Lembro-me, com um misto de saudade e ironia, dos dias em que o colégio era um campo fértil para a criatividade das alcunhas. Nada escapava aos olhos atentos e às línguas afiadas: altura, peso, jeito de andar, notas escolares.... Apelidos surgiam como poesia espontânea, muitas vezes sem filtro, outras tantas sem piedade. "Oi de Raposa", "Já Jantei", "Rolha de poço", "quatro olhos", "beiçola", "urubu" — cada um carregava sua coroa cômica, construída mais pelo riso coletivo do que pelo consentimento do "batizado", que muitas vezes adorava e alguns, ainda hoje, preferem ser chamados pelo apelido da época. Era um jogo de espelhos sociais, onde todos estavam sujeitos a dar e a receber, sem exclusividades.
Naquele tempo, "bullying" era uma palavra ausente do vocabulário popular, e as guerras de apelidos raramente escalavam além de um revide verbal engenhoso. Não que fosse um paraíso isento de dores — havia, claro, quem carregasse esses rótulos como pequenos espinhos na alma. Mas o consenso era claro: retaliar com outro apelido tão ou mais criativo bastava para restabelecer a paz cômica. Bater? Só se fosse na mesa, de tanto rir. E havia um código de honra inviolável: mães eram território sagrado. Nenhuma mãe era alvo; isso era uma ofensa de outra dimensão.
Hoje, vejo com espanto como a dinâmica mudou. A geração "toque de cristal", como a chamo em tom de afeto e provocação, parece ter redefinido os limites do tolerável. Um simples apelido é agora uma fagulha potencial para batalhas judiciais, desmaios dramáticos ou até confrontos físicos e com mortes. "Sensibilidade à flor da pele" é o diagnóstico comum, embora talvez estejamos falando de algo mais profundo: um descompasso entre a resiliência emocional e a crescente consciência dos impactos psicológicos das palavras que nada mais é se não pura frescura.
E aí, como fui aluno de Natalice, Galdino, Norma, Fátima Maia, Euvalda, Valdenir, Luiz José, Arinete Duque, Carminha, Bernadete e Salete Chaves em Língua Portuguesa e Redação e esses sábios e pacientes mestres me orientaram a sempre, numa redação, expor a argumentação contrária , só por isso irei considerar que: será que fomos mais felizes ou simplesmente menos conscientes? Esta é a pergunta que persegue, alguns, eu não! Mesmo assim e pela orientação dos mestres já listados, reflito se não romantizamos uma resistência que, à sua maneira, mascarava fraquezas e deixava feridas silenciosas. Será que não perdemos algo valioso na transição para um mundo onde tudo precisa de validação e onde as palavras ganharam peso quase insuportável? Tenho certeza que não! Fomos autênticos e sabíamos quando a pessoa não gostava de apelidos e respeitavamos.
Agora, ao mesmo tempo, é impossível negar a ironia: quanto mais nos blindamos contra palavras, mais elas parecem nos ferir. Talvez esteja faltando à geração atual uma boa dose do humor corrosivo de outrora — aquele que ria da própria tragédia, que transformava "fraquezas" em escudo. Uma geração de homens e mulheres fortes. Ou talvez sejamos nós, os nostálgicos, os verdadeiros frágeis, incapazes de aceitar que a evolução do mundo nos colocou na mira do "cancelamento". Duvido muito!
Enquanto me pergunto isso, escuto na rua uma criança chamar outra de "tampinha". Meu primeiro impulso é rir, o segundo é observar: será que vai haver riso, revide ou o choro? E, talvez, seja aqui que a velha e a nova geração se encontrem: na eterna luta por aprender a dar e receber, sem perder a alma no processo.
Por: Luciano Junior