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Daniela

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junio 14, 2012 21:00 , por Daniela - | No one following this article yet.

O STF e os bodes expiatórios

octubre 26, 2012 22:00, por Desconocido - 0no comments yet

Levar carneiros e cabritos ao fogo, a fim de expiar os próprios pecados, era uma astúcia dos tempos bíblicos, na negociação com a transcendência. Talvez em razão da banalização do recurso, o Senhor tenha pedido a Abraão que levasse ao holocausto o próprio filho Isaque e, na hora fatal, tenha tolhido a mão que brandia o cutelo. Não houve o sacrifício humano, segundo o relato bíblico, e o próprio Senhor providenciou um cordeiro, a fim de que a pira fosse aproveitada, e a metáfora é ainda válida. Há sempre o recurso de descarregar em alguns os próprios pecados, para que os purguem. Quando se trata do poder, o expediente é rotineiro. Basta lembrar o caso dos alemães com os judeus e do Estado de Israel com os palestinos.
O publicitário foi mais do que um lobista comum, porque, ao que se vê, é dotado de invulgar inteligência e grande ousadia. Na Ação 470 – e há outro processo em que se envolveu – seu objetivo frustrado, de acordo com os autos, era obter um negócio excepcional para o Banco Rural, tendo como objeto o Banco Mercantil de Pernambuco. Eram todos, no fundo, amadores, até mesmo Valério, não obstante sua audácia. A movimentação de recursos, quase à luz do sol, chega a sugerir ato deliberado de auto-sacrifício, uma espécie de suicídio político coletivo, aos moldes de Jim Jones, na Guiana.
Tudo bem. O que não se compreende é que Valério seja o bode expiatório da velha corrupção política nacional, logo ele que não se encontrava entre os corruptores, nem entre os corrompidos, e, sim, no meio da ação – como dezenas ou centenas de outros lobistas, menores e maiores, que operam entre as empresas e o poder público no país. Não se pune com pena maior o adultério: recolhe-se o sofá ao guarda-móveis. Um fato é fora de dúvida: os maiores corruptores são os banqueiros, muitos dos quais começam a conhecer a cadeia, como é o caso de Madoff, nos Estados Unidos. Sem eles não haveria intermediários como Valério, como não haveria lavagem de dinheiro nem remessas para o Exterior, como as realizadas pelo Banestado, sob a confessada cobertura do Banco Central.
Quarenta anos de prisão, conforme a soma das penas a ele cominadas, é notório exagero. Valério, segundo se sabe, esteve preso e foi espancado pelos outros prisioneiros. Se for colocado em uma prisão comum, como determina a lei, sua sobrevivência estará ameaçada. Ainda que a pena possa ser reduzida, como prevê a legislação, a sua condenação será muito mais dura do que a simples prisão.
Há os que exultam com os resultados do julgamento. Talvez lhes conviesse colocar as barbas no molho da cautela. Não poderá o STF julgar os outros casos de corrupção em andamento, e outros que fatalmente lhe chegarão, com menos rigor do que o endereçado aos réus da Ação 470. Os que pedem a cabeça dos envolvidos no denominado mensalão, provavelmente ficarão estarrecidos quando conhecerem os detalhes do processo de privatização das empresas estatais brasileiras, a partir do governo Collor – sob o comando do Sr. Eduardo Modiano – até o ato final de entrega, na administração de Fernando Henrique Cardoso.
Depois de penas tão duras contra os réus da Ação 470, será um estapafúrdio se a Justiça não reabrir o caso da Operação Satiagraha, que o STJ, em decisão escandalosa, decidiu trancar. Afinal, Marcos Valério é apenas um menino de recados, diante de quem obteve seguidos e estranhos hábeas-corpus, do próprio STF, e sempre foi amigo e comensal das mais altas autoridades da República, em tempos recentes – o banqueiro Daniel Dantas.



As eleições e suas consequências

octubre 26, 2012 22:00, por Desconocido - 0no comments yet

Quando, na noite de domingo 28, conhecermos o resultado final das eleições municipais deste ano, o PT e o governo terão muito o que celebrar. E algumas razões para olhar com preocupação para o futuro próximo.
A se considerar o que aconteceu no primeiro turno e os prognósticos disponíveis para as disputas de segundo turno, o PT termina as eleições de 2012 como o principal vitorioso. De qualquer ângulo que se olhe, são as melhores eleições municipais da história do partido.
Os indicadores são muitos. Entre os cinco partidos que melhor se saíram nas eleições anteriores, foi o único que cresceu. Enquanto PMDB, PSDB, DEM e PP reduziram, o PT ampliou o número de municípios governados por prefeitos filiados à legenda.
Com isso, manteve sua tendência de crescimento, sem interrupção, desde a fundação. Quando se levam em conta apenas as três últimas eleições, foi de 410 prefeituras em 2004 a 628 neste ano (sem incluir as 10 ou mais que deve ganhar no segundo turno).
Do lado das oposições, o panorama, ao contrário, se complicou, o que significa outra vitória para Lula e o PT.
O total de prefeitos eleitos pelo PSDB, o DEM e o PPS caiu, nos últimos 8 anos, de 1.973 para 1.088 (sem considerar o resultado do segundo turno, que não deve, no entanto, alterar muito o quadro). Em outras palavras, os três partidos ficaram com pouco mais da metade das prefeituras que tinham.
Quanto ao número de vereadores eleitos, o cenário é parecido. De novo, o PT foi o único dos grandes que cresceu de 2008 para cá: ganhou cerca de mil novos vereadores, ao passar de 4.168 para 5.182. Enquanto isso, os três principais partidos oposicionistas elegeram 2.473 a menos. Entre 2004 e 2012, os representantes petistas nas câmaras municipais aumentaram em quase 40%.
Para o que efetivamente contam, portanto, foram eleições favoráveis ao PT. Nelas, o partido reforçou suas bases municipais, com isso se preparando para melhorar o desempenho nas próximas eleições legislativas.
Sair-se bem ou mal nas disputas locais tem impacto pequeno na eleição presidencial, como ilustra o bem o caso do PMDB, o eterno campeão em termos de prefeitos e vereadores eleitos, e que não consegue sequer ter candidato ao Planalto desde 1998. Mas elas são relevantes na definição do tamanho das bancadas na Câmara, fundamentais para governar.
Há, além disso, o aspecto simbólico.
Dessa perspectiva, o resultado das eleições municipais é mais significativo onde elas são menos decisivas objetivamente. É nas capitais que se travam as “grandes batalhas”, as que despertam mais atenção e definem os “grandes vencedores”, ainda que nelas seja menor a influência dos prefeitos nas eleições seguintes.
Como algumas ainda estão indefinidas, é difícil dizer com segurança, mas parece possível que o partido se aproxime, neste ano, da melhor performance de sua história, que alcançou em 2004, quando elegeu nove prefeitos de capital.
É claro que a maior de todas as batalhas, pelas condições em que foi montado o quadro eleitoral na cidade, acontece em São Paulo. E com a provável vitória de Fernando Haddad, a eleição de 2012 será fechada com chave de ouro para o PT.
Difícil imaginar um quadro de opinião tão desfavorável como o que foi montado para o partido nestas eleições. Apesar dele, sai como principal vitorioso. No plano objetivo e no plano simbólico.
Sem que houvesse qualquer razão técnica para que o julgamento do “mensalão” fosse marcado para o período eleitoral, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu seu calendário de tal maneira que parecia desejar que ele afetasse a tomada de decisão dos leitores. Como, aliás, deixou claro o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, quando afirmou que achava “salutar” uma interferência do julgamento na eleição.
Nossa “grande imprensa” resolveu fazer do assunto o carro-chefe do noticiário. Desde agosto, quando começaram as campanhas na televisão e no rádio, trouxeram o julgamento para o cotidiano da população.
Quem for ingênuo que acredite ter sido movida por “preocupações morais”. Com seu currículo, a última coisa que se espera dela é zelo pela ética.
Tudo o que as oposições, nos partidos, na mídia, no Judiciário, na sociedade, puderam fazer para que as eleições de 2012 se transformassem em derrota para Lula e o PT foi feito.
Mas não funcionou.
Mais que bom, isso é ótimo para o partido. Mostra a força de sua imagem, de suas lideranças e candidatos. Mostra por que é o grande favorito a vencer as próximas eleições presidenciais.
O problema é a frustração de quem apostou que o PT perderia.
E se esses setores, percebendo que não conseguem vencer com o povo, resolvem prescindir dele? Se chegarem à conclusão que só têm caminhos sem povo para atingir o poder? Se acharem que novas intervenções “salutares” serão necessárias, pois a recente foi inócua?
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi



Charge online - Bessinha - # 1544

octubre 25, 2012 22:00, por Desconocido - 0no comments yet



Uma política cultural para São Paulo

octubre 25, 2012 22:00, por Desconocido - 0no comments yet

 
São Paulo tem por vocação ser polo internacional de cultura. A criatividade de seu povo, assim como o alto nível de sua vida intelectual, não justifica o isolamento da cidade em relação aos eixos globais de produção de cultura. Há, na cidade, uma vibração que não encontra forma, uma potência que não circula, e muito disso deve ser creditado à ausência de algo que poderíamos chamar de “política cultural”.
Durante anos, a prefeitura não foi capaz de colocar de pé uma política cultural digna deste nome, que não se resumisse à organização de eventos esparsos. Ela abdicou de pensar uma visão integrada capaz de contemplar, de maneira ousada, exigências de formação para a cultura, de difusão da produção, de fomento contínuo, de preservação de patrimônios material e imaterial, assim como de criação de bases de informação de dados sobre a cultura da cidade.
São Paulo precisa, por exemplo, de uma política clara de formação para a cultura que não seja simplesmente um subsetor da assistência social ou da qualificação técnica para aquilo que alguns não temem em chamar de “economia criativa”. O Brasil considera-se um país musical. Bem, Paris tem um grande conservatório público por bairro. Quantos conservatórios públicos tem São Paulo? Se um adolescente de Parelheiros quiser ser ator de teatro e ter uma boa formação de longa duração, ele encontrará um serviço público funcionando de maneira conveniente a seu alcance? Esses exemplos demonstram como São Paulo precisa de um conjunto de escolas municipais de artes que ofereçam não apenas oficinas, mas cursos de longa duração de música, teatro, dança, audiovisual, artes plásticas e literatura.
Por outro lado, percebam como a difusão da produção ­cultural em São Paulo espelha claramente o processo de segregação social ao qual a cidade está submetida. Há bairros, como Cidade Ademar, que nem sequer têm uma pequena biblioteca pública. Se não fossem os CEUs, com suas estruturas multifuncionais, bairros inteiros não teriam nada parecido a um teatro ou a uma sala para projeção de filmes.
Apesar de ser uma das maiores megalópoles do mundo, São Paulo tem hoje apenas dois centros culturais públicos: o Centro Cultural Vergueiro e o Ruth Cardoso. Na verdade, nos últimos anos, foi o Sesc que acabou funcionando como a verdadeira Secretaria da Cultura, construindo espaços em vários bairros da cidade. Uma verdadeira política cultural preocupada com a difusão passa pela retomada da construção de centros culturais que possam ter parte de sua gestão na mão de coletivos de artistas. Um conjunto de centros culturais poderia desenvolver uma ação de difusão em rede que permitiria a melhor circulação da cultura entre centro e periferia. Se as escolas de artes funcionassem no mesmo espaço que os centros culturais, teríamos aparelhos públicos de uso contínuo e de alta circulação.
A preocupação com a ­difusão da produção cultural passa ainda pela recuperação das bibliotecas públicas de São Paulo, muitas em condição lastimável. Enquanto o Rio de Janeiro inova construindo bibliotecas, parque de acesso imediato aos livros, espaço multifuncional, acervo grande e atualizado, São Paulo patina. A cidade poderia aprender, no entanto, com Santiago do Chile a abrir suas bibliotecas até a meia-noite, nos sábados e domingos, dando à sua população uma bela opção para o tempo livre. Se seu acervo fosse atualizado, a população não precisaria mais transformar livrarias em centros de leitura.
Como não inovou na política de editais de fomento ou pensou em maneiras de integrar pessoas físicas no processo de subvenção da cultura (como queria o então ministro da Cultura Celso Furtado em seu primeiro projeto de isenção de impostos para a cultura que deu na famosa Lei Sarney), a cidade ainda depende, em larga medida, da decisão de departamentos de marketing de grandes empresas para definir, por meio das distorções da Lei Rouanet, como a produção cultural será financiada. Com mais ousadia, poderíamos ter políticas robustas de bolsas para jovens artistas que teriam, assim, mais autonomia criativa.
Há pouco, vimos o tipo de absurdo que tal dependência em relação aos departamentos de marketing pode criar. Uma empresa de telefonia anulou a exposição de uma das fotógrafas mais importantes da atualidade, Nam Goldin, por entender que suas fotos eram “inapropriadas”. Eis um tipo de ditadura que ninguém precisa.
Como se vê, a quantidade de ações que São Paulo espera no campo da cultura não é pequena. Elas poderiam mudar em definitivo um aspecto fundamental da nossa vida urbana.
Vladimir Safatle
No CartaCapital



Darcy Ribeiro, 90 anos

octubre 25, 2012 22:00, por Desconocido - 0no comments yet

“Mais que uma simples etnia, o Brasil é uma etnia nacional, um povo-nação, 
assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado
 para nele viver seu destino” 
– Darcy Ribeiro
darcy ribeiro antropólogo 90 anos
Darcy Ribeiro, se vivo fosse, completaria hoje 90 anos.
(Foto: Arquivo do Senado Federal)
Nascido em Montes Claros, Minas Gerais, em 26 de outubro de 1922, Darcy Ribeiro foi um destacado antropólogo e político brasileiro. Além de ensaísta e romancista – membro da Academia Brasileira de Letras –, destacou-se como educador, chegou a ser ministro da Educação e colaborou decisivamente para a fundação da Universidade de Brasília (UNB). Nesta sexta, estaria completando 90 anos se estivesse vivo.
Darcy estudou ciências sociais na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, graduando-se em 1946. Trabalhou com indígenas do Centro-Oeste e do Norte, contribuiu para a criação do Museu do Índio e do parque do Xingu.
Foi exilado após o golpe de 1964, retornou ao Brasil em 1976. Nesse período dedicou-se a importantes estudos antropológicos. O último volume desse trabalho, “O Povo Brasileiro”, foi publicado apenas em 1995. No livro, o autor investiga a formação do povo brasileiro e as configurações que tomou ao longo dos séculos, projeto sem precedentes quando foi concebido.
Durante o primeiro governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro (1983-1987), Darcy foi o responsável pela criação, planejamento e direção da implantação dos Centros Integrados de Ensino Público (CIEP), um projeto pedagógico visionário e revolucionário no Brasil de assistência em tempo integral às crianças.
Nas eleições de 1986, Darcy foi candidato ao governo fluminense pelo PDT mas não conseguiu êxito nas urnas. Em 1992 foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) onde ocupou a cadeira número 11. Também foi ministro-chefe da Casa Civil do presidente João Goulart, vice-governador do Rio de Janeiro de 1983 a 1987 e exerceu o mandato de senador pelo Rio de Janeiro, de 1991 até sua morte. Darcy faleceu de câncer aos 74 anos, no dia 17 de fevereiro de 1997.
Trecho da introdução de O Povo Brasileiro
Por Darcy Ribeiro
O Brasil e os brasileiros, sua gestação como povo, é o que trataremos de reconstituir e compreender nos capítulos seguintes. Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos.
Nessa confluência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo novo (Ribeiro 1970), num novo modelo de estruturação societária. Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam.
Povo novo, ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular de organização socioeconômica, fundada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros.
Velho, porém, porque se viabiliza como um proletariado externo. Quer dizer, como um implante ultramarino da expansão européia que não existe para si mesmo, mas para gerar lucros exportáveis pelo exercício da função de provedor colonial de bens para o mercado mundial, através do desgaste da população que recruta no país ou importa.
A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória européia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros africanos. O Brasil emerge, assim, como um renovo mutante, remarcado de características próprias, mas atado genesicamente à matriz portuguesa, cujas potencialidades insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizariam plenamente.
A confluência de tantas e tão variadas matrizes formadoras poderia ter resultado numa sociedade multiétnica, dilacerada pela oposição de componentes diferenciados e imiscíveis. Ocorreu justamente o contrário, uma vez que, apesar de sobreviverem na fisionomia somática e no espírito dos brasileiros os signos de sua múltipla ancestralidade, não se diferenciaram em antagônicas minorias raciais, culturais ou regionais, vinculadas a lealdades étnicas próprias e disputantes de autonomia frente à nação.
As únicas exceções são algumas microetnias tribais que sobreviveram como ilhas, cercadas pela população brasileira. Ou que, vivendo para além das fronteiras da civilização, conservam sua identidade étnica. São tão pequenas, porém, que qualquer que seja seu destino, já não podem afetar à macroetnia em que estão contidas.
O que tenham os brasileiros de singular em relação aos portugueses decorre das qualidades diferenciadoras oriundas de suas matrizes indígenas e africanas; da proporção particular em que elas se congregaram no Brasil; das condições ambientais que enfrentaram aqui e, ainda, da natureza dos objetivos de produção que as engajou e reuniu.
Essa unidade étnica básica não significa, porém, nenhuma uniformidade, mesmo porque atuaram sobre ela três forças diversificadoras. A ecológica, fazendo surgir paisagens humanas distintas onde as condições de meio ambiente obrigaram a adaptações regionais. A econômica, criando formas diferenciadas de produção, que conduziram a especializações funcionais e aos seus correspondentes gêneros de vida. E, por último, a imigração, que introduziu, nesse magma, novos contingentes humanos, principalmente europeus, árabes e japoneses. Mas já o encontrando formado e capaz de absorvê-los e abrasileirá-los, apenas estrangeirou alguns brasileiros ao gerar diferenciações nas áreas ou nos estratos sociais onde os imigrantes mais se concentraram.
Por essas vias se plasmaram historicamente diversos modos rústicos de ser dos brasileiros, que permitem distingui-los, hoje, como sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e Centro do país, gaúchos das campanhas sulinas, além de ítalo-brasileiros, teuto-brasileiros, nipo-brasileiros etc. Todos eles muito mais marcados pelo que têm de comum como brasileiros, do que pelas diferenças devidas a adaptações regionais ou funcionais, ou de miscigenação e aculturação que emprestam fisionomia própria a uma ou outra parcela da população.
A urbanização, apesar de criar muitos modos citadinos de ser, contribuiu para ainda mais uniformizar os brasileiros no plano cultural, sem, contudo, borrar suas diferenças. A industrialização, enquanto gênero de vida que cria suas próprias paisagens humanas, plasmou ilhas fabris em suas regiões. As novas formas de comunicação de massa estão funcionando ativamente como difusoras e uniformizadoras de novas formas e estilos culturais.
Conquanto diferenciados em suas matrizes raciais e culturais e em suas funções ecológico-regionais, bem como nos perfis de descendentes de velhos povoadores ou de imigrantes recentes, os brasileiros se sabem, se sentem e se comportam como uma só gente, pertencente a uma mesma etnia. Vale dizer, uma entidade nacional distinta de quantas haja, que fala uma mesma língua, só diferenciada por sotaques regionais, menos remarcados que os dialetos de Portugal. Participando de um corpo de tradições comuns mais significativo para todos que cada uma das variantes subculturais que diferenciaram os habitantes de uma região, os membros de uma classe ou descendentes de uma das matrizes formativas.
Mais que uma simples etnia, porém, o Brasil é uma etnia nacional, um povo-nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado para nele viver seu destino. Ao contrário da Espanha, na Europa, ou da Guatemala, na América, por exemplo, que são sociedades multiétnicas regidas por Estados unitários e, por isso mesmo, dilaceradas por conflitos interétnicos, os brasileiros se integram em uma única etnia nacional, constituindo assim um só povo incorporado em uma nação unificada, num Estado uniétnico. A única exceção são as múltiplas microetnias tribais, tão imponderáveis que sua existência não afeta o destino nacional.