Caçando Adversários
Luglio 28, 2012 21:00 - no comments yetUma das sabedorias antigas dos mineiros ensina que, na política, não existem gestos gratuitos. Todos têm consequência.
E não só para quem os pratica. Muitas vezes, os efeitos de um ato individual atingem correligionários e companheiros.
Podem, por exemplo, afetar de maneira ampla a imagem do partido a que pertencem. Mudam a percepção da sociedade a respeito de seus integrantes.
Quando é para o bem, ótimo. Mas pode ser para o mal.
Nesses casos, o ônus é compartilhado. Todos pagam por ele.
A decisão da Executiva Nacional do PSDB de recorrer à Justiça contra os “blogueiros sujos” que o criticam é um desses.
O verdadeiro inspirador da ação foi o candidato do partido a prefeito de São Paulo, mas suas consequências negativas não se circunscrevem a ele. O gesto de Serra alcança coletivamente os tucanos.
Em si, é apenas uma reação tola. Que expectativa de sucesso tem o ex-governador? Será que acredita que conduzir o PSDB a uma cruzada contra os responsáveis por blogs que antipatizam com ele redundará em alguma vantagem para sua candidatura?
Movido por sua insistência, o partido representou à Procuradoria Geral Eleitoral para denunciar o “uso de recursos públicos” no financiamento de “blogs, sites e organizações (?)” que funcionariam como “verdadeiras centrais de coação e difamação de instituições democráticas”.
Na prática, o que o PSDB pretende é que empresas e bancos estatais sejam proibidos de comprar espaço publicitário em blogs contrários ao partido e às suas lideranças. A argumentação de que é movido pelo zelo de proteger as instituições é fantasiosa. Aliás, sequer cabe aos partidos políticos esse papel.
O que Serra quer mesmo - e não é de hoje - é impedir a manifestação de seus adversários.
Talvez tenha se acostumado com a convivência que mantém com alguns veículos e comentaristas da nossa indústria de comunicação. De tanto vê-los defendendo seus pontos de vista e acolhendo suas opiniões, se convenceu que os críticos não mereceriam lugar para se expressar.
O fascinante na argumentação é que não o incomoda (ou a seu partido) que existam “blogs, sites e organizações (?)” - bem como revistas, jornais e emissoras de televisão e rádio - que recebam investimentos em propaganda do setor público e façam oposição até agressiva ao governo.
Parece que acham isso natural e que tais aplicações se justificariam tecnicamente. Se determinado veículo tem leitores, não haveria porque excluí-lo do plano de mídia de uma campanha de interesse de um órgão ou empresa pública. Fazê-lo equivaleria a puni-lo por um crime de opinião.
Se vale para os órgãos de comunicação hostis ao governo e ao “lulopetismo”, por que não se aplicaria no caso inverso? Seria errado anunciar em blogs com visitação intensa, apenas porque seus responsáveis não simpatizam com os tucanos?
Ou Serra e seu partido aplaudiriam se o governo proibisse que seus órgãos comprassem espaço publicitário na imprensa oposicionista?
A decisão sobre a alocação dessas verbas pode ser questionada com base em critérios objetivos: tem determinada emissora suficiente audiência para cobrar seus preços? Aquele jornal tem a circulação que afirma? O blog ou site em questão tem volume relevante de acessos?
Fora disso, é apenas castigar - ou querer castigar - quem tem opinião diferente.
Engraçado lembrar o destaque que o PSDB e suas figuras de proa, como Fernando Henrique, veem dando à internet na discussão do futuro do partido.
Tomara que não pensem como Serra: que na internet só podem ficar os “limpos” - os que o aplaudem -, pois os “sujos” - os que o questionam - devem ser banidos.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Gilmar Mendes, CartaCapital e os bandidos
Luglio 28, 2012 21:00 - no comments yetO ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ficou irritadíssimo com a matéria de capa da CartaCapital desta semana. Ele já anunciou que irá processar a revista. Em conversa com Reinaldo Azevedo, o pitbull da Veja, ele chegou a dizer que a reportagem é “coisa de bandidos” e insinuou que ela foi obra do PT. “Cheguei a pensar que eles fossem me acusar de ter matado o Celso Daniel”.
A matéria da CartaCapital, com base em documentos que revelam que Gilmar Mendes recebeu R$ 185 mil do caixa dois da campanha à reeleição de Eduardo Azeredo ao governo mineiro, em 1998, agitou o STF – que se prepara para julgar o chamado “mensalão do PT”. Ela colocou em suspeição a participação no julgamento do ministro, agora acusado de envolvimento no chamado “mensalão tucano”.
"Autoritário até a truculência"
Diante da ameaça da abertura de processo, o jornalista Mino Carta, proprietário e editor da CartaCapital, desdenhou o bravateiro. “Autoritário até a truculência, Mendes é aquele que chamou às falas o presidente Lula. E denunciou ser vítima do grampo, executado pelos agentes da Abin, de suas conversas com o amigão Demóstenes Torres, escuta que nunca houve”.
“Mendes é sócio de um instituto de ensino, a contrariar a Lei Orgânica da Magistratura, que exige dedicação exclusiva... Mendes é também acusador de Lula ex-presidente, apontado, um mês depois dos eventos alegados, como autor de pressões para influenciar seu voto no processo do ‘mensalão’. Foi desmentido inexoravelmente pelo próprio ex-ministro Nelson Jobim, anfitrião do encontro com Lula”.
Suspeição mais que evidente
Para Mino Carta, a reportagem de capa desta semana simplesmente faz o ministro do STF voltar à ribalta. Ela talvez explique as razões do seu voto contrário à investigação do chamado “mensalão tucano” e justifique a sua exclusão do julgamento do chamado “mensalão do PT”. Como conclui o editor da CartaCapital, “a suspeição de Mendes no processo que se inicia é muito mais que evidente”.
A verdade do artista
Luglio 28, 2012 21:00 - no comments yetRecife (PE) - Parto hoje de um artista de grande mídia, mas que me serve ao propósito de falar da luta arte x capital. Pois assim como a tevê nos usa, na medida em que ao falar dela fazemos-lhe propaganda, cabe a nós também usá-la para fins que ela não queria. Como tento a partir de agora.
A entrevista do ator Pedro Cardoso no programa Na Moral tem momentos que um filósofo diria serem universais. Na ocasião, discutiam os fotógrafos paparazzi, que devassam momentos íntimos dos artistas para os olhos de todo o mundo. Ali, no conhecido recurso da criação caricatural, no rádio e na tevê, que inventa o bandido e o artista de mentirinha, o cinismo de Bial em vídeo anuncia o inimigo “númuro” 1 dos paparazzi. Então entra Pedro Cardoso.E vem a primeira nota fora do script, porque o artista assim fala:
“Aqui falta o personagem mais importante nessa discussão, falta o capitalista.... Há uma enorme distinção entre os fatos da minha vida privada e os fatos que são públicos.” Ao que intervém Bial: “Mas seguindo o seu raciocínio, o empresário busca o ganho, pra evitar a palavra lucro”, isso o Big Brother fala, com a cara de nojo mais fingida. E continua: “O empresário quer vender revista. As pessoas compram essas revistas. Esses sites são os mais acessados, os sites de celebridades”. Ao que responde Pedro Cardoso, com raro brilho: “É, os alemães também compraram o nazismo por esse teu raciocínio. A sociedade tem demandas, mas nem todas as demandas da sociedade são a saúde dela”.
A primeira surpresa nessa fala de Pedro Cardoso é a palavra “capitalista”, que nunca se ouve ou se vê na tevê e no rádio, banida que está como um sonoro palavrão. O que bem entendemos, pois ladrões não têm o costume de se chamar pelo nome. A segunda surpresa é o recuo histórico que faz até o rosto de horror do capital, a violência nazista, para iluminar o conceito de que nem toda demanda social é boa para a saúde de toda a gente. Isso numa emissora que vive do ibope como um tumor que vive de nossas forças de vida, é um achado. Se liberdade de fato ele tivesse, diria que o dano humano das telenovelas é proporcional a sua audiência. Que o próprio engenho da Globo somente foi possível com a ditadura, como uma vez me declarou Dina Sfat, numa entrevista no Recife.
Mas na fala do ator também há uma esperta contradição da mídia. O seu próprio discurso no programa se inscreve na contradição geral da liberdade. Observem a pergunta de Bial a certa altura, levantando a bola para o fotógrafo cortar: “O que Cardoso está fazendo agora?”. E responde o paparazzo, transformado em instrumento pelo apresentador: “Ele está dentro da casa da TV Globo”. Ao que fala Pedro Cardoso, dando de ombros: “Eu posso ir para outro programa”. A isso ironiza Bial: “Você pode dizer que não pode vir”, e suspira, senhor das câmeras, para completar o seu veneno: “ai, ai...”.
O que vale dizer, em tradução livre: “ô cara, você não é livre para nada, nem mesmo para dizer que não vou a este ou àquele programa. O nosso peitinho, a rede Globo, é quem paga o melhor salário. Para de encenação”. A essa constatação, cínica, legitimadora do direito de se vender não importa o preço, que vai além do pagamento em dinheiro, a tal paredão, a que todo artista em algum lugar ou hora terá que sofrer no dilema entre a sobrevivência física e a defesa da própria alma, a isso a melhor resposta vem de Pedro Cardoso em um instante fugaz, de legitimação torta da liberdade do veículo:
“É tudo mentira. É tudo business. Há uma demanda social, mas a demanda não é para a mentira”. Ouvir isso faz um bem imenso. Essa frase vem na contramão de que o artista é só um fingidor, um canalha que finge, como não se cansa de repetir o entendimento vulgar de Fernando Pessoa. Na verdade, o ator, o poeta, o escritor buscam meios que falem da dor, real, da felicidade, transformadora, que dá sentido à vida de toda a gente. Essa frase de Cardoso acende por fim a lembrança de que o conflito entre o artista e o capitalismo é uma luta sem quartel. Até aqui o capital tem vencido, mas em batalhas continuadas o capitalismo, que criou para os artistas uma indústria de falsos egos, tem sofrido importantes derrotas. Quais? De passagem e na superfície, lembro a simples existência pública de García Márquez, Buñuel, Glauber Rocha, João Cabral de Melo Neto.
A feira dos artistas precisa da exposição que o capital dá. Mas a sua arte é uma revolta contra essa exposição. Mídia e capital pornográficos estão por ora soberanos, mas a arte continua a existir, somente porque está em revolta contra essa inumanidade. O vídeo da entrevista de Pedro Cardoso está aqui.
Urariano Mota No Direto da Redação
CartaCapital interceptada em Minas
Luglio 28, 2012 21:00 - no comments yetCaminhão de transporte da revista CartaCapital foi interceptado e "Não distribuiu a revista" em Minas. O exemplar desta semana contém documento com graves acusações contra Aécio Neves, Eduardo Azeredo e vários outros políticos do PSDB e do Dem. A imprensa mineira há muito encontra-se amordaçada. Agora, buscam impedir uma revista de circulação nacional.
O pior é que o mesmo já aconteceu em Goiás, em outra edição desta revista, que expunha as relações perigosas do governador tucano Marcondes Perillo com Carlos Cachoeira. O mais grave é que a operação que barrou a revista, em Goiás, foi bem sucedida e impune. É por isto que a operação nazista está se repetindo em Minas.
No Blog do SaraivaO Decreto 7.777 e o autoritarismo antigreve de Dilma
Luglio 28, 2012 21:00 - One commentO modo como o governo Dilma Rousseff vem lidando com as greves do funcionalismo público deveria suscitar preocupação não apenas entre os diretamente envolvidos na questão, mas em todos que prezam pelo avanço democrático e pelo respeito aos direitos trabalhistas.
Como veremos no decorrer deste texto, o Decreto 7.777, publicado no último dia 25 e que prevê a substituição dos grevistas de órgãos federais por servidores estaduais e municipais, é o ponto mais baixo de um processo em que a conduta do governo tem se caracterizado pela falta de diálogo, pelo recurso ao ilusionismo financeiro, pela tentativa de jogar a opinião pública contra os grevistas - e, agora, com essa medida draconiana, por um autoritarismo incompatível, na forma e no conteúdo, com o país democrático, lar de políticas sociais avançadas e player internacional que o próprio governo constantemente alardeia sermos.
Já no início, uma guinada conservadora
Eleito como um governo de centro-esquerda que prometia aprofundar as conquistas da Era Lula, a administração comandada por Dilma, não obstante seus méritos pontuais, tem se caracterizado, desde o primeiro momento, pela primazia irrestrita que concede ao campo econômico em relação às demais áreas – inclusive Educação e Saúde – e pela falta de diálogo com a sociedade.
A prioridade irrestrita ao econômico que caracteriza a administração de Dilma se traduziu, em um primeiro momento (fevereiro de 2010), na readoção de um receituário à moda neoliberal, com um duríssimo choque anticíclico que teve como meta não apenas aumentar o então já alto superávit primário, mas zerar o déficit nominal [gastos menos despesas, incluindo pagamento de juros]. Em nome desse agrado aos bancos e ao mercado financeiro foi então anunciado um corte de R$50 bilhões nos gastos públicos, que afetou diretamente Saúde, Educação e demais áreas sociais (com exceção dos programas de renda mínima), estabeleceu um salário mínimo sem aumento real, fixado em mais que módicos R$545,00, e determinou a suspensão de novos concursos e de contratação de aprovados em concursos anteriores.
Kill the messenger
No mesmo mês de fevereiro este blog denunciou o caráter recessivo das medidas, sua incoerência com o que fora defendido durante a campanha eleitoral e, sobretudo, o retrocesso que, abrindo flancos político-ideológicos potencialmente danosos à centro-esquerda, significava em relação aos avanços do governo Lula. Só faltou sermos apedrejados por blogueiros e comentaristas ainda entusiasmados pela vitoria eleitoral e inconformados com o desplante de se criticar um governo que mal entrava em seu segundo mês, num cenário de crise, pelo que viam como meros ajustes na economia.
O jornalista e blogueiro Luis Nassif foi uma das raríssimas vozes da blogosfera a, no calor da hora, apontar a inadequação e a prognosticar danos futuros à economia brasileira por conta de tal “pacote econômico” - sem o qual, como ele demonstra em coluna da semana passada, o momento econômico atual tenderia a ser outro, bem melhor. Mas a equipe econômica chefiada por Mantega levaria meses para se dar conta do desacerto e voltar a apostar na expansão do crédito e do consumo e numa ralentada retomada de investimentos estatais como forma de melhorar o desempenho da economia – sempre sem exorcizar a obsessão com os altos superávits, o que acaba por levar, inexoravelmente, a resultados contraditórios, dos quais a atual situação do servidor público é, como veremos, exemplo cabal.
Perfis públicos
Antes, porém, examinemos a questão da falta de diálogo do governo com a sociedade, que é hoje traço distintivo do poder federal. Ela foi inicialmente interpretada como uma impressão advinda da mudança de estilo trazida pela sucessão presidencial, do expansivo e brincalhão Lula para a mais reservada e austera Dilma. Criou-se inclusive um anedotário a respeito, o qual, por sua vez, não esteve livre dos preconceitos que de ordinário imbuem as questões de gênero em um país profundamente machista.
Por outro lado, a própria mídia, interessada em criar uma falso antagonismo entre a atual mandatária e o seu antecessor - em detrimento deste -, acabou por ressaltar, em inúmeras matérias, a “seriedade”, “determinação” e “objetividade” da presidenta como características positivas, em oposição ao que sempre viu como excessos, mau gosto e populismo inculto de Lula, a quem nunca engoliu. Ao final, como parece indicar o grau de aprovação pessoal de Dilma, o país não só se acostumou, mas acabou por afeiçoar-se ao seu estilo.
Silêncios do palácio
Ocorre, porém, como agora fica dolorosamente claro, que a questão nunca se restringiu a uma mera mudança de estilos pessoais na Presidência. É provável, na verdade, que as discussões sobre o tema tenham colaborado para desviar o foco do problema real: o fato de que foi a administração Dilma como um todo que abandonou a saudável prática de dialogar constantemente com a sociedade, vigente nos oito anos anteriores, e, sob uma liderança por demais concentradora e a primazia de uma área econômica que se crê onipotente e tem sempre a última palavra, isolou-se em tecnicismos e certezas palacianas.
No governo Lula, o diálogo constante com a sociedade – através de lideranças, sindicatos, grupos de trabalho, ONGs -, além de distender as tensões e, em algum grau, facilitar a empatia entre um lado e outro, dava a ambos, em curtos intervalos de tempo, uma noção dos termos pretendidos pelos requerentes e pelos donos das canetas. Sem isso, a atual administração dá frequentemente mostras de estar sendo surpreendida pelas demandas trabalhistas (o que é evidentemente falso, já que ela acompanha os sindicatos por outros canais, unilaterais), reage mal, demora uma enormidade para agendar uma mera reunião conciliatória (mais de um mês, no caso dos professores federais) e as raras contrapropostas que faz trazem a evidência do mais primário improviso.
Quem não se comunica..
No primeiro dos textos deste blog dedicados à greve dos professores federais, afirmei que a paralisação teria sido facilmente evitada se o governo tivesse simplesmente mantido o diálogo aberto. Tal premissa tem sido corroborada também pela greve dos funcionários públicos federais como um todo, que envolve 25 categorias profissionais, e que só foi deflagrada quando ficou claro que não havia possibilidade de diálogo. A nota oficial difundida pela CUT em relação ao decreto 7.777 confirma os aspectos deletérios do isolamento governamental: “Para resolver conflitos, o caminho é o diálogo, a negociação e o acordo. Sem isso, a greve é a única saída”.
Na ausência de tais canais de comunicação, o confronto entre grevistas e patrões, natural numa democracia, é deslocado do espaço público presencial de debate e negociação - que num governo democrático, trabalhista e alegadamente de centro-esquerda deveria ser a mesa de negociações - e virtualmente restrito, nas condições e frequência que o governo determinar, à arena pública – a qual, nas sociedades contemporâneas, é dominada pela mídia.
Mídia e mercado
E a mídia corporativa, como está sobejamente demonstrado na literatura a respeito, tem hoje seus interesses de tal forma consonantes aos do mercado que se tornou não apenas seu porta-voz, mas uma sua parte constituinte. Com ele divide, naturalmente, a adoção do receituário neoliberal como panaceia de todas as horas, evidência que o atual rumo dos países europeus em crise não apenas corrobora mas cujos efeitos, através do esgarçamento de seu tecido social, denuncia.
Para compreender como o governo Dilma tem conseguido, em larga medida, instrumentalizar a mídia – de ordinário, refratária ao governo petista - a seu favor durante as greves deste ano é preciso ter claro a afinidade entre a orientação neoliberal das corporações midiáticas - aí incluída sua repulsa pelo funcionalismo público e por tudo que seja estatal, com exceção das verbas publicitárias – e a hesitação de um governo em profundo conflito entre, de um lado, o “modelo” de retomada do papel do Estado tal como inicialmente a aliança federal petista propusera e, de outro, as restrições impostas pelo economicismo hegemônico no interior da administração, o qual tende a açular ainda mais, no interior da administração, os temores relativos à crise econômica mundial. (A respeito da aliança mídia-governo em relação à greve dos professores, vale muito a pena ler este post de Weden.)
Questões fundamentais
Como dito parágrafos acima, a situação dos servidores públicos ora em greve é didaticamente exemplar do efeito de tais contradições: ao mesmo tempo que eles assistiram, nos anos Lula, à notável expansão percentual de sua presença no mercado de trabalho nacional, veem-se sujeitos a longos períodos sem aumentos salariais e, no mais das vezes, a trabalhar em situações que variam do precário ao intolerável; enquanto boa parte do país se refestela – ainda que a custa de endividamento - numa festa de consumismo, desenvolvimentismo, otimismo e outros ismos, eles viram sua aposentadoria futura ser substancialmente reduzida, numa medida que combinou agressão à expectativa de direito de alguns e regressão dos direitos trabalhistas potenciais de toda a sociedade; enquanto uma maioria de brasileiros afirma, nas pesquisas, a prioridade que deve ser dada a educação, saúde e segurança pública, professores, médicos do SUS e policiais continuam não apenas sub-remunerados mas subvalorizados socialmente.
Queremos ou não ser uma nação com nível educacional aprimorado? Vamos realmente investir num modelo de saúde pública inclusivo e de qualidade, que preserve o cidadão tanto das filas insuportáveis do atual sistema público quanto da farra dos planos de saúde? Está no horizonte do país realmente enfrentar a questão da segurança pública de modo a erradicar nossos pornográficos índices de violência, de abuso policial e de corrupção? A resposta a essas perguntas passa, necessariamente, pela valorização não apenas do professor, do médico e do policial, mas de todo o aparato de recursos humanos que possibilita a ação do Estado.
E é nesse contexto, como um primeiro e necessário choque de realidade, que se insere a greve dos servidores. O movimento não é, de forma nenhuma, um episódio de mesquinhas disputas partidárias, como alguns aspones mal intencionados querem caracterizar, mas parte de um embate decisivo sobre que modelo de desenvolvimento vamos priorizar como país, qual lugar os recursos humanos e o próprio Estado enquanto agente social e ente econômico vão nele ocupar.
Autoritarismo e regressão
Porém ao recusar o diálogo e manter-se inflexível, ao apelar a artifícios enganadores e, sobretudo, ao radicalizar e lançar mão do instrumento por si autoritário do decreto para, na prática, violar o instituto do direito de greve, o governo Dilma transpassa a barreira do aceitável em uma sociedade democrática e suscita sérias dúvidas quanto às suas intenções e horizontes. Para a CUT, “Esta inflexão do decreto governamental nos deixa extremamente preocupados. Reprimir manifestações legítimas é aplicar o projeto que nós derrotamos nas urnas.”
Pois graças à inflexibilidade, à atitude de confronto e, agora, à tentativa de esvaziar uma forma de protesto prevista na lei incitando fura-greves e procurando inseminar cizânia entre os próprios trabalhadores, assiste-se à irrupção de uma forma de autoritarismo inédita no passado recente do país, patrocinada por um governo que se publiciza como progressista e de centro-esquerda.
Maurício CaleiroNo Cinema & Outras Artes