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Carta ao eleitor, eleitora de Jair Bolsonaro

October 11, 2018 21:51 , by Correio do Brasil - | No one following this article yet.
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Carta do nosso colunista José Ribamar Bessa Freire ao eleitor do candidato Jair Bolsonaro, escrita pouco antes do primeiro turno, mas válida ainda para o segundo turno, dia 28.

Por José Ribamar Bessa Freire, de Niterói:

O que poderá nos trazer Bolsonaro com seu discurso de extrema-direita, mesmo negando ser?

Prezado (a) eleitor(a) do Bolsonaro

Saudações. Escrevo essa carta, mas não repare os senões. Segundo os institutos de pesquisas, vocês constituem um exército considerável de 30 milhões de eleitores, entre os quais se encontram alguns familiares e amigos queridos, que merecem ser tratados com o devido respeito, rompendo esse círculo de ódio dos debates nas redes sociais. Mas assim como eu ouço vocês, espero obter a mesma atenção. Lembro que discordar faz parte do jogo democrático, que é possivel exercitá-lo com veemência e contudência, mas sem ódio.

Confesso – quem diria? – que temos muitas coisas em comum. Somos brasileiros. Amamos nossos filhos (as) e netos (as).  Muitos de nós convivemos com cachorros e gatos, que muito estimamos Sofremos com a insegurança, a corrupção, a impunidade, o desemprego. Queremos melhorar nosso país. Compartilhamos o sentimento de que fomos enganados. Sem contar que eu me enquadro em quase todos os itens do perfil do eleitor do PSL traçado pelo Ibope: a maioria esmagadora é de homens (o triplo das mulheres), auferindo mais de cinco salários mínimos, 32% com 51 anos ou mais, 41% pelo menos com ensino médio, 72% católicos ou evangélicos. A maioria gente branca, embora eu não saiba quem é branco no Brasil.

Existem muitas convergências entre nós. As divergências surgem quando se propõe soluções aos problemas. A segurança, por exemplo. O teu candidato acha que bandido bom é bandido morto, que direitos humanos é mimimi. Defende que a tortura seja uma prática institucional do Estado e que criminosos sejam eliminados. Quer armar a população. Se isso acontecer, nas escolas alunos matarão colegas e professores como nos Estados Unidos e já começa a ser prática aqui, vide o estudante de 15 anos que feriu dois colegas em um colégio no Paraná nesta sexta (28). Traficantes estão em campanha em prol do capitão, acreditando que a proposta deles lhes favorece para que se armem legalmente.

“Aquilo”

Numa conversa por whatsApp, um familiar querido destilou fel:

– O discurso de ódio de Bolsonaro é direcionado aos bandidos. Se você se sente incomodado, sinto muito te dizer, mas acho que você é um deles. Acha correto?

Expliquei-lhe que o meu candidato, defensor da cultura da paz, sustenta que não são as pessoas desarmadas que devem ser armadas, tal insanidade só faz aumentar o tiroteio e as mortes. É o contrário: são os bandidos que devem ser desarmados. O desarmamento de todos causa prejuízos para a indústria armamentista financiadora de candidatos – a chamada bancada da bala, mas traz segurança para a população. Além do que “bandidos” somos nós, que nos incomodamos com tal discurso. Parece filme americano e a gente já sabe quem é o “mocinho”.

Em vista do exposto, te pergunto: não seria interessante ver os programas de presidenciáveis menos rancorosos e mais competentes? Tem tantas opções… O Cabo Daciolo, por exemplo, evangélico neopentecostal sincero, comunga com o slogan bolsonarista “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, mas não concorda com essa proposta maluca de que cada um faça justiça com as próprias mãos. Jejuou 21 dias nos montes (devia ter levado o capitão com ele), voltou de lá iluminado para o debate no SBT nesta quarta (26). Defendeu as minorias, os índios, os negros, os quilombolas, apoiou o sistema de cotas e as políticas públicas de governos criadas nos últimos 20 anos.

– Uma pessoa que diz que vai tirar o FIES, o Bolsa Família, o ProUni, essa pessoa nunca passou necessidade, nunca faltou comida na casa dela – disse Daciolo que defendeu ainda a valorização da mulher no mercado de trabalho e salários e cargos iguais aos dos homens, contrariando o programa do teu candidato. Homenageou todas as mulheres do Brasil e ainda mandou recado ao vivo para o símbolo delas, sua genitora, presente no estúdio:

– Mamãe, eu te amo.

Daciolo pode parecer meio alucinado e “folclórico”, mas além de alegrar os debates, é menos lunático do que os que pregam ódio, violência, homofobia, misoginia, cortes de conquistas sociais e de direitos trabalhistas, como o 13° salário, e a tortura. Bolsonaro, no entanto, acha que quem discorda dele, é comunista – palavra assustadora capaz de cegar qualquer um. Nomeia um fantasma já morto tentando ressuscitar aquilo que a própria história enterrou no século passado. Dona Elisa, mãe deste soldado Taquiprati, não ousava nem pronunciá-la. Dizia “aquilo” no lugar de “comunista”, para “não sujar a boca”, igual a dona Feliciana, mãe de um amigo meu lá de Abaeté (MG), que continua sendo “aquilo” até hoje. Você, eleitor do capitão, certamente objetará com o fantasma do comunismo:

– O Daciolo é “aquilo”, militou no PSOL.

Segredo revelado

Então não vou nem falar do meu candidato: Boulos e Sônia Guajajara, para não brigar contigo. Busquemos então outras alternativas. Por que não Fernando Haddad? Ele foi um puta ministro da Educação, pretende lutar pelos direitos dos trabalhadores, das mulheres, pelas conquistas sociais, incluindo a manutenção do 13º salário garantido pela Constituição, que Bolsonaro quer acabar – um segredo revelado pelo general Mourão com repercussão tão negativa entre seus eleitores que desdisse o que havia dito.

– Haddad não! A vice dele é “aquilo”. Além disso, o PT traiu nossa confiança, prometeu combater a corrupção e chafurdou na lama – dizem alguns amigos meus que são eleitores de Bolsonaro. Eles já votaram em Dilma, duas vezes em Lula, como Ricardo Roriz, 60, que há oito meses tatuou o rosto de Bolsonaro na perna direita e gravou nos braços o slogan da campanha. Por se sentirem enganados, vocês ficaram cegos de ódio. Embora discordando de tanto rancor, entendo tua alma, meu irmão.

Efetivamente, tens razão: lambanças foram cometidas por alguns ministros e parlamentares do PT e seus aliados que praticaram, no exercício do poder, aquilo que vem se fazendo no Brasil desde Tomé de Souza, não se diferenciando, nesse aspecto, de Temer, Aécio, Jucá, Sérgio Cabral, Cunha e, com todo respeito, do próprio Bolsonaro. Até hoje o PT não fez uma autocrítica de suas alianças com o lixo da política brasileira em nome da tal “governabilidade”.

Mas não se pode generalizar. O PT é formado por milhares de militantes íntegros, como Haddad. Seria o mesmo que afirmar, por causa de alguns nazistas e fascistas, que todo eleitor de Bolsonaro é canalha, não presta. O que, afinal, a gente quer com nosso voto? Manifestar o ódio comprometendo o futuros de nossos filhos ou encontrar o caminho melhor para o país? Achar que Bolsonaro vai combater a corrupção é de uma ingenuidade similar à ilusão dos eleitores de Collor, o “caçador de marajás”, que engabelou milhões de brasileiros.

Os jornais acabam de revelar que Jair Bolsonaro ocultou da Justiça Eleitoral e de todos nós a propriedade de duas casas que juntas valem R$ 2,6 milhões. O Globo comprovou isso em cartórios do Rio de Janeiro. São 27 anos no poder como parlamentar, durante os quais – ainda bem – aprovou apenas três projetos sem importância. Mas durante esse tempo, o capitão usou dinheiro público para pagar uma “assessora” que cuidava de seus cachorros em Angra dos Reis e acumulou bens, que não foram declarados sabe-se lá porquê. Se fez isso sem ter ainda as chaves do cofre, o que não fará com elas em suas mãos?

Democracídio 

Prezado eleitor de Bolsonaro, todo mundo é livre, evidentemente, para votar em quem quiser. Mas pensa antes se não estás entrando numa canoa furada como os eleitores do Collor, o “caçador de marajás”. Lembra que Geddel e Aécio, no impeachment de Dilma, posavam de honrados, diziam combater a corrupção e estavam nela atolados até o pescoço como sabemos hoje.

Jair, como Collor, usa essa bandeira e a indústria do anticomunismo para se eleger, enganando assim os bem-intencionados, os ingênuos, os desinformados, os tolos, os otários. E isso acompanhado de medidas para calar a imprensa, fazer uma nova Constituição só com “notáveis”, num claro processo de democracídio. Já disse que se perder não aceitará o resultado das eleições.

Se minha reza tivesse algum valor, rezaria por ti, eleitor do Bolsonaro, de quem tenho pena, de verdade, como tive dos eleitores do Collor, pela tremenda empulhação a que foram submetidos. Estás votando contra teus próprios interesses de classe, completamente desinformado, sem conhecer a história recente do país nos últimos 50 anos. Teremos sorte se nesta semana que antecede as eleições, o general Mourão revelar outros segredos da chapa que possam orientar nosso voto.

De qualquer forma, manifestações ocorreram em 230 cidades brasileiras e até no exterior contra o nazismo, o fascismo, o feminicídio, o ódio, a exclusão e a barbárie. A verdadeira carta endereçada a vocês são as manifestaçoes organizadas pelas mulheres. Espero que vocês, eleitores de Bolsonaro, saibam ler o que foi escrito nas ruas e praças do país neste sábado, mesmo se a escrita for em língua guarani.

P.S. Pense bem: a eleição de deputados e senadores é ainda mais importante que a presidencial.

osé Ribamar Bessa Freire, professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de doutorado e mestrado e da Faculdade de Educação da UERJ, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indigenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra Ti. Tem mestrado em Paris e doutorado no Rio de Janeiro. É colunista do Direto da Redação.

Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.


Source: https://www.correiodobrasil.com.br/856976-2/

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