O assassinato de João Alberto Silveira Freitas pelos seguranças truculentos do Carrefour é revoltante e, ao mesmo tempo, é a nova imagem do Brasil circulando pela mídia mundial – a de um país racista, além de destruidor da floresta amazônica. O Brasil hoje virou pau-de-galinheiro com um governo desqualificado que incentiva a violência. Seguem quatro comentários de colegas jornalistas:
A paciência tem limite!Elio Gáspaari – Racismo e também demofobia
Desigualdade não explica assassinato de Beto Freitas em Porto Alegre
Só na semana que vem será possível medir o impacto eleitoral do assassinato de João Alberto Silveira Freitas pela milícia formalizada da rede francesa Carrefour em Porto Alegre. No dia 9 de novembro de 1988 uma tropa do Exército matou três operários que ocupavam a usina de Volta Redonda. Seis dias depois, para surpresa geral, a petista Luiza Erundina foi eleita para a Prefeitura de São Paulo.
Como disse o vice-presidente, Hamilton Mourão, João Alberto, o Beto, era uma “pessoa de cor”. Seu assassinato aconteceu no mesmo dia em que o Carrefour anunciava na França sua disposição de boicotar os produtos brasileiros vindos de áreas desmatadas do cerrado. Beleza, em Paris milita-se na defesa das árvores enquanto em Porto Alegre mata-se gente.
Esse tipo de comportamento é velho e disseminado. Em 2001 a milícia formalizada da rede Carrefour prendeu duas mulheres no Rio de Janeiro e entregou-as à milícia informal de traficantes de Cidade de Deus. Foram espancadas, mas os bandidos não cumpriram a ameaça de queimá-las vivas.
Quando o caso foi denunciado, o embaixador francês era o professor Alain Rouquié, um conhecido intelectual parisiense. Ele foi ao governador Anthony Garotinho e reclamou do noticiário que prejudicava a imagem internacional do Carrefour.
Pelos critérios americanos do século 19 e sul-africanos do 20, Mourão é uma “pessoa de cor”. A escrava de Thomas Jefferson com quem ele se acasalava era mais branca que o general.
Segundo o vice-presidente e muita gente boa, no Brasil não existe racismo, existe desigualdade. O que pretende ser uma explicação é um agravo. Desigualdade não explica esse tipo de assassinato. Eles são produto da demofobia, onde o racismo tem um papel funcional, pois a cor identifica as pessoas sem direitos. Se Mourão tivesse razão, a coisa funcionaria assim: se você é pobre, ferra-se, se ainda por cima é negro, dana-se. Pelo menos um dos três mortos de Volta Redonda era branco.
Celso Lungretti – … por ele ser negro e pobre.
Nenhum ser humano, seja negro ou branco, homem ou mulher, gay ou hetero, rico ou pobre, esquerdista ou direitista, compatriota ou estrangeiro, merece ser massacrado e exterminado como aquelas imagens dantescas nos mostraram.
Como a confusão começou, não se sabe exatamente. João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, negro, saiu do Supermercado Carrefour, em Porto Alegre, e deixou a esposa no caixa, pagando as compras. Quando ela saiu, seu marido estava sendo espancado por dois seguranças do supermercado. Ela e outros clientes tentaram interferir, foram contidos por oito outros seguranças, que protegiam os agressores. João Alberto foi assassinado por asfixia, por pressão nas costas, na noite do dia 19 – véspera do Dia da Consciência Negra. Os dois matadores estão presos.
…violência…
Não, não foi acidente: João Alberto foi espancado até a morte (uma das cenas do vídeo mostra 12 socos seguidos) depois de avisar os agressores de que estava com dificuldade para respirar. Não, não estava armado. A delegada Roberta Bertoldo, da 2ª Delegacia de Homicídios, responsável pela investigação, disse que não racismo. Por que? Não disse. O vice-presidente da República, general Mourão, afirma também que o caso não foi de racismo.
…ou coisa pior
Mas, se não é racismo, se o motivo da violência da agressão não foi a cor da pele da vítima, a coisa é ainda pior: qualquer cliente dos Supermercados Carrefour (onde, não esqueçamos, já houve a perseguição de uma pequena cadela mansa por seguranças do estabelecimento, que a mataram a pauladas) pode ser vítima de funcionários que cultuam a agressão e não se importam com a vida dos outros. Um sueco albino pode ser seu alvo, ou um negro, ou um cavalheiro alto e gordo, com estranhos cabelos alaranjados. Se não é racismo, a imbecil ojeriza por alguma etnia ou cor de pele, é pura maldade. E como uma empresa multinacional deste porte contrata este tipo de gente?
Direto da Redação é um fórum de debats, editado pelo jornalista Rui Martins.