Poderosos e “poderosos” no mensalão
15 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários aindaNum esforço para exagerar a dimensão do julgamento do Supremo, já tem gente feliz porque agora foram condenados “poderosos…”
Devagar. Você pode até estar feliz porque José Dirceu, José Genoíno e outros podem ir para a cadeia e cumprir longas penas.
Eu acho lamentável porque não vi provas suficientes.
Você pode achar que elas existiam e que tudo foi expressão da Justiça.
“Poderosos?” Vai até o Butantã ver a casa do Genoíno…
Poderosos sem aspas, no Brasil, não vão a julgamento, não sentam no Supremo e não explicam o que fazem. As maiores fortunas que atravessaram o mensalão ficaram de fora, né meus amigos. Até gente que estava em grandes corrupções ativas, com nome e sobrenome, cheque assinado, dinheiro grosso, contrato (corrupção às vezes deixa recibo) e nada.
Esses escaparam, como tinham escapado sempre, numa boa, outras vezes.
É da tradição. Quando por azar os poderosos estão no meio de um inquérito e não dá para tirá-los de lá, as provas são anuladas e todo mundo fica feliz.
É só lembrar quantas investigações foram anuladas, na maior facilidade, quando atingiam os poderosos de verdade… Ficam até em segredo de justiça, porque poderoso de verdade se protege até da maledicência… E se os poderosos insistem e tem poder mesmo, o investigador vira investigado…
Poderoso não é preso, coisa que já aconteceu com Genoíno e Dirceu.
Já viu poderoso ser torturado? Genoíno já foi.
Já viu poderoso ficar preso um ano inteiro sem julgamento sem julgamento?
Isso aconteceu com Dirceu em 1968.
Já viu poderoso viver anos na clandestinidade, sem ver pai nem mãe, perder amigos e nunca mais receber notícias deles, mortos covardemente, nem onde foram enterrados? Também aconteceu com os dois.
Já viu poderoso entregar passaporte?
Já viu foto dele com retrato em cartaz de procurados, aqueles que a ditadura colocava nos aeroportos. Será que você lembrou disso depois que mandaram incluir o nome dos réus na lista de procurados?
Poderoso? Se Dirceu fosse sem aspas, o Jefferson não teria dito o que disse. Teria se calado, de uma forma ou de outra. Teriam acertado a vida dele e tudo se resolveria sem escândalo.
Não vamos exagerar na sociologia embelezadora.
Kenneth Maxwell, historiador respeitado do Brasil colonial, compara o julgamento do mensalão ao Tribunal que julgou a inconfidência mineira. Não, a questão não é perguntar sobre Tiradentes. Mas sobre Maria I, a louca e poderosa.
Tanto lá como cá, diz Maxwell, tivemos condenações sem provas objetivas. Primeiro, a Coroa mandou todo mundo a julgamento. Depois, com uma ordem secreta, determinou que todos tivessem a vida poupada – menos Tiradentes.
Poderoso é quem faz isso.
Escolhe quem vai para a forca.
“Poderoso” pode ir para a forca, quando entra em conflito com sem aspas.
Genoíno, Dirceu e os outros eram pessoas importantes – e até muito importantes – num governo que foi capaz de abrir uma pequena brecha num sistema de poder estabelecido no país há séculos.
O poder que eles representam é o do voto. Tem duração limitada, quatro anos, é frágil, mas é o único poder para quem não tem poder de verdade e depende de uma vontade, apenas uma: a decisão soberana do povo.
Por isso queriam um julgamento na véspera da eleição, empurrando tudo para a última semana, torcendo abertamente para influenciar o eleitor, fazendo piadas sobre o PT, comparando com PCC e Comando Vermelho…
Por isso fala-se em “compra de apoio”, “compra de consciências”, “compra de eleitor…” Como se fosse assim, ir a feira e barganhar laranja por banana.
Trocando votos por sapatos, dentadura…
Tudo bem imaginar que é assim mas é bom provar.
Me diga o nome de um deputado que vendeu o voto. Um nome.
Também diga quando ele vendeu e para que.
Diga quem “jamais” teria votado no projeto x (ou y, ou z) sem receber dinheiro e aí conte quando o parlamentar x, y ou z colocou o dinheiro no bolso.
Estamos falando, meus amigos, de direito penal, aquele que coloca a pessoa na cadeia. E aí é a acusação que tem toda obrigação de provar seu ponto.
Como explica Claudio José Pereira, professor doutor na PUC de São Paulo, em direito penal você não pode transferir a responsabilidade para o acusado e obrigá-lo a provar sua inocência. Isso porque ele é inocente até prova em contrário.
O Poder é capaz de malabarismos e disfarces, mas cabe aos homens de boa fé não confundir rosto com máscara, nem plutocratas com deserdados…
Poder é o que dá medo, pressiona, é absoluto.
Passa por cima de suas próprias teorias, como o domínio do fato, cujo uso é questionado até por um de seus criadores, o que já está ficando chato
Nem Dirceu nem Genoíno falam ou falaram pelo Estado brasileiro, o equivalente da Coroa portuguesa. Podem até nomear juízes, como se viu, mas não comandam as decisões da Justiça, sequer os votos daqueles que nomearam.
Imagine se, no julgamento de um poderoso, o ministério público aparecesse com uma teoria nova de direito, que ninguém conhece, pouca gente estudou de verdade – e resolvesse com ela pedir cadeia geral e irrestrita…
Imagine se depois o relator resolvesse dividir o julgamento de modo a provar cada parte e assim evitar o debate sobre o todo, que é a ideia de mensalão, a teoria do mensalão, a existência do mensalão, que desse jeito “só poderia existir”, “está na cara”, “é tão óbvio”, e assim todos são condenados, sem que o papel de muitos não seja demonstrado, nem de forma robusta nem de forma fraca…
Imagine um revisor sendo interrompido, humilhado, acusado e insinuado…
Isso não se faz com poderosos.
Também não vamos pensar que no mensalão PSDB-MG haverá uma volta do Cipó de Aroeira, como dizia aquela música de Geraldo Vandré.
Engano.
Não se trata de uma guerra de propaganda. Do Chico Anísio dizendo: “sou…mas quem não é?”
Bobagem pensar em justiça compensatória.
Não há José Dirceu, nem José Genoíno nem tantos outros que eles simbolizam no mensalão PSDB-MG. Se houvesse, não seria o caso. Porque seria torcer pela repetição do erro.
Essa dificuldade mostra como é grave o que se faz em Brasília.
Mas não custa observar, com todo respeito que todo cidadão merece: cadê os adversários da ditadura, os guerrilheiros, os corajosos, aqueles que têm história para a gente contar para filhos e netos? Aqueles que, mesmo sem serem anjos de presépio nem freiras de convento, agora serão sacrificados, vergonhosamente porque sim, a Maria I, invisível, onipresente, assim deseja.
Sem ilusões.
Não, meus amigos. O que está acontecendo em Brasília é um julgamento único, incomparável. Os mensalões são iguais.
Mas a política é diferente. É só perguntar o que acontecia com os brasileiros pobres nos outros governos. O que houve com o desemprego, com a distribuição de renda.
E é por isso que um deles vai ser julgado bem longe da vista de todos…
E o outro estará para sempre em nossos olhos, mesmo quando eles se fecharem.
Paulo Moreira LeiteNo Vamos combinar
Um julgamento político
15 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários aindaO julgamento da Ação 470, que chega ao seu fim com sentenças pesadas contra quase todos os réus, corre o risco de ser considerado como um dos erros judiciários mais pesados da História. Se, contra alguns réus, houve provas suficientes dos delitos, contra outros os juízes que os condenaram agiram por dedução. Guiaram-se pelos silogismos abengalados, para incriminar alguns dos réus.
O relator do processo não atuou como juiz imparcial: fez-se substituto da polícia e passou a engenhosas deduções, para concluir que o grande responsável fora o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Podemos até admitir, para conduzir o raciocínio, que Dirceu fosse o mentor dos atos tidos como delituosos, mas faltaram provas, e sem provas não há como se condenar ninguém.
O julgamento, por mais argumentos possam ser reunidos pelos membros do STF, foi político. Os julgamentos políticos, desde a Revolução Francesa, passaram a ser feitos na instância apropriada, que é o Parlamento. Assim foi conduzido o processo contra Luis XVI. Nele, de pouco adiantaram os brilhantes argumentos de seus notáveis advogados, Guillaume Malesherbes, François Tronchet e Deseze, que se valiam da legislação penal comum.
O julgamento era político, e feito por uma instituição política, a Convenção Nacional, que representava a nação; ali, os ritos processuais cediam lugar à vontade dos delegados da França em processo revolucionário. A tese do poder absoluto dos parlamentares para fazer justiça partira de um dos mais jovens revolucionários, Saint-Just. Ela fora aceita, entre outros, por Danton e por Robespierre, que se encarregou de expô-la de forma dura e clara, e com a sobriedade própria dos julgadores — segundo os cronistas do episódio — aos que pediam clemência e aos que exigiam o respeito ao Código Penal, já revogado juntamente com a monarquia.
“Não há um processo a fazer. Luís não é um acusado. Vocês não são juízes, vocês são homens de Estado. Vocês não têm sentenças a emitir em favor ou contra um homem, mas uma medida de segurança pública a tomar, um ato de providência nacional a exercer. Luís foi rei e a República foi fundada”. E Robespierre, implacável, explica que, em um processo normal, o rei poderia ser considerado inocente, desde que a presunção de sua inocência permanecesse até o julgamento. E arremete:
“Mas, se Luís é absolvido, o que ocorre com a Revolução? Se Luís é inocente, todos os defensores da liberdade passam a ser caluniadores”. Os fatos posteriores são conhecidos.
O STF agiu, sob aparente ira revolucionária de alguns de seus membros, como se fosse a Convenção Nacional. Como uma Convenção Nacional tardia, mais atenta às razões da direita — da Reação Thermidoriana, que executou Robespierre, Saint-Just e Danton, entre outros — do que a dos montagnards de 1789. Foi um tribunal político, mas sob o mandato de quem? Quem os elegeu? E qual deles pôde assumir, com essa grandeza, a responsabilidade do julgamento político, que assumiu o Incorruptível? E qual dos mais exacerbados poderia dizer aos outros que deviam julgar como homens de Estado, e não como juízes?
Como o Tartufo, de Molière, que via a sua razão onde a encontrasse, foram em busca da teoria do domínio do fato, doutrina que, sem essa denominação, serviu para orientar os juizes de Nurenberg, e foi atualizada mais tarde pelo jurista alemão Claus Roxin. Só que o domínio do fato, em nome do qual incriminaram Dirceu, necessita, de acordo com o formulador da teoria, de provas concretas. Provas concretas encontradas contra os condenados de Nurenberg, e provas concretas contra o general Rafael Videla e o tiranete peruano Alberto Fujimori.
E provas concretas que haveria contra Hitler, se ele mesmo não tivesse sido seu próprio juiz, ao matar-se no bunker, depois de assassinar a mulher Eva Braun e sacrificar sua mais fiel amiga, a cadela Blondi. Não havendo prova concreta que, no caso, seria uma ordem explícita do ministro a alguém que lhe fosse subordinado (Delúbio não era, Genoino, menos ainda), não se caracteriza o domínio do fato. Falta provar, devidamente, que ele cometeu os delitos de que é acusado, se o julgamento é jurídico. Se o julgamento é político, falta aos juízes provar a sua condição de eleitos pelo povo.
Dessa condição dispunham os membros da Convenção Nacional Francesa e os parlamentares brasileiros que decidiram pelo impeachment do presidente Collor. As provas contra Collor não o condenariam (como não condenaram) em um processo normal. Ali se tratou de um julgamento político, que não se pretendeu técnico, nem juridicamente perfeito, ainda que fosse presidido pelo então presidente do STF.
A nação, pelos seus representantes, foi o tribunal. O STF é o cimo do Poder Judiciário. Sua sentença não pode ser constitucionalmente contestada, mesmo porque ele é, também, o tribunal que decide se isso ou aquilo é constitucional, ou não. A História, mais cedo do que tarde, fará a revisão desse processo, para infirmá-lo, por não atender às exigências do due process of law, nem à legitimidade para realizar um julgamento político.
O julgamento político de Dirceu, justo ou não, já foi feito pela Câmara dos Deputados, que lhe cassou o mandato.
Mensalão pode por STF no banco dos réus
15 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários aindaO idealismo predominou sobre o materialismo no julgamento do mensalão pelo STF, porque, simples, partiu-se da idéia para se chegar à matéria, sendo que, no caso, a matéria significou, tão somente, uma incerta teoria que se apartou da prática
Se o Judiciário estaria realmente criminalizando a política, por que o Legislativo não politizaria tal criminalização praticada pelo Judiciário?
A esquerda petista está inconformada com o critério adotado pelos juízes do Supremo Tribunal Federal de lançar mão da denominada Teoria do Domínio do Fato para condenar os principais líderes do PT na Era Lula, especialmente, José Dirceu e José Genoínio.
A Teoria do Domínio do Fato foi erguida como deusa da justiça.
Por ser aquele que coordenava todas as ações políticas no primeiro mandato do Governo Lula, José Dirceu foi condenado a 10 anos e 10 meses de prisão sob acusação de formação de quadrilha, porque, na posição que ocupava, tinha o domínio do fato, para articular e comandar o mensalão, na tarefa de garantir maioria para governar, no Congresso, mediante compra de votos e consciências.
Em vez de ele ser o elo forte da cadeia, acabou sendo o fraco, invertendo a verdade divulgada em sentido contrário, desde sempre.
Começou-se pelo lado econômico da coisa para se chegar ao político. Chegou-se, assim, inversamente, à determinação de que a política manda no dinheiro e não o contrário, ou ambos se juntam quando as conveniências recíprocas os aproximam?
Por controlar, enquanto todo poderoso ministro da Casa Civil, as articulações políticas, cujo objetivo é o de sustentar governabilidade, Dirceu controlaria, também, a distribuição do dinheiro da corrupção eleitoral.
Como cabeça, teria o poder de mandar e desmandar, sendo consultado por todos, enquanto dava conhecimento de tudo para o seu superior hierárquico, então, o titular do Planalto.
Todas as montagens da peça acusatória visaram a construção de um enredo com o começo e o fim se dando a partir da ordem vinda de cima, de Dirceu, responsável maior pelo desenrolar de todo o processo no qual mergulharam os mensaleiros.
Foi, praticamente, um mecanicismo jurídico, muito parecido com o raciocínio lógico, com a matemática, que, no entanto, como diz Hegel, é uma ciência que se constroi no exterior da realidade, não podendo, portanto, determiná-la.
Teria sido isso, o mecanicismo matemático servido de modelo para montagem do mecanicismo jurídico joaquimbarbosiano, de modo a articular dialética construída de fora para dentro do real concreto em movimento, de maneira irrefutável?
A montagem da peça foi – está sendo – tão perfeita que alcançou unanimidade sintomática no conjunto do colegiado de juízes da suprema corte de justiça brasileira.
Mas, não seria a unimidade, como disse Nelson Rodrigues, uma manifestação da burrice?
Onde estaria a burrice?
Pelo que os advogados apontam, ela emergeria quase que comicamente, pelo tamanho de sugestiva ingenuidade, com a constatação da inexistência daquilo que o juiz mais preza, mas que foi por ele, totalmente, desprezada: a prova do crime.
O domínio do fato, disseram os juízes, foi exercido por Dirceu a partir de sua posição privilegiada, no comando do governo, razão pela qual, logicamente, se conclui que ele sabia de tudo e, não só, mandava, também, em tudo.
Se era assim, por que maiores provas?
O pressuposto nesse sentido bastou para que os notáveis do direito do STF descartassem a exigência de documento de ofício para justicar o domínio do fato, simplesmente, porque o fato já estava dominado pelo ex-ministro da Casa Civil, tornando-o culpado, mesmo sem provas.
As provas, pelo que se pode perceber, foram as próprias articulações políticas, coisa do político, que, tendo confundidas suas ações, pelos juizes, como provas de prática de corrupção política, torna-se condenado pela prática da política.
Surreal.
Assim, se articulação política se torna prática de corrupção, pelo exercício do domínio do fato, mesmo sem provas, configurando, consequentemente, criminalização da política, do mesmo modo o julgamento jurídico pode se corromper, se o pressuposto de sua própria existência – as provas materiais - não for levado em conta no ato de julgar.
Ou seja, o político, criminalizado pela prática da articulação, tida por endêmica produção de corrupção, sob presidencialismo de coalizão, pode, do mesmo modo, criminalizar o julgamento jurídico desprovido de provas.
Muita água vai rolar por debaixo da ponte.
Não seria conveniente que essa discussão se desse no Congresso, em amplo debate popular, se tudo desemboca na política?
Se, por um lado, tende a ocorrer a criminalização da política, caso entendida a prática da articulação política como corrupção, não poderia, por outro, haver criminalização da prática jurídica, se se desconsidera o alicerce – a prova do crime – que dá vida à própria justiça, para embasar a sentença judicial?
Cesar FonsecaNo O Broguero