Go to the content

Daniela

Full screen

Com texto livre

June 14, 2012 21:00 , by Daniela - | No one following this article yet.

A demolição do bom senso

August 10, 2012 21:00, by Unknown - 0no comments yet

A nação necessita de servidores públicos dedicados, que cuidem da administração dos bens comuns e sirvam à sociedade. Sem eles é difícil imaginar a paz pública. E há, nos quadros gerais do Estado, os mais necessários, como os que cuidam da saúde, da educação e da segurança. No passado, estavam proibidos de paralisar as suas atividades – e em muitos países essa interdição é mantida. A primeira razão é a de que são servidores do povo. Além disso, a ordem social não pode ser quebrada, sob pena de a sociedade correr o risco da anarquia.
Quando a greve é exercida pelos militares e policiais, esse risco passa a ser iminente, com a exacerbação dos ânimos. Nos hospitais, muitas pessoas morrem, quando, em situação normal isso não ocorreria. E, no ensino, perdem-se anos de desenvolvimento nacional com a interrupção do aprendizado.
Sobre essas razões, as mais importantes, se acrescem outros argumentos contra o direito de greve dos servidores do Estado. O primeiro deles é de ordem moral. Os funcionários do Estado gozam de privilégios negados aos trabalhadores comuns. De forma geral, dispõem de estabilidade no emprego e ganham mais, e se encontram protegidos por um regime previdenciário especial. Essa situação deveria pesar no momento em que decidem recorrer à greve.
A filosofia do atual governo é a de reduzir as desigualdades sociais. Se o Estado não tem como obrigar os empresários privados a pagar mais aos trabalhadores, cabe-lhe não conceder mais privilégios aos funcionários, que são mantidos pelos impostos retidos do trabalho produtivo. É necessário, no entanto, corrigir as distorções entre os servidores dos três poderes do Estado, como sabem os cidadãos mais atentos.
A presidente da República está resistindo ao movimento, que começa a ficar sério, com a manifestação de parcelas da Polícia Federal e de outros servidores dos serviços de segurança, militarizados ou não, em todo o país. O movimento dos servidores públicos foi precedido de estranha “greve de caminhoneiros”, ao que tudo indica insuflada por empresas transportadoras, o que a caracterizaria como “lock-out”. Na América Latina as greves no setor de transportes são sempre suspeitas de inspiração estrangeira, desde a que precedeu o golpe militar contra Allende, no Chile.
Outro sinal de falta de senso comum foi a aprovação, pelo Senado, em primeira discussão, da PEC que restabelece a exigência de diploma para o exercício do jornalismo. Conviria aos defensores dessa violação do direito secular da liberdade de imprensa definir, primeiro, o que é ser jornalista. Se o propósito é garantir o mercado de trabalho para assessores de imprensa das empresas públicas e privadas, tudo bem. Mas, se se pretende impedir aos não diplomados o acesso aos meios de comunicação de massa, a lei é ociosa. Hoje, qualquer pessoa que disponha de um terminal de computador é jornalista e editor.
Comecei a trabalhar em jornal muito jovem, sem dispor de qualquer diploma. Como jornalista, tenho participado da vida política de meu país, como dela participam - disso se dêem conta ou não - todos os jornalistas, não importa o universo de sua atuação. Não posso negar aos outros a possibilidade que tive. Em nenhum grande país do mundo há exigências dessa natureza. O acesso deve ser livre – a ascensão profissional vai depender da dedicação de cada um. Além de tudo, do ponto de vista técnico, as escolas de jornalismo, de modo geral, são deploráveis. A exigência só servirá para enriquecer, ainda mais, os industriais do ensino e povoar de ilusões inúteis os pobres que se sacrificam para pagar os cursos, sem encontrar, depois de formados, oportunidade em um mercado de trabalho saturado.
Como ficarão os “blogueiros” com a aprovação da lei? Irão fechar o acesso à internet aos não diplomados? Os tuiteiros serão amordaçados? Nisso também se revela a falta de senso da medida que se pretende. Isso só pode interessar aos que pretendem manter a iniqüidade social de nossos tempos. Felizmente, como assegura o velho aforismo, nenhuma lei é capaz de revogar a realidade.
A liberdade de redigir e divulgar idéias e informações não é dos jornalistas, formados ou não, mas de todos os cidadãos, e isso desde agosto de 1789, quando os revolucionários franceses aprovaram a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Ao que parece, são esses direitos, obtidos graças à absoluta liberdade de imprensa naqueles anos que mudaram o mundo, que querem anular agora. É bom lembrar que essa ojeriza contra a Declaração dos Direitos de 1789 constituiu a essência ideológica do nacional-socialismo.
A PEC, se aprovada, violará as cláusulas pétreas da Constituição, que asseguram a plena liberdade de expressão do pensamento e da divulgação de informações. Sendo assim poderá, e uma vez mais, ser considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, a única instância autorizada em nosso sistema republicano, a dizer o que é e o que não é constitucional.



Instituições federais de educação em greve: o que está em disputa...

August 10, 2012 21:00, by Unknown - 0no comments yet

A greve de professores das instituições federais de educação levanta o debate necessário sobre o que está em disputa neste momento na educação brasileira. Após seis anos sem qualquer paralisação por motivos salariais, a maioria das Universidades e boa parte dos Institutos Federais, além do Colégio Pedro II, estão em greve. Trata-se do esgotamento de um modelo antigo ou da crise de um novo modelo que mal se iniciou?
A educação tem merecido atenção crescente no debate público. A crítica feroz aos resultados atuais dos estudantes da educação básica, no entanto, nem sempre se recorda dos baixíssimos investimentos e péssimo acompanhamento da qualidade que orientaram a política da educação superior nos anos de 1990. Hoje ainda colhemos frutos desses equívocos: baixa qualidade da formação de professores, disputas de mercado entre as instituições privadas com redução de custos por meio da demissão de profissionais qualificados, instituições públicas que ignoram o compromisso com a educação básica.
Os investimentos públicos no ensino superior nos anos de 1990, sua expansão e interiorização, foram frutos dos esforços das universidades estaduais. A política que vigorou até o início dos anos 2.000 apostava no fortalecimento da iniciativa privada em educação, deixando as instituições federais à mingua. A partir do início da década passada o Governo Federal passou a investir na visão sistêmica da educação e tomou diversas iniciativas para fortalecer a educação superior, inclusive em sua articulação com a educação básica. Em destaque, a reestruturação das universidades federais pelo Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que significou mais recursos de investimento e de custeio e contratação de professores e técnicos, tanto para suprir as deficiências herdadas da década anterior quanto para sustentar a expansão em curso. Do mesmo modo, a rede de educação profissional e tecnológica, negligenciada na década de 1990, recebeu novos recursos de investimento e de custeio e contratação de pessoal. Em parceria com diversas instituições de educação superior, a Universidade Aberta do Brasil foi ampliada e a educação a distância chega a municípios bastante afastados das cidades universitárias. São iniciativas de grande porte que demandam sustentação de longo prazo e políticas de Estado para lhes darem o tempo de maturação necessário. Construir é mais demorado do que desmontar...
Por outro lado, o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) ganhou consistência e consequência: mesmo instituições federais foram advertidas quando seus resultados estavam aquém do necessário. E, pela primeira vez na história do país, foram fechadas vagas em cursos de baixo rendimento, tanto em pedagogia quanto em medicina e direito.
Hoje os estudantes no nível superior, pouco mais de 6,3 milhões, estão distribuídos entre instituições privadas, com 74,2% das matrículas, e instituições públicas, com 25,8%. As instituições públicas, no entanto, têm papel a cumprir: foram as que iniciaram ações afirmativas para inclusão da diversidade, são elas que seguem abrindo campi no interior do país, são elas que oferecem a maioria dos cursos de pós-graduação, que desenvolvem pesquisas e extensão universitárias.
A atual expansão da educação superior recoloca questões que já estavam à mesa, mas agora se tornam urgentes visto o papel estratégico que as Instituições passam a ter no modelo que se pretende fortalecer no país. A carreira que está em debate na greve precisa ser reformulada em valores e em estrutura. É preciso valorizar adequadamente a dedicação exclusiva, oferecer as adequadas condições para as pessoas que dedicam a vida a produzir conhecimento novo (pesquisa), formar as novas gerações (ensino) e a disseminar o conhecimento pela sociedade (extensão), além de levar esse conhecimento ao setor produtivo, numa via de mão dupla (inovação tecnológica). Isso não se faz sem professor ou sem os técnicos.
Portanto, a greve em curso deve ser lida no contexto do crescimento e da expansão, diferente de como se dava nos anos de 1990, quando havia um contexto de agonia e esfacelamento da rede federal frente ao fortalecimento do setor privado.
Após a década de 90, repleta de greves e impasses, as negociações caminhavam para consolidar um rumo e etapas a serem cumpridas. No entanto, mudanças de governo e o trágico falecimento do secretário do planejamento que conduzia as negociações, Duvanier Ferreira (cuja morte por negligência motivou a lei recente que criminaliza a exigência de cheque caução nos hospitais) trouxeram consequências inesperadas. Parece que se perdeu o rumo da prosa e o horizonte da carreira.
Vivemos um novo momento e a greve expressa exatamente essa tensão entre o novo e o velho. A greve atual, por mais forte que seja e mais ampla que possa se tornar, representa a necessidade de superar definitivamente tanto um desenho de carreira inadequado quanto um padrão de negociação burocratizado. A dedicação que se espera das Instituições Federais de educação superior não pode estar sujeita a variações anuais. A educação é investimento de longo prazo, inclusive – e talvez principalmente – para professores e pesquisadores que necessitam de tempo e condições para desenvolver o trabalho de ensino, pesquisa e extensão.
O país ainda está construindo as soluções que foram negadas na década de 90. Como todo percurso histórico, o atual tem suas tensões e contradições, mas tem também uma direção: dotar o Brasil de um parque de instituições capaz de produzir inteligência e inovação, ser inclusivo de sua diversidade étnico-racial, social e cultural e se distribuir por todo o território, visando à superação das históricas desigualdades regionais.
Este texto é uma contribuição do autor ao projeto Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior (GEA-ES), realizado pela FLACSO-Brasil com apoio da Fundação Ford.
André Lázaro, professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ e Coordenador Executivo do GEA-ES (Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior no Brasil) da Flacso-Brasil. Foi Diretor no MEC de 2004 a 2006 e Secretário de 2006 a 2010.



Charge online - Bessinha - # 1393

August 10, 2012 21:00, by Unknown - 0no comments yet



Piada pronta e paranóia no mensalão

August 10, 2012 21:00, by Unknown - 0no comments yet

Está na moda observar que os ministros do STF resolveram quebrar o costume e interrogar os advogados dos acusados do mensalão para fazer perguntas inesperadas durante o julgamento. Eu acho essa atitude muito positiva tanto pelo conteúdo como pela forma.
Pelo conteúdo, por que ajuda a questionar discursos que parecem bonitos demais para serem verdadeiros.
Pela forma, porque nem sempre é fácil aguentar várias falações consecutivas sem ficar entendiado.
As perguntas ajudam, portanto.
Eu acho que apareceu uma nova pergunta sobre o caso. Ou melhor, é uma piada pronta. Acabo de ler que o mensalão do DEM foi desmembrado. Aquele mesmo, sobre 38 integrantes do governo do Distrito Federal que foram filmados quando recebiam dinheiro em sacos de supermercado e na sacola de feira. Então, ficamos assim: o mensalão do PSDB foi desmembrado. O mensalão do DEM foi desmembrado. Já o mensalão do PT não foi desmembrado.
No mesmo processo, uma das acusações mais graves contra o governador Joaquim Roriz foi considerada prescrita.
Vamos combinar: é recorde. Podiam pelo menos esperar o final do julgamento dos petistas antes de anunciar a medida. Embora a decisão sobre o mensalão do DEM tenha sido tomada em outro tribunal, o STJ, parece que as coisas envolvem acusações um pouquinho semelhantes…
Ninguém vai dizer: PQP!?
Talvez seja um sinal dos tempos, um espírito da época. Quem sabe um símbolo, um exemplo, como dizem aqueles antropólogos tão convencidos do caráter arquetípico do mensalão (do PT) que parecem querer substituir o Ayres Britto pelo Carl Jung.
Tenho um amigo que dizia que o fato de uma pessoa ser paranoica e enxergar uma conspiração em cada esquina não impede que possa estar sendo efetivamente perseguida. E aí quem tem razão: o médico ou o paciente?
Falando nisso: um doleiro que colaborou com as investigações do mensalão do PT conseguiu o que os “comuns” queriam. Foi desmembrado individualmente e será julgado pela Justiça comum, em São Paulo. Isso porque ele fez um acordo de delação premiada com o ministério público. Ajudou muito nas investigações? Não sei. O advogado de Waldemar Costa Neto, que entrou no mensalão como chefe do PL, chegou a fazer ironias sobre as delações prestadas…
Mas sei que é mais um exemplo que ajuda os petistas a acharem que são perseguidos.
Há outras questões, contudo. O relator Joaquim Barbosa questionou, muito corretamente, o advogado do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato. O relator queria saber se os milhões que foram transferidos do sistema Visa Net para as agências de Marcos Valério, empresa da qual o BB é um dos três sócios, são recursos públicos.
O advogado de Pizzolato dizia que eram recursos privados. Barbosa sustentou, pelas perguntas, que são recursos públicos. Foi elogiadíssimo nos dias seguintes. A interpelação virou manchete.
A credibilidade de Pizzolato é difícil porque ele recebeu uma bolada de R$ 326.000 em seu apartamento e diz que não sabe quem mandou lhe entregar e não lembra para quem repassou logo em seguida.
Como, dias depois, ele comprou um apartamento no valor de R$ 400 000, sua palavras parecem embrulhadas no saco de papel onde disse que o dinheiro chegou.
A discussão sobre dinheiro publico é importante.
A maioria das pessoas usa a expressão “desviar” para falar do dinheiro que saiu da Visa Net para as empresas de Marcos Valério. Está provado que boa parte desse dinheiro não foi usada em publicidade, mas para alimentar o cofre do esquema de Valério-Delubio Soares. A palavra “desvio” sugere que era uma operação ilegal mas o fato que não há lei que impeça o Visa Net — seja público, seja privado — de agir assim. Tanto é verdade que Lucas Figueiredo registra, no livro O Operador, que o mensalão tucano recebia boladas igualmente respeitáveis antes da chegada de Pizzolato e sua turma a diretoria do Banco do Brasil. O primeiro contrato com Marcos Valério foi assinado antes mesmo dele ser nomeado diretor, revelou-se no tribunal.
A Polícia Federal descreve, em seu inquérito, a imensa autonomia dos diretores para assinar cheques e fazer pagamentos sem nenhum tipo de restrição. Vale para os políticos e até para patrocínios esportivos. Tudo entre os diretores do banco.
Mas não diz que isso é crime.
Se não é crime, cabe uma observação sensata feita por Miguel Reale Junior, que foi ministro da Justiça no governo de FHC. Reale Jr lembrou que muitos réus do mensalão são acusados de lavagem de dinheiro. O problema é que, para lavar dinheiro, diz a lei, é preciso haver um crime anterior. Se não há uma clara tipicação do crime, como falar em lavagem de dinheiro? Se você sustenta que eram recursos públicos, a acusação está melhor defendida, certo?
Outra pergunta curiosa é: quem pagou Pizzolato? Ele não era deputado, nem tinha dívida de campanha para pagar.
Se o mensalão petista destinava-se a pagar gastos de campanha, por que Pizzolato recebeu – mesmo que tenha sido por algumas horas – uma bolada tão respeitável?
Os adversários de Pizzolato no PT dizem que ele recebeu dinheiro de um personagem de quem pouco se falou nos últimos tempos: o banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity.
A história desses petistas é assim: procurado por Delúbio Soares para dar sua contribuição, Daniel Dantas concordou em dar dezenas de milhões de reais. Em troca, queria suporte para manter-se no comando da gigante de telefonia Brasil Telecom, de onde os sindicalistas que comandavam os fundos de pensão do Banco do Brasil, da Caixa e da Petrobrás pretendiam desalojá-lo e brigaram até o fim do governo Lula para conseguir isso.
O fim dessa disputa você conhece. Deu até na Operação Satiagraha, levou àquele dossiê falso com contas secretas de araque no exterior e assim por diante. É muita confusão, concorda?
Mas Pizzolato foi útil para Daniel Dantas ao fazer, publicamente, acusações contra Luiz Gushiken, apontado com o mentor intelectual dos fundos de pensão. Essas acusações serviram para alimentar a denúncia contra Gushiken e ajudaram a seu indiciamento em 2007, embora as bases para isso fossem tão frágeis que cinco anos depois o ministério publico pede sua absolvição por falta de provas.
A polícia federal não achou nada para incriminar Gushiken mas encontrou provas da atuação de aliados de Daniel Dantas. Está lá no relatório assinado pelo delegado Zampronha. Conta-se que a executiva que Daniel Dantas tinha nomeado para comandar a Brasil Telecom assinou um contrato no valor de R$ 50 milhões com as agências de Marcos Valério, a serem pagos em três prestações. Confesso que achei essa informação importante e fiquei mais impressionado ainda ao descobrir que nem Daniel Dantas nem nenhum de seus sócios e diretores foram indiciados no mensalão. Mas Gushiken foi.
Curiosidade? Paranóia?
Acho que é piada pronta. Lembro sempre que ninguém deve ser acusado por antecipação. Mas, em minha infinita ignorancia, encontro um laço de parentesco entre os recursos do Visa Net e da Brasil Telecom.
Enquanto dirigiu a Brasil Telecom, Daniel Dantas e seus amigos tinham acesso ao cofre dos fundos de pensão de estatais, instituições cujo presidente é nomeado pelo presidente da República. Só para mostrar a ligação dos fundos com o Estado, basta lembrar que, certa vez, Fernando Henrique Cardoso assinou uma internvenção que afastou toda a diretoria da Previ, o fundo do Banco do Brasil.
Mas vamos aguardar. O julgamento retoma na segunda-feira, teremos novas defesas e, em seguida, os ministros vão falar. Muitas perguntas foram feitas. Vamos ver quantas serão respondidas. Mas se aparecer um novo desmembramento vai ficar muita antropologia para um julgamento só…
Paulo Moreira Leite
No Vamos combinar



Se sancionada, Lei das Cotas revolucionará regras de acesso à universidade

August 10, 2012 21:00, by Unknown - 0no comments yet

O discurso conservador condena o projeto aprovado pelo Senado. Os movimentos sociais que lutam por uma política de cotas há 13 anos afirmam que ele irá revolucionar o acesso da população pobre ao ensino superior de qualidade. O senador Cristóvam Buarque e o presidente da Andifes, Carlos Maneschy, fazem críticas pontuais, mas defendem as cotas como ferramenta para valorização da escola pública e diminuição da desigualdade.
Brasília - Nos próximos dias, a presidenta Dilma Rousseff terá a oportunidade de colocar um ponto final na luta pela implantação de uma política nacional de cotas nas universidades públicas federais que, há pelo menos 13 anos, consome os movimentos sociais do país. Aprovado pelo Senado na última terça (7), a chamada Lei das Cotas combina critérios étnicos e sociais, com o propósito central de valorizar a escola pública e, consequentemente, os milhões de cidadãos que têm nela a sua única opção de formação.
A divisão das vagas é complexa. A política aprovada prevê a reserva de 50% delas para as cotas. Metade, ou 25% do total, é distribuída entre negros e índios, de acordo com o perfil étnico de cada região, definido pelo censo do IBGE. Os outros 25% são destinados aos alunos das escolas públicas, sendo 12,5% para os estudantes com renda familiar inferior a 1,5 salário mínimo.
“Esta política permite que o sonho do brasileiro pobre de formar o filho doutor se torne realidade. E o melhor, com uma formação de qualidade que, até pouco tempo, era reservada apenas para os filhos da elite. Além disso, cria uma fé na escola pública. E isso é importantíssimo porque nove em cada dez estudantes do ensino médio estão nas escolas públicas”, afirma Sérgio Custódio, coordenador do Movimento dos Sem Universidade (MSU), criado por professores de cursinhos comunitários e um dos principais articuladores do projeto.
“O principal mérito do projeto é colocar a escola pública no centro do acesso ao ensino superior de qualidade. É valorizar a escola pública e dar aos milhões de jovens que estudam nelas a oportunidade real de ter acesso à universidade”, complementa Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que articula mais de 200 entidades, incluindo movimentos sociais, sindicatos, ONGs, fundações, grupos universitários, estudantis, juvenis e comunitários.

Campanha conservadora

A expectativa em relação à postura de Dilma é grande, mas tudo indica que o desfecho será favorável. Ministério da Educação (MEC), Secretária de Direitos Humanos (SDH) e Secretária de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) aprovam a lei. O que preocupa os idealizadores é que a campanha conservadora contra as cotas segue forte na mídia. Esta semana, editorias e artigos sustentaram teses há muito já superadas de que o Brasil é uma democracia racial e de que as ações afirmativas aprofundam as discrepâncias sociais. “A presidenta Dilma é mais suscetível ao discurso da mídia do que seu antecessor, o ex-presidente Lula. Mas, pelo menos neste caso, acreditamos que ela não vai se render”, avalia Cara.
De acordo com ele, qualquer mudança proposta pelos movimentos sociais na área de educação é amplamente atacada pela mídia. “Educação mexe com o status quo, é questão emancipatória. No caso da luta pelos 10% do PIB para a Educação, a batalha é grande, porque isso mexe com a prioridade orçamentária do país. E a imprensa representa exatamente as 200 famílias proprietárias da dívida interna brasileira, que não querem perder percentuais para a educação”, ataca.
No caso das cotas, ele acredita que a condenação intransigente reflete a defesa da elitização da universidade. “É um pouco de desespero da elite, porque o que está em jogo são as vagas dos seus filhos”, compara. Sérgio Custódio também atribui às críticas conservadoras ao ranço da elite patrimonialista brasileira. “É preciso acabar com esta concepção de que os bens públicos servem a eles. Inclusive as universidades. O Brasil está crescendo e precisa de milhões de profissionais bem formados para alavancarem este crescimento”, argumenta.

Efeito Demóstenes

Há também uma espécie de trauma em relação à articulação das forças conservadoras durante o processo de tramitação do projeto. “Em 2008, para aprovar o projeto na Câmara, nós conseguimos fechar um acordo com todos os partidos políticos. Entretanto, depois que o projeto seguiu para o Senado, apareceu o ovo da serpente: o ex-senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que descumpriu o acertado e reatualizou o discurso racista no país”, relembra Custódio.
Segundo ele, o ex-senador, que teve seu mandato cassado em função do seu envolvimento com a organização criminosa chefiada por Carlinhos Cachoeira, capitaneou o discurso das elites, prejudicando a aprovação do projeto, naquele momento tida como consensual. “Hoje, tenta-se vender o Demóstenes apenas como caso de polícia, mas ele desempenhou um papel muito mais nocivo para o país. Ele criou uma frente ideológica, fundou movimentos sociais dentro do seu gabinete, como o dos pardos e dos caboclos brasileiros”, argumenta o militante.
Daniel acrescenta que, com a cassação do mandato dele, esse tipo de discurso perdeu força no parlamento. Apenas o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) repetiu a cantilena na votação da última terça. “Até mesmo a oposição brincava que Nunes estava mais preocupado com os editoriais dos jornais do que com a justiça social”, relatou.

Problema consensual

Do ponto de vista do campo popular, uma das poucas críticas ao projeto é determinar que o critério de acesso sejam as notas obtidas nas escolas, e não em avaliações mais gerais como o ENEN ou os vestibulares. Mas, antes do Senado aprová-lo, o senador Paulo Paim (PT-RS) negociou o veto ao artigo pela presidenta.
“A nota escolar não pode ser critério de acesso. Seria o caos. Vai ter professor sequestrado para garantir o ingresso de aluno em universidade”, aponta o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), entusiasta histórico do projeto, mas que não gostou nada da forma como ele foi aprovado. “Acho constrangedor o Senado aprovar uma lei, esperando o veto presidencial de parte dela. Não acho que este seja um arranjo republicano”, criticou.
Para o senador, que já foi reitor da Universidade de Brasília (UnB) e é considerado um dos maiores especialistas da casa em Educação, a proposta precisava ser melhor amadurecida no Congresso. “Não é nada contra o mérito da proposta, que acredito ser muito positiva. Mas tem aspectos que precisam ser mais debatidos. O limitador de renda, por exemplo, vai impedir que a classe média volte a colocar seus filhos na escola pública para que tenham melhores chances de entrar numa universidade. E seria ótimo que isso ocorresse, porque a escola seria pressionada a melhorar em qualidade”, argumenta.
O presidente do MSU discorda. Segundo ele, o limitador só vale para parte das vagas. Portanto, defende que a essência do projeto ainda é a valorização da escola pública. Em relação à negociação para o veto, afirma que foi a melhor solução. “Foi um erro que veio da proposta aprovada lá na Câmara. Se o Senado alterasse, o projeto teria que voltar a tramitar entre os deputados e poderia levar mais 13 anos para ser aprovado. Não podemos minimizar a capacidade das forças conservadores se reaglutinarem”, opina.
Cara acrescenta que tanto o limitador de renda quanto à avaliação pelas notas escolares foram frutos da negociação com a oposição para que o projeto fosse aprovado, desde 2008. Entretanto, avalia que o limitador de renda não será relevante para tirar o foco da escola pública. “Este é um critério que pode mudar ao longo dos dez anos em que a proposta vigorar.
E se mudar, melhor: será a comprovação de que a renda média do brasileiro subiu”, esclarece. Quanto às notas escolares, também defende que o problema será corrigido, de forma prática, com o veto presidencial.

Autonomia universitária

A outra crítica relevante ao projeto parte da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Mas também não tem a ver com o mérito da proposta. Os reitores defendem posição histórica de que a forma de acesso às universidades deve ser discutida por cada instituição, obedecendo às demandas regionais. Porém, o presidente da entidade, Carlos Maneschy, ressalta que o tema ainda não foi retomado pelo pleno de reitores, após a aprovação do projeto. “Nossa prioridade tem sido encontrar uma solução para o problema da greve das universidades”, justifica.
Critovam Buarque discorda. “A universidade tem que ser autônoma, mas não autista. Essa autonomia tem que estar limitada às regras definidas pelo interesse público. É preciso que existam mecanismos capazes de impedir, por exemplo, que uma instituição decida que filhos de senadores terão prioridades de acesso”, argumenta. Daniel Cara também contesta a posição da Andifes. “Os reitores participaram da discussão deste projeto desde o início. Agora, precisam compreender que a posição deles foi vencida. Isso é acatar o jogo democrático”, avalia.
Maneschy insiste que a crítica não é ao mérito da política de cotas, mas à forma como será imposta as instituições. E ressalta que, ao contrário do que a mídia faz parecer, a Andifes compreende a importância das ações afirmativas e é favorável às cotas. Como exemplo, cita a política implantada há cinco anos pela Universidade federal do Pará (UFPA), instituição da qual é reitor. “É muito parecida com a prevista pelo projeto, porque reserva metade das vagas para alunos egressos da escola pública, sendo 40% delas para negros”, explicita.
E o reitor ainda defende os resultados já aferidas. “Como estamos formando as primeiras turmas agora, não tivemos como medir o desempenho dos nossos alunos cotistas no mercado de trabalho. Mas na vida acadêmica, tem sido muito equilibrado entre cotistas e não cotistas. A média das notas dos cotistas é até um pouco maior. E o nível de evasão escolar ficou abaixo do dos não cositas, principalmente porque implantamos uma política de permanência”, afirma.
Najla Passos
No Carta Maior