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| Capa do livro da Arquipélago | 
A mulher que era o general da casa (Arquipélago,  223 páginas), do jornalista Paulo Moreira Leite, é um relevante painel  criado a partir de várias histórias de pessoas que participaram — com a  coragem e as armas que dispunham — da resistência civil à ditadura  militar brasileira (1964-1985). São oito extraordinárias reportagens  sobre resistentes brasileiros e uma sobre o embaixador Lincoln Gordon,  que fazia o exato contrário. Quase todas as reportagens foram ampliadas  de originais publicados em jornais e revistas. A linguagem de Leite é a  jornalística, porém seus textos são envolventes e os retratos  resultantes são mais do que verossímeis, eles emocionam, traçando  minuciosos e doloridos desenhos que tornam o livro nada esquecível.
O livro inicia com uma apresentação  absolutamente entusiasmante de aproximadamente 15 páginas. Nela, o  autor, nascido em 1952, explica sua relação pessoal com a ditadura, e  como ela alterou sua vida desde a adolescência. Na minha opinião, o  livro cai quando entram a reportagem-título a respeito de Therezinha  Zerbini e seu marido general, seguida pela de Jaime Wright. É difícil  explicar o que me afastou delas. Talvez tenha sido a inesperada entrada  da linguagem jornalística após uma apresentação tão pessoal, talvez  tenha achado os personagens por demais carolas para meu gosto e tenha  ficado desconfiado do que teria que ler depois, mas as três que vieram  depois — focalizando o severo Florestan Fernandes, o bibliófilo José  Mindlin e “comunista de direita” Armênio Guedes – recuperaram a  impressão inicial. São soberbas, assim como a grandiosa reconstrução da  personalidade do rabino Henry Sobel, sem recuar frente aos rumorosos e  lamentáveis episódios de roubo. A reportagem sobre o pioneiro Washington  Novaes é excelente. O mosaico formado por todos os textos recebe um  balde de podridão quando chega a vez de Lincoln Gordon, o homem que  seguiu negando o que fez, mesmo em face a documentos.
Todos os personagens foram entrevistados  mais de uma vez pelo autor nos últimos 40 anos. As biografias, as  perspectivas e algumas opiniões mudam e o autor pontua tais fatos. Não  pensem que Moreira Leite teve o mau gosto de escrever em algum lugar do  livro um libelo pelo esclarecimento e punição dos crimes cometidos pelos  agentes de Estado contra cidadãos que teoricamente deveria proteger.  Não precisa, porque A mulher que era o general da casa é  inequivocamente a favor do esclarecimento. Está implícito a partir das  histórias e conflitos narrados. A colocação da reportagem sobre Gordon  na última parte do livro e a leitura de suas mentiras, repetidas pela  sua sorridente e prestigiada figura mesmo frente a documentos liberados  pelo governo dos EUA, é algo de deixar qualquer leitor perplexo. Foi  assim que acabei o livro. Perplexo. E alguns, como Florestan, Wright e  próprio Gordon, já morreram. O que estão esperando?
Recomendo muito a leitura.
Milton RibeiroNo Sul21









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