Correto demais
19 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários aindaEm Paris, neste final de semana, houve uma passeata contra o projeto do governo de permitir o casamento entre homossexuais. Depois de agressões a grupos feministas e a jornalistas, alguns manifestantes se voltaram contra a "ditadura do politicamente correto".
Há alguns meses, na época da Olimpíada, uma atleta grega foi suspensa da equipe de seu país por comentários racistas em sua conta do Facebook. À notícia na imprensa europeia, seguiam-se necessariamente centenas de posts denunciando a "ditadura do politicamente correto" que impedia a atleta de enunciar suas opiniões sobre a quantidade de imigrantes em seu país.
No Brasil, discussões sobre o conteúdo racista de um livro de Monteiro Lobato degeneraram, por sua vez, em denúncias violentas contra a mesma "ditadura do politicamente correto" que, ao que parece, deve ser o resultado de um grande complô mundial contra livres pensadores travestidos de atletas gregas, manifestantes que gostam de agredir feministas e defensores da clarividência política de Lobato.
Na verdade, por trás da defesa de tal modalidade de "livre expressão" há o desejo mal escondido de continuar repetindo os mesmos velhos preconceitos e a mesma violência contra os grupos vulneráveis de sempre.
Por trás da atitude do adolescente que parece se deleitar com a descoberta de que é capaz de enunciar, à mesa do jantar, comentários "chocantes" que fazem seus pais liberais revirarem-se, há a tentativa de travestir desprezo social com a maquiagem da revolta do homem comum contra a ditadura dos intelectuais. Não por acaso, essa era uma estratégia clássica para dar direito de cidade a comentários antissemitas.
No entanto, é bom lembrar que uma democracia sabe separar a opinião do preconceito. Uma opinião é aquilo que é, por definição, indiferente. Ela abre um espaço de indiferença a respeito de enunciados e discursos. Mas há enunciações que não podem ser recebidas em indiferença, já que trazem, atrás de si, as marcas da violência que produziram ao serem enunciados. Uma sociedade tem a obrigação moral de defender-se deles.
Colocar uma advertência em um livro por ter conteúdo que pode ser sentido por minorias raciais como violência, impedir que pessoas escarneçam de grupos socialmente vulneráveis é condição para um vínculo social mínimo.
Claro, tais pessoas que julgam normal fazer piadas com negros nunca mudarão de ideia. Mas elas devem saber que há certas coisas que não se diz impunemente.
A falsa revolta é apenas mais uma arma daqueles que querem continuar com as exclusões de sempre.
Vladimir SafatleNo fAlha
Ali Kamel e o racismo no Brasil
19 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários aindaSe dependesse de Ali Kamel, todo-poderoso capataz da TV Globo, não haveria feriado nem manifestações no Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, em 20 de novembro. No livro “Não somos racistas”, publicado em 2006 pela Nova Fronteira, ele garante que não há discriminação racial no Brasil e que todos vivem em harmonia. Obrado em plena batalha pela implantação das cotas nas universidades, o livro de 144 páginas serviu como instrumento da direita para combater as políticas afirmativas do governo Lula.
Para o jornalista metido a intelectual, o racismo não teria peso na cultura nacional e não contaria com o aval das instituições públicas e privadas. Nesse sentido, teorizava o autor, a implantação das cotas raciais teria um efeito inverso, negativo, estimulando o racismo. As teses do chefão da Rede Globo, porém, logo caíram no ridículo e “sociólogo” global virou motivo de gozação. Nesta semana, o estudo “Vozes da Classe Média”, realizado pelo Instituto Data Popular, confirmou a visão elitista e racista de Ali Kamel.
Avanços das políticas sociais
Organizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o estudo revelou que as políticas sociais implantadas pelo governo Lula melhorara a renda dos negros no país. Nos últimos dez anos, ela cresceu em um ritmo cinco vezes maior do que a da população não negra. A soma dos salários dos negros (incluindo pardos) passou de R$ 158,1 bilhões, em 2002, para R$ 352,9 bilhões em 2012 – incremento de 123,2%. Também houve aumento da renda dos não negros, mas num ritmo menor – 21,1%. Ela passou de R$ R$ 272,1 bilhões para R$ 329,5 bilhões.
“Com a maior participação no mercado formal de trabalho (carteira assinada e direitos trabalhistas), mais acesso à educação e mais facilidades em conseguir crédito para o consumo, essa população viu a sua renda melhorar em um ritmo mais intenso. Além desses fatores, políticas públicas adotadas pelo governo federal – como aumento real de salário mínimo e programas sociais de transferência de renda, caso do Bolsa Família- contribuíram para o incremento”, destaca o jornal Folha deste domingo (18).
Discriminação não foi superada
“A expansão da classe média foi resultado da entrada dos grupos sociais menos privilegiados, como o dos negros, e da redução das desigualdades. Oito em cada dez entrantes da classe média são negros”, afirma Renato Meirelles, diretor do instituto Data Popular. Dos 40 milhões de brasileiros que ingressaram na chamada nova classe média, 75% são negros. “A entrada maciça de negros na classe média fez com que a participação desse grupo na classe média brasileira subisse de 38% em 2002 para 52% em 2012″.
Estes avanços evidenciam as besteiras escritas por Ali Kamel, mas não significam que a discriminação racial foi superada no Brasil. Ao contrário do que afirma o chefão da TV Globo, somos um país racista e isto se reflete no mundo do trabalho, nas escolas, no cotidiano. O racismo está presente nas instituições públicas e privadas. Daí a importância do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. É preciso lutar ainda muito mais para avançarmos na superação dos preconceitos, da opressão e da exploração em nossa sociedade.
Altamiro Borges
Entrevista com Joaquim Barbosa
19 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários aindaContrário a foro privilegiado, Barbosa quer temas cruciais no STF
Joaquim Barbosa chega ao mais alto posto do Judiciário nacional nesta semana com o propósito de trazer de volta à pauta do Supremo Tribunal Federal casos "cruciais", justamente quando a corte está paralisada pelo julgamento do mensalão, que, para ele, representa um "divisor de águas".
Contrário ao foro privilegiado, o mineiro de Paracatu, de 58 anos, chega ao topo da carreira no momento em que desfruta de imensa notoriedade por, como relator do mensalão, ter liderado a condenação de importantes políticos, entre eles o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.
No STF desde 2003, quando foi indicado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva - principal nome do PT, partido mais atingido pelas condenações do atual julgamento -, Barbosa recebeu a Reuters em seu gabinete pouco depois de assinar o desligamento oficial de Ayres Britto, que se aposentou ao completar 70 anos.
Com a posse na presidência do STF marcada para quinta-feira, o ministro afirmou que ações penais, como a do mensalão, não chegariam à pauta do Supremo "em um mundo ideal" e que julgar autoridades é uma "competência heterodoxa" da Corte.
"Um tribunal que tem sobre sua incumbência velar pelo correto equilíbrio entre os Poderes da República, um tribunal que pode e tem aí a sua espera dezenas, centenas de processos que podem resultar na anulação de leis aprovadas pelo Congresso, pelos legislativos estaduais... além de outras competências ainda ter esta competência penal... é excessivo", disse.
"E por ele ser excessivo, isso deixa o tribunal vulnerável, porque ele simplesmente não dá conta, tanto é que estamos há mais de 3 meses a julgar este caso que envolvia 40 pessoas", acrescentou.
Em agosto, na primeira sessão do processo do mensalão, Barbosa liderou as vozes contrárias ao desmembramento da ação - em que apenas os três réus deputados federais, únicos com foro privilegiado, seriam julgados pelo STF, os demais iriam para primeira instância. Questionado, diz que foi voto vencido a favor do desmembramento no recebimento da denúncia, em 2007.
Ao falar de casos relevantes aos quais a Corte devia se dedicar, cita questões constitucionais delicadas já votadas, como a perda de mandato por infidelidade partidária, a lei da Ficha Limpa, autorização para pesquisas com células-tronco.
"É raro você encontrar (no mundo) algum tribunal que tenha decidido questões tão cruciais para o Estado e para a sociedade", afirmou.
Relator do processo do mensalão, Barbosa irá acumular, até o final da chamada dosimetria das penas, o papel de presidente e de condutor da ação penal - o que preocupa colegas com quem teve embates ásperos durante as sessões. Ele chegou a pedir ao decano da Corte, Celso de Mello, que assumisse a presidência nas sessões restantes do julgamento, mas isso não deve ocorrer.
JULGAMENTO "PEDAGÓGICO E CÍVICO"
Mesmo achando que casos como o do mensalão não deviam ser julgados pelo STF, ele vê os resultados do processo, que entrou em seu quarto mês de julgamento, como positivos.
"Só o lado pedagógico, cívico, deste julgamento é um ganho enorme para o país. Percebo nas ruas, nas análises; veja os jornais, quantas e quantas análises foram feitas deste julgamento. É um julgamento que ocupou não só a mídia impressa, mas a mídia televisiva, radiofônica, por mais de três meses dia após dia, é um divisor de águas", argumentou, afirmando, de modo otimista, que o processo de combate à corrupção se replicará em outras esferas.
"O Brasil é um país que condena à beça, condena muito. As prisões brasileiras estão lotadas de presos, mas são pessoas comuns. O que há de diferente agora é a qualidade dos réus que fazem parte desta ação... Desta vez as pessoas (condenadas são) graduadas do ponto de visto político, econômico e social", afirmou.
O prolongamento do processo e as desavenças incomodam o relator - que protagonizou embates duros com colegas que lhe renderam críticas e dúvidas de que, na presidência, sua personalidade forte seria "metal entre os cristais", como chegou a dizer Marco Aurélio Mello.
"Eu gostaria que tivéssemos discussões menos frequentes e mais profundas", diz ele sobre o futuro da Corte.
Barbosa, que esperava a conclusão do processo em um mês e meio - está no quarto mês - deseja ver a fase da determinação das penas dos 25 condenados terminada ainda em novembro.
AGILIDADE
Para dar mais celeridade à análise de processos, Barbosa quer reativar o instrumento da Repercussão Geral - sistema implantado há menos de 10 anos e que pode desafogar a pauta do STF, já que os ministros votam eletronicamente para decidir o que vai ou não à votação no plenário, considerando se o caso pode ter aplicação geral em casos idênticos em instâncias inferiores.
"Eu quero concentrar esforços na Repercussão Geral. O Tribunal precisa retomar em mãos este instrumento porque ele tem impacto nas cortes inferiores", disse.
Além disso, quer concentrar a pauta em temas sobre direitos fundamentais e na relação entre os Poderes.
"Eu pretendo estabelecer um rodízio de temas, com a ênfase na solução definitiva dos casos. Ou seja, colocar em pauta algo que seja possível decidir definitivamente ali... Farei uma análise profunda de prioridades."
Barbosa também acumulará o comando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário. Por causa de problemas de saúde - ele sofre de sacroileíte, uma inflamação na base da coluna -, há a possibilidade de ele dividir o comando do CNJ com o futuro vice-presidente, Ricardo Lewandowski.
Mas isso parece que não deve afastá-lo de determinar a pauta do CNJ - ele já marcou um encontro com a ex-corregedora Nacional de Justiça Eliana Calmon, que se notorizou por embates na sua cruzada contra a corrupção na magistratura e, com a sinceridade que lembra a de Barbosa, disse haver no Brasil "bandidos de toga".
PAPEL DO SUPREMO
A crescente proeminência do STF se deve aos problemas institucionais brasileiros, segundo ele, "muito gritantes e às vezes frequentes", ainda reflexos de um país que viveu submerso na ditadura.
"Eles (problemas institucionais) vêm à tona com muita frequência. Nós tivemos ao longo da historia muitas interrupções do processo democrático e essas interrupções trouxeram dúvidas, impediram que diversas questões fossem resolvidas e sanadas no momento oportuno. Então, boa parte delas emergiram nestes últimos anos", diz.
Barbosa também atribui o papel mais ativo do STF à oxigenação do tribunal, renovada em mais de 80 por cento dos seus membros na última década. Mais um motivo para o futuro presidente ser contra à chamada "PEC da Bengala", que estenderia a possibilidade de permanência dos ministros até 75 anos - hoje a aposentadoria é compulsória aos 70 anos.
"Entendo que cortes supremas e constitucionais como o Supremo têm que ter uma rotatividade na sua composição para que seus membros sempre estejam em sintonia com a evolução da sociedade. Permitir que um membro fique 20, 25 anos numa corte com esta responsabilidade é fazer com que ela não evolua, não acompanhe as mudanças operadas na sociedade."
Mesmo com a regra atual, em que os ministros se aposentam aos 70 anos, há integrantes que já ultrapassaram duas décadas na corte, como o decano Celso de Mello - há 23 anos no STF, e que anunciou aposentadoria para o próximo ano - e Marco Aurélio, há 22 anos na casa. O próprio Barbosa, se esperar os 70 anos para deixar o STF, ficará mais de 20 anos.
RELAÇÃO COM OS PODERES
O futuro presidente não concorda que o STF está abarrotado de casos e decidindo questões delicadas pela omissão dos demais Poderes.
"Acho que é a sociedade brasileira que é pródiga em questões institucionais graves e isso reflete aqui, que é a última instância, com garantias de independência muito forte", disse ele, apostando que o tema da distribuição dos royalties do petróleo, que está nas mãos da presidente Dilma Rousseff, será decidido no STF. "Tudo vem para cá."
Mesmo assim, ele não prevê uma relação tumultuada e de embates com os demais Poderes, em especial com o Congresso.
"O embate intelectual é muito profícuo. E problemas é o que não faltam no nosso país. Nós temos um Legislativo e um Executivo que são bastante receptivos às deliberações do Judiciário nessas 'hard questions'", afirmou.
Ana FlorNo Reuters
Erundina devolve mandato dos cassados durante a ditadura
19 de Novembro de 2012, 22:00 - sem comentários aindaEm 6 de dezembro, exatos seis dias após completar 78 anos, a deputada federal Luiza Erundina (PSB) pisará no plenário da Câmara dos Deputados para mais um capítulo da batalha de ordem política e pessoal que a move – mas, desta vez, com uma ponta de ironia nos argutos olhos verdes.
Em cerimônia, a casa devolverá simbolicamente, em uma sessão de posse embalada pelo Hino Nacional interpretado por um cantor lírico, o mandato aos deputados cassados durante a ditadura. Os parlamentares, ou suas famílias, receberão o diploma e o broche típicos. “É uma forma de a Câmara devolver ao povo o mandato que os torturadores usurparam de seus representantes”, diz Erundina, plácida, na manhã da segunda-feira 12, em seu gabinete político em São Paulo. “E é o mínimo que podemos fazer agora, enquanto não aprovam a mudança na lei da anistia.”
Erundina não desiste
Até a terça-feira 13, o presidente da casa, Marco Maia, não havia dado o aval à sessão solene pensada por ela e requerida pelo primeiro-secretário Eduardo Gomes (PSDB-TO). Segundo a assessoria do presidente, “o pedido chegou tarde” e, “por questão de calendário”, foi decidido “priorizar a votação de matérias”. Maia não confirmaria quando ou “se” o evento ocorreria. “Três horas de cerimônia iriam atrapalhar tanto? Justo quando o País faz um esforço para buscar a verdade?”, rebateu Erundina, um dia depois, já em Brasília e prestes a discursar no ato organizado pela OAB para homenagear os advogados de presos políticos – “para o qual a Câmara não liberou um centavo, nem para as passagens dos homenageados”, diz. Ela então subiu nos tamancos: na OAB, denunciou “a má vontade que a casa sempre demonstrou em investigar sua história”. Na quarta 14, a confirmação da data do evento chegou.
São poucos os políticos que conseguem incomodar tanto o Legislativo e Executivo ao mesmo tempo. Não apenas a deputada não coopera com o esforço do governo de agradar aos dois extremos do espectro ideológico com um consenso forjado por paliativos como desafia o silêncio do Congresso sobre o tema mais espinhoso da história brasileira.
A sessão simbólica é só um exemplo. Inconformada com a decisão do Supremo Tribunal Federal de 2010, por exemplo, que rejeitou o pedido da OAB por uma revisão na Lei da Anistia que desconsiderasse como “crimes conexos” tanto a ação de agentes da repressão quanto a da luta armada, a parlamentar decidiu, no ano passado, redigir um projeto. Pretendia alterar o artigo 1º da lei de 1979. A mudança retiraria da anistia os agentes públicos, torturadores pagos pelo Estado para sequestrar, torturar e assassinar cidadãos, e permitiria sua punição, “o que aconteceu em qualquer país decente, menos aqui”. Mas o PL foi apreciado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa, onde caiu nas mãos do conservador Hugo Napoleão (DEM-PI), que o rejeitou, e logo nas de Vitor Paulo (PRB-RJ): a decisão foi idêntica. O projeto estacou, ignorado, na Comissão de Constituição e Justiça.
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