Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam muito bem
Que a Vila Não quer abafar ninguém,
Só quer mostrar que faz samba também
Noel Rosa-Palpite Infeliz
Infelizmente, a lógica excludente e belicista da nova Guerra Fria tornou-se ubíqua. Na mídia conservadora brasileira, ela é, há muito, predominante.
Grande parte da nossa mídia analisa a reunião do Brics em Kazan com base nessa mentalidade. Estão mais preocupados em criticar Putin ou com a entrada ou não da Venezuela que com os grandes temas que são tratados na reunião.
Segundo essa lógica, o Brasil teria de escolher um “lado”, na disputa entre as supostas “democracias” e as supostas “autocracias”.
Em outras palavras, nosso país teria de escolher entre ser um aliado dos EUA e do Ocidente ou ser aliado da China, da Rússia etc., além de um membro do Brics.
Ora, o Brasil não pode se submeter a esse dilema geopolítico falacioso. O Brasil não tem de escolher um “lado’.
O lado do Brasil é o Brasil, país que tem interesses próprios e soberanos, os quais não se subordinam ao de nenhum outro país.
Como diz Paulo Nogueira Batista Júnior, o “Brasil não cabe no quintal de ninguém”. Nem no quintal monroísta dos EUA, nem no quintal da UE, nem no quintal da China, da Rússia etc. Queremos dialogar e cooperar com todo o mundo, mas não nos submetemos a ninguém.
No quadro dessa lógica falaciosa, a ordem mundial é um jogo de soma zero. Para que alguns prosperem e se fortaleçam outros têm de se enfraquecer e fracassar.
O Brasil, ao contrário, vê a ordem mundial como um jogo de soma positiva, no qual a ascensão e a prosperidade de novos atores não implicam, necessariamente, a ruína de protagonistas já consolidados. Se houver cooperação, respeito mútuo e reciprocidade, todos podem ganhar. A prosperidade de uns pode e deve estimular a prosperidade de outros. Apostar em assimetrias é burrice.
Nesse sentido, o Brics, uma criação do Brasil, não pode ser visto com o olhar paranoico de “uma ameaça aos países do Ocidente”, embora muitos no Ocidente assim o vejam.
Na realidade, o crescente protagonismo do Brics e o grande número de pré-candidatos para integrá-lo são resultados de uma clara insuficiência de governança global, da inação e insuficiência representativa do Conselho de Segurança da ONU, da política agressiva dos EUA e do Ocidente contra o Sul Global e da necessidade de se superar a extrema dependência que o mundo ainda tem, relativamente ao dólar, entre vários outros fatores.
EUA e seus grandes aliados, que compõem o chamado Ocidente, representam cerca de 1, 2 bilhão de pessoas. Ora, o mundo tem ao redor de 8 bilhões de indivíduos. A maioria dessa população e dos países do planeta não se sente bem representada numa ordem mundial ainda dominada pelo unilateralismo, pelo belicismo e pela inoperância em temas cruciais, como o das mudanças climáticas, o da pobreza, o das desigualdades etc.
Nesse sentido, os que dizem defender as “democracias” sustentam uma ordem mundial pouco democrática e assimétrica.
Assim, por mais paradoxal que possa parecer para os ideólogos do maniqueísmo internacional, o Brics representa um importante vetor para a construção de uma ordem mundial mais multipolar, cooperativa, pacífica, simétrica e efetivamente democrática, na qual os países do Sul Global sejam mais ouvidos e representados.
O Brics não é “anti-Ocidente” é “pró-humanidade”.
Para quem não sabe, a Rússia de Putin quis fazer parte da União Europeia e até mesmo da Otan, mas foi rejeitada. Jeffrey Sachs, criador do acrônimo Bric, é testemunha disso.
Para quem não sabe, a China não tem qualquer desejo de confrontar-se com os EUA, mas o governo desse país está obcecado em “conter Beijing”.
O Brasil, soft power por excelência, cresce na cooperação e nas negociações e beneficia-se do Brics, sem se colocar como antagonista de quem quer que seja.
Definitivamente, o Brasil jamais cederá à lógica primitiva e reacionária de quem vê o mundo com os olhos restritivos, excludentes e belicosos de uma ordem planetária baseada no jogo de soma zero.
Quem enxerga inimigos em todos os lados torna-se inimigo de si mesmo. E quem quer impor “democracia” não é democrático.
Parafraseando Noel Rosa, o Brasil não quer “abafar” ninguém, só quer mostrar que faz samba também.
E isso o Brasil faz muito bem.