Democratização da Comunicação, Reformas de Base e Direitos Humanos.
#Descomemoração da Globo: 50 anos manipulando a opinião pública
26 de Abril de 2015, 22:14Ao longo da sua história, a emissora se tornou especialista em noticiar apenas o que interessa aos donos do poder
A Rede Globo completa, neste domingo (26), 50 anos de existência com vários atos organizados pelos movimentos populares em todo o país em “descomemoração”. O site da UNE preparou uma série de reportagens especiais sobre o papel da empresa na história política do Brasil, a sua relação com a ditadura civil-militar e a barreira que ela impõe à democratização da comunicação. Leia aqui a segunda parte.
Junto do seu crescimento nos anos de chumbo, alcançando praticamente todos os televisores do país, a Rede Globo passou a controlar a opinião pública brasileira em interesse próprio. “A forma como a emissora historicamente inviabiliza algumas pautas, dando a entender que a sociedade tem apenas um caminho a seguir, vai manobrando a informação púbica da forma como bem entender”, coloca o coordenador do coletivo Intervozes, Pedro Ekman.
Durante a ditadura, a empresa colaborou com uma cobertura seletiva dos fatos, “noticiando apenas o que interessava ao governo”, afirma a pesquisadora Beatriz Kushnir, autora do livro “Cães de Guarda – Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988”. O programa “Amaral Neto, o Repórter”, por exemplo, ocupou por 15 anos (1968-1983) espaço na grade do canal enaltecendo as ações do governo.
A parceria era tanta, explica Kushnir, que o grupo de mídia escapou da censura até 1975, quando a novela Roque Santeiro foi proibida na véspera da estreia. “A partir de então, a Rede Globo institui o chamado ‘controle de qualidade’, no qual jornalistas aposentados eram responsáveis por fazer uma censura interna e evitar cortes que poderiam causar prejuízos econômicos. A autocensura só viria acabar no final dos anos 1990”, conta a historiadora.
MENTIRA POUCA É BOBAGEM
“Depois da ditadura, a Globo manteve o mesmo papel de defender a elite, mas com uma roupagem diferente. A opinião da emissora se torna mais ou menos explicita a depender do momento politico pelo qual o país passa”, observa Renata Mielli, que além de integrar o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação, é diretora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Segundo Mielli, durante a redemocratização do país, quando os movimentos populares, especialmente o sindical e o estudantil, se fortaleciam politicamente e ameaçavam o poder instituído, o canal agiu abertamente para defender a manutenção do status quo. Dois momentos ficaram marcados como flagrantes casos de manipulação da opinião pública.
A Globo tentou esconder o comício das Diretas Já, em 25 de janeiro de 1984, na praça da Sé, noticiando ser uma festa em comemoração aos 430 anos de São Paulo. Durante a campanha presidencial de 1989, a emissora favoreceu o candidato Fernando Collor na edição do debate com Lula. “Aquele debate foi o tiro de misericórdia”, pontua Mielli. Anos mais tarde, o canal chegou a admitir a manipulação.
Para o advogado Renan Quinalha, membro da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, a influência da Globo foi decisiva na construção da narrativa sobre o período de redemocratização. “A Globo controlou o processo de transição e criou um senso comum que respalda a narrativa da conciliação e não corresponde aos anseios dos movimentos sociais da época. O caso das Diretas Já e da eleição de 89 foram momentos chaves deste período em que a emissora teve uma atuação política muito grande”, destaca o jurista.
COM QUE ROUPA EU VOU
O jornalista Rodrigo Vianna, que trabalhou na Globo durante os anos 1990 e 2000, observa que a empresa foi sofisticando a forma de pautar a sociedade neste período, tentando construir uma imagem mais neutra e plural. “Após a eleição de 2002, no entanto, volta ao velho hábito e se torna o principal núcleo de oposição aos governos Lula e Dilma”, avalia o blogueiro. “Eles são ainda mais nocivos justamente porquê tem qualidade. Atuam como um partido e deveriam ser tratado dessa forma.”
Para o ex-repórter da emissora, a Globo teve ainda um papel escandaloso ao manipular as manifestações de junho de 2013 e de março de 2015 para jogar a população contra o governo. Em 2013, ficou famoso o caso em que o comentarista da emissora, Arnaldo Jabor, mudou de opinião após a violência policial ter tornado os protestos de “revoltosos da classe média” contra o preço da tarifa do ônibus em um movimento de massa nacional.
“Tanto em 2013 quanto em 2015, a Globo manipulou para vender os atos como se fossem apenas contra a corrupção e a favor da democracia. No dia 15 de março, os repórteres da emissora convocavam abertamente as pessoas para ir para a Avenida Paulista. Ironicamente, esconderam as pessoas que foram às ruas pedir o golpe e o retorno da ditadura. A Globo preferiu mostrar que era um ato da família brasileira”, observa Vianna.
O diretor de comunicação da UNE, Thiago José, vê esse comportamento da Globo como uma ameaça à democracia. “A informação veiculada pela grande mídia, muitas vezes manipulada e inverídica, virou munição para os setores conservadores, contribuindo para a desestabilização da democracia brasileira”, afirma o dirigente da entidade.
União Nacional dos Estudantes - UNE
Descomemoração dos 50 anos da TV Globo
23 de Abril de 2015, 23:49Foto: Rafael Stedile |
Sonegação da Globo
Globogolpe Remix
Levante sua voz
Muito além do Cidadão Kane
Don Quixote no cérebro da Globo
Outros vídeos e materiais produzidos com este tema, e em fase de edição final, também serão incluídos nesta lista, posteriormente.
O pesado legado que Joaquim Barbosa deixou para a democracia brasileira
5 de Abril de 2015, 17:34
Em vez de servir para punir exemplarmente culpados, o "mensalão", com seu domínio do fato, transformou a Justiça em parte do terceiro turno eleitoral.
O Supremo Tribunal Federal (STF), a partir do caso chamado Mensalão, arvorou-se em fazer política com "p" minúsculo, sem pensar nos precedentes que abria nos momentos em que jogava para a plateia, escolhia inimigos e relativizava a Constituição. Ao fazer jogo político sem que fosse qualificado para isso, pois não é um poder que decorre da livre escolha popular, não mediu as consequências e deixou uma lista de precedentes com potencial de corroer a democracia brasileira.
O primeiro mal exemplo que deu foi o de que um poder não deve obedecer limites. Ao longo do período pós-ditadura, a Corte maior do país se dedicou a uma crescente militância. A nova composição do Supremo, pós-Mensalão, é muito mais jurista do que política, mas é ela que vai ter que pagar pelo erro dos seus antecessores.
No julgamento do Mensalão, em vez de manter-se acima de um clima de comoção artificialmente criado por partidos de oposição e uma mídia avassaladoramente monopolista, o STF fez parte da banda de música. O que se tocava era um mantra segundo a qual qualquer que fossem as provas, quem deveria pagar com a cadeia era a banda governista envolvida no escândalo. Se as provas não corroborassem, que se danassem as provas. Era uma onda de pânico tão típica de momentos aterrorizantes da história mundial – como a ascensão do nazismo e do fascismo, com a repetição de “verdades” construídas sobre afirmações mentirosas, mas fáceis de atrair ódio sobre grupos políticos adversários – que a inclusão da Corte Suprema do país nesse tipo de armação foi de tirar noites de sono de quem já viveu o pesadelo de ditaduras.
O STF abraçou entusiasticamente a tese do domínio do fato para justificar a condenação, por exemplo, de Henrique Pizzolatto (acusado de desviar um dinheiro da Visanet, empresa privada de cartões de débito, que comprovadamente foi destinado para veiculação de anúncios nos próprios veículos de comunicação que o acusavam de corrupção), ou de José Genoíno (que foi condenado porque assinou um empréstimo bancário que comprovadamente entrou na conta bancária do PT e foi quitado pelo partido), ou de José Dirceu (que se supôs ser o mentor do esquema sem que nenhuma prova disso fosse apresentada à Justiça). Com isso, a Corte deu satisfações a uma parcela da população que advogava a prisão a qualquer custo, mas por este prazer de momento legou ao país a dura herança da condenação sem provas e do espetáculo midiático em vez do julgamento justo. O STF alimentou o senso comum de que lugar de adversário político é na cadeia. A democracia brasileira vai levar anos, décadas, uma era, para se livrar desse legado.
O juiz Sérgio Moro forçou a mão nas suas decisões de indiciamento das pessoas mais ligadas ao PT e ao governo, no curso da Operação Lava Jato, e provavelmente condenará a todos eles, com provas ou, se não consegui-las, por suposição. Mas não se pode acusá-lo de ter inventado a roda. A insegurança jurídica provocada pela teoria do domínio do fato – que aproxima a Justiça da democracia brasileira dos famigerados Inquéritos Policiais Militares (IPMs) da ditadura, responsáveis pela “investigação” e “julgamento” de adversários políticos por suposições de corrupção – é obra do ex-ministro Joaquim Barbosa, corroborada pela maioria do plenário do STF, no bojo de uma histeria coletiva artificial provocada por uma pressão direta da oposição e dos meios de comunicação, on line, na medida em que o julgamento se desenrolava nas telas das TVs. Barbosa continuará produzindo condenações altamente questionáveis mesmo depois de ter ido embora para casa tuitar palpites sobre uma democracia que ele não cuidou quando era ministro do Supremo.
Daí que o precedente Joaquim Barbosa gerou Sérgio Moro, que forçou a mão nas peças jurídicas que levaram ao indiciamento de uns, e deixaram passar culpas de seus oponentes.
O precedente Joaquim Barbosa condenou Pizzolatto por contratos do Banco do Brasil com a Visanet que são anteriores à sua posse na diretoria da Marketing da estatal. O tesoureiro do PT, João Vaccari, foi indiciado por financiamentos legais de campanha feitos ao seu partido pelas empresas implicadas no escândalo Petrobras desde 2008 – sem que Moro tenha se importado com o detalhe de que Vaccari assumiu a tesouraria da legenda a partir de fevereiro de 2010. Se a intenção fosse a de fazer justiça, o juiz teria no mínimo feito referência ao tesoureiro anterior. Usou, todavia, o domínio do fato, para argumentar uma responsabilidade telepática de Vaccari sobre fatos que aconteceram mesmo antes de ele assumir o cargo.
O juiz argumenta, ao aceitar a denúncia, que João Vaccari “tinha conhecimento do esquema criminoso [de pagamento de propinas por empresa fornecedoras da Petrobras] e dele participava”, fiando-se em delações premiadas de participantes do esquema que tinham interesse pessoal em responder aos anseios das autoridades policiais e judiciárias que jogavam para uma plateia – e que fizeram isso de forma mais intensa no período eleitoral, com fartos vazamentos seletivos sobre um inquérito que envolveu Deus e o diabo na terra do sol.
Moro tomou como fato inquestionável – e confundiu isso com prova – que o esquema envolveu exclusivamente os últimos governos, e que o financiamento dado oficialmente ao PT era, na verdade, produto de propina. E traçou uma lógica segundo a qual a cada fechamento de contrato pelas empresas envolvidas resultava numa doação legal para o PT, ou para uma campanha do PT.
Quando se toma a doação dessas mesmas empresas para o PSDB e para o PMDB, todavia, fica um grande vazio. Existem duas ordens de doações privadas para partidos e candidatos, segundo Moro: uma, recebida por determinados partidos, que são propina; outra, captada por outros partidos, que não são crimes.
Se tomados os dados de doação registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as 16 empresas envolvidas no Caso Lava Jato (Galvão Engenharia, Oderbrecht, UTC, Camargo Correa, OAS, Andrade e Gutierrez, Mendes Júnior, Iesa, Queiroz Galvão, Engevix, Setal, GDK, Techint, Promon, MPE e Sranska) contribuíram com R$ 135,5 milhões para as eleições de 2010 e R$ 222,5 para as eleições de 2014.
Nas eleições de 2010, o PMDB, que não tinha candidato presidencial, recebeu a maior parcela, de R$ 32,85 milhões; o PT, R$ 31,4 milhões e o PSDB, R$ 27 milhões. Foram os três maiores agraciados, com 24%, 23% e 20% das doações totais dessas empresas, respectivamente. Todavia, o PSB, o PP, o PRB e o PSC conseguiram também quantias consideráveis: R$ 19,5 milhões, R$ 6,5milhões, R$ 4,95 milhões e R$ 2 milhões, respectivamente. PDT, PC do B, DEM, PTB, PTN, PTC, PTdoB e PMN receberam entre R$ 150 mil e R$ 1,8 milhão.
No ano passado, PT e PSDB mantiveram, de novo, arrecadação muito próxima dessas mesmas empresas. O partido de Dilma conseguiu R$ 56,38 milhões junto a essas fontes, mas o PSDB de Aécio não ficou muito atrás: obteve R$ 53,73 milhões. O PMDB ficou em terceiro em arrecadação, mas rivalizando com os dois partidos que disputaram a Presidência no segundo turno: conseguiu levantar R$ 46,62 milhões dessas empresas. O PSB de Marina Silva ganhou R$ 15,8 milhões; o DEM, R$ 12 milhões; o PP, R$ 10,25 milhões; o PSD, R$ 7,13 milhões; e o PR, R$ 6,85 milhões. Os demais partidos arrecadaram entre R$ 3,3 milhões e R$ 100 mil.
Esses números certamente não querem dizer que todos os partidos que receberam dinheiro dessas empresas tenham, na verdade, recebido propina por serviços prestados a elas. Mas indicam que a simples existência de doações legais ao PT não comprova propina. É preciso que existam provas do ilícito, e que elas sejam mais consistentes do que a delação de implicados que são réus confessos e que foram premiados pela Justiça.
É esse legado que o país carrega do caso Mensalão. Em vez de servir para punir exemplarmente culpados, o Mensalão abriu o precedente de incluir a Justiça com parte de um terceiro turno eleitoral. A Justiça brincou de fazer política e não olhou para os precedentes que abria. A insegurança jurídica que isso causa pode levar no mesmo rodo, no futuro, a água dos que encenaram o espetáculo da condenação sem provas.
do Carta Maior