encarregados de difundir as aspirações políticas das classes dominantes nunca questionavam o fato de que, a despeito de toda essa aparência contrária aos padrões oligárquicos, suas propostas políticas efetivas eram todas destinadas a salvaguardar os privilégios dos mais ricos. Então, a grande vitória dos meios de comunicação do grande capital foi conseguir evitar que o debate se desse em torno das questões estruturais que determinam os rumos de uma sociedade. Embora os líderes bolsonaristas cheguem a causar asco nos integrantes de nossa elite do atraso, por entender a necessidade de um sacrifício maior em prol de seus interesses de classe, eles taparam o nariz e se dispuseram a colocá-lo no comando de suas hostes políticas, até que o pior tivesse passado.
Porem, estas peculiaridades simplórias e nada admiráveis não eram suficientes para inseri-lo com profundidade no seio das camadas populares. Assim, para a difícil tarefa de tornar palatável às massas alguém até então tido como um pitoresco energúmeno, o neopentecostalismo provou ser o instrumento mais eficiente. Portanto, não é possível avaliar o crescimento desta versão brasileira do fascismo e sua difusão no seio de numerosa parcela de nossa população mais humilde, sem levar em conta o papel das empresas-igrejas vinculadas ao neopentecostalismo. Podemos dizer que, do ponto de vista ideológico, o bolsonarismo não se sustentaria sem a presença das igrejas neopentecostais.
Contudo, se temos plena consciência de que o neopentecostalismo é uma corrente ideológica criada e instrumentalizada para a defesa da hegemonia imperialista dos Estados Unidos, por que eles ganham tanto espaço entre setores do povo que nada têm a ganhar com sua presença? Para responder adequadamente esta indagação, precisamos ter humildade suficiente para admitir que isto se dá por uma compreensão insuficiente do problema, que permeia tanto as massas populares como a nós, do campo da militância de esquerda.
O dever moral e ético de todo militante de esquerda é colocar-se ao lado das vítimas mais vulneráveis deste avassalador processo de violência do capitalismo no estágio atual. Nossa obrigação é levar em conta as dificuldades que obscurecem o entendimento de gente do povo e os levam a aderir a projetos contrários aos mesmos. Ainda que dê trabalho e não seja algo fácil de concretizar, nós precisamos raciocinar a partir das circunstâncias que induzem a boa parte do povo a marchar em um rumo que consideramos equivocado. Portanto, se há muitos dos grupos dos explorados que se deixam enganar por propostas prejudiciais a seus interesses intrínsecos, também existem militantes de esquerda que são incapazes de compreender os motivos por trás disto e, em consequência, acabam por responsabilizar as próprias vítimas por sua fatalidade.
Os ideólogos da extrema direita neopentecostal entenderam a importância da ideologia para angariar o apoio de enormes contingentes de nossa população. Em tal sentido, eles apelam para o nome de Jesus, pois sabem da sensibilidade que o mesmo gera entre nosso povo. Mas, como seria de esperar, a extrema direita imperialista-neopentecostal não deseja de modo nenhum que o povo sob sua influência tome como exemplo a seguir aquilo que norteou a conduta de Jesus, conforme estipulado nos Evangelhos. Ora, se o Jesus dos Evangelhos atua e se manifesta de maneira totalmente oposta ao que os donos do neopentecostalismo pregam e praticam, é mais do que óbvio que a conduta de Jesus não lhes convém. Por isso, eles só falam de Jesus fora de sua vida e sua atuação prática.
E o que a esquerda tem a ver com isso? Tem muito a ver. Se nós da esquerda não conseguirmos perceber o grande potencial revolucionário que existe para mobilizar as massas a partir do próprio Jesus, estaremos deixando todo este potencial para o exclusivo benefício dos agentes do fascismo-neopentecostal. E ninguém precisa discutir se Jesus nasceu mesmo de Maria virgem, se ele multiplicou ou não os pães, se transformou de verdade a água em vinho, etc. Os exemplos de Jesus em luta a favor do povo trabalhador são mais do que abundantes. Já os em favor dos privilegiados não existem.
Não é preciso ter nenhuma fé espiritual para dar-se conta da importância que a religião tem para amplas parcelas de nosso povo. O revolucionário de verdade não tem por missão salvar a alma de ninguém, mas tem, sim, a obrigação inarredável de lutar para que as crenças já presentes em nosso povo possam servir às causas favoráveis ao povo trabalhador. Para tal efeito, devemos deixar de lado muito do preconceito que ainda levamos em nosso interior e buscar os caminhos e as maneiras de ajudar aos que se motivam em função da fé a avançar no rumo da justiça e da solidariedade para todos.
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