O novo líder, um verdadeiro príncipe das Arábias, se declara favorável a um islão aberto e moderado, prevê a abertura de salas de cinema e fala em autorizar a mixidade em certas ilhas, onde homens e mulheres, incluindo estrangeiros, poderão até se beijar em público.
Por Milton Blay, de Paris:
O novo homem forte da Arábia Saudita se chama Mohammed ben Salman, mais conhecido pelas iniciais MBS, filho preferido do rei Salman, 81 anos e doente. Impulsivo e impiedoso, ele se tornou príncipe herdeiro em junho de 2017, afastando seu primo, Mohammed ben Nayef, primeiro na luta sucessória. MBS é sobretudo ambicioso. Ele promete ser o pai de uma “nova Arábia”, uma missão arriscada, que pode abalar a estabilidade do país e do Oriente Médio.
MBS lançou recentemente um audacioso plano pós-petróleo, tendo em vista 2030, fundado na diversificação econômica e na privatização parcial do grupo petrolífero Aramco, considerado até então intocável; espera assim compensar a queda das cotações internacionais. Pela primeira vez, um líder árabe pensa a médio prazo.
No plano social, MBS concedeu o direito às mulheres de guiar, a partir de junho do ano que vem. Este avanço pode parecer ridículo aos nossos olhos ocidentais, mas é um grande passo quando se sabe que a Arábia Saudita era o único pais do mundo a impedir as mulheres motorizadas.
O novo líder, que se declara favorável a um islão aberto e moderado, prevê a abertura de salas de cinema e fala em autorizar a mixidade em certas ilhas, onde homens e mulheres, incluindo estrangeiros, poderão até se beijar em público.
Ao agir desta forma, MBS enfrenta a todo-poderosa polícia religiosa, encarregada, entre outras coisas, de impor o respeito das rezas diárias e do porte da “abaya”, um vestido preto longo com mangas cumpridas. Assim, desafia o establishment religioso, no país que abriga a Meca, principal lugar sagrado do islão e coloca em risco a aliança entre a dinastia da família Al Saoud e o movimento islâmico sunita vaabita, ortodoxo e ultraconservador.
Para chegar ao poder, MBS quebrou um tabu, rompeu o consenso familiar e descartou vários príncipes, que se tornaram seus inimigos. Contou com o apoio de seu velho pai e, internacionalmente, aproximou-se de Donald Trump, tendo assinado contratos com os Estados Unidos no valor de 350 bilhões de dólares, durante a visita do presidente americano.
Dias atrás obteve também o apoio indireto de Paris, quando Emmanuel Macron recebeu, no Palácio do Eliseu, o primeiro-ministro libanês Rafic Hariri, apoiado por Riad. Hariri tinha se refugiado na Arábia Saudita, onde anunciou que renunciava à chefia do governo libanês, após ter se sentido ameaçado pelo Hizbolá, pró-iraniano.
Esse é o nó da história. Riad, sunita, e Teerã, xiita, disputam a liderança regional desde os tempos do antagonismo atávico entre persas e árabes, exacerbado pela revolução iraniana de 1979 e a criação da República Islâmica pelo aiatolá Khomeini.
Riad denuncia a implicação crescente do Irão na região: Líbano, Iêmen, Qatar, Síria, Bahrein, Iraque. A ponto de a Arábia Saudita e países vizinhos se aproximarem cada vez mais de Israel, formando um bloco pró-americano.
Como sempre, em meio às grandes questões geopolíticas, estão os interesses internos. Segundo a seríssima assessoria de risco político Eurasia Group, o argumento nacionalista contra o Irão estaria sendo instrumentalizado pelo príncipe herdeiro saudita, Mohammed ben Salman, que não hesita em quebrar os códigos do reino ultraconservador para consolidar suas posições e se transformar no líder do mundo arábio-muçulmano.
Milton Blay, jornalista ganhador do Premio Esso de Reportagem, foi chefe da Redação do Serviço Brasileiro da Rádio França Internacional, depois de ter trabalho em diversos jornais e revistas brasileiros. Vive em Paris.
Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.
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