Os “blogs sujos” estão de fato se transformando em importante  contraponto ao discurso homogêneo da grande mídia dominante. E isso  parece ser intolerável para alguns setores – falsos paladinos – que  ostentam publicamente a bandeira da liberdade de expressão e da  democracia entre nós.
Chegou  ao conhecimento público, no último mês de fevereiro, que o jornalista  Celso de Castro Barbosa fora demitido pelo editor da Revista de História  da Biblioteca Nacional (RHBN) após divergências relacionadas à  publicação, no site da revista, de uma resenha sua sobre o livro A Privataria Tucana.  Pouco tempo depois, o próprio editor da RHBN, historiador Luciano  Figueiredo, foi demitido. Em junho, o Conselho Editorial da RHBN,  formado por conceituados intelectuais, anunciou sua renúncia coletiva.
Todo o episódio permanece nebuloso.
Logo após sua demissão, o jornalista Celso de Castro Barbosa disse à Carta Capital:  “Fui censurado e injuriado”. A matéria, sob o título “Resenha de ‘A  privataria tucana’ causa demissão de jornalista na revista da Biblioteca  Nacional”, comenta:
Barbosa destaca que a remoção do texto ocorreu apenas “após o chilique do PSDB” em 1º de fevereiro, nove dias depois da publicação em destaque na primeira página do site da revista. O motivo seria uma nota divulgada em um jornal carioca, segundo a qual a cúpula do partido estava “possessa” com a revista, tida pela legenda como do governo. A evidente pressão externa fez com que o jornalista recebesse um chamado do editor-chefe da publicação, Luciano Figueiredo, naquele mesmo dia. “Ele [Figueiredo] disse concordar com quase tudo que havia escrito, mas o Gustavo Franco [ex-presidente do Banco Central no governo FHC] leu, não gostou e resolveu mobilizar a cúpula tucana”. Para conter o movimento, relata, o editor-chefe se comprometeu a escrever uma nota assumindo a culpa pela publicação do texto. “Eu disse: ‘Culpa de que? Ninguém tem culpa de nada. É uma resenha de um livro.” (...) Inconformado com a resenha, [o presidente do PSDB, Sérgio] Guerra chegou a enviar cartas de protesto à ministra da Cultura, Ana de Hollanda, e a Figueiredo. Outros tucanos alegaram que a publicação era pública, trazia os nomes da presidenta Dilma Rousseff e de Hollanda no expediente e recebia verba da Petrobras. Logo, deveria se manter isentada de questões políticas. (...) [ver aqui a íntegra da matéria].
A representação na PGE
Relembro  este episódio motivado pela representação que o PSDB protocolou no  último dia 23 de julho na Procuradoria Geral Eleitoral com o objetivo de  “denunciar a utilização de organizações, blogs e sites financiados com  dinheiro público, oriundo de órgãos da administração direta e de  estatais, como verdadeiras centrais de coação e difamação de  instituições democráticas. Da mesma forma, pretende-se denunciar a  utilização de tais blogs e sites como instrumento ilegal de propaganda  eleitoral”.
Baseada em matérias jornalísticas publicadas na  revista Veja, e nos jornais O Globo e na Folha de S.Paulo, a  representação denuncia (1) a utilização de blogs e sites “para  desmoralizar o Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do  ‘mensalão’”; (2) a conclamação de organizações para defender réus da  Ação Penal 470; e (3) a utilização de blogs para “fazer propaganda  eleitoral para candidatos apoiados pelo Partido dos Trabalhadores”.
Conclui  a representação que “as notícias (...) transcritas revelam claramente a  prática de atos ímprobos e de ilícito eleitoral consubstanciados, não  só em atentado aos princípios da administração pública, mas  principalmente no recebimento indireto de doação por meio de apoio e  publicidade custeada com o desvio de recursos públicos, sendo necessária  a apuração dos fatos e a punição dos responsáveis na forma da lei” – e  requer, especificamente:
a) apurar as fontes públicas de financiamento/receita das empresas e pessoas físicas (...) em especial da empresa PHA Comunicação e Serviços S/C Ltda., inscrita no CNPJ sob o nº 01.681.373/0001-38 e da empresa Dinheiro Vivo Agência de Informações S/A, inscrita no CNPJ sob o nº 58.732.710/0001-96;
b) apurar o desvio, ainda que indireto, de recursos públicos para a propaganda eleitoral de candidatos apoiados pelo Partido dos Trabalhadores – PT;
c) instaurar investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade [ver íntegra aqui].
Alguma novidade?
O  comportamento antidemocrático de certos setores que se apresentam  publicamente como defensores da democracia não constitui exatamente uma  surpresa para quem acompanha a vida política do nosso país.  Historicamente, o “liberalismo” brasileiro tem convivido, sem qualquer  constrangimento, com posições não democráticas.
Não surpreende,  portanto, que a defesa da liberdade de expressão – indevidamente  associada à liberdade da imprensa – se caracterize por ser marcadamente  seletiva. Quando se trata de opiniões divergentes, a resenha deve ser  retirada do site (como aconteceu na RHBN) e/ou elas passam a ser  consideradas como “coação e difamação de instituições democráticas”.
Tampouco surpreende que exista um posicionamento seletivo em relação ao financiamento público de veículos de comunicação. Como se sabe, entre nós o grande financiador da mídia tem sido o Estado, diretamente através da publicidade e/ou indiretamente através de financiamentos, empréstimos, subsídios, isenções fiscais etc., etc. [ver, no Observatório da Imprensa, “Quem financia a mídia pública?” e “Quem financia a mídia privada?”]
Tampouco surpreende que exista um posicionamento seletivo em relação ao financiamento público de veículos de comunicação. Como se sabe, entre nós o grande financiador da mídia tem sido o Estado, diretamente através da publicidade e/ou indiretamente através de financiamentos, empréstimos, subsídios, isenções fiscais etc., etc. [ver, no Observatório da Imprensa, “Quem financia a mídia pública?” e “Quem financia a mídia privada?”]
Não  consta que tenha incomodado a esses setores – que agora protocolam  representação junto à Procuradoria Geral Eleitoral – o apoio editorial e  “jornalístico” explícito a candidatos de oposição que tem caracterizado  o comportamento de boa parte da grande mídia em períodos eleitorais  recentes [cf., por exemplo, Venício A. de Lima, A Mídia nas Eleições de 2006; Editora Perseu Abramo, 2007]
O contraponto dos “blogs sujos”
O professor Bernardo Kucinski argumenta que o surgimento da Última Hora, no segundo governo Vargas (1951-1954), “constitui  o único momento na história da imprensa brasileira em que tanto a  burguesia como o campo popular constituem um espaço público por  intermédio de grandes veículos de comunicação e debatem nesse espaço com  armas equivalentes”.
E continua:
“(...) em todos  os outros momentos da vida brasileira o que temos é um espaço público  uniclassista, elitista e estreito, a ponto de se desenvolver um espaço  público alternativo, menor, contra-hegemônico, constituído por pasquins,  no século passado [19], pelos jornais anarquistas, no começo deste  século [20] ou pela imprensa alternativa, nos anos 70, quando então o  espaço público alternativo torna-se o único espaço público, tal era a  identidade e coincidência de interesses entre o estado e a burguesia”  [cf. A Síndrome da Antena Parabólica, Editora Perseu Abramo, 1998].
Os “blogs sujos” estão de fato se transformando em importante contraponto ao discurso homogêneo da grande mídia dominante.
Essa talvez seja a grande novidade.
E  isso, sim, parece ser intolerável para alguns setores – falsos  paladinos – que ostentam publicamente a bandeira da liberdade de  expressão e da democracia entre nós.
Venício A. de Lima, jornalista,  professor aposentado da UnB e autor de, entre outros livros, Política de  Comunicações: um balanço dos Governos Lula (2003-2010). Editora  Publisher Brasil, 2012.
(*) Publicado originalmente no Observatório da Imprensa.
No Carta Maior 
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