A mulher mais bonita é a que acredita mesmo (e di-lo com tanta força que não podia estar a mentir) que um mundo melhor é possível. Porque os ideais embelezam os corpos, um cartão vermelho a espreitar de uma carteira aberta pode ser mais sensual que unhas vermelhas a fechá-la. E porque o socialismo é entre todos o ideal mais belo, a consciência política pode ser mais sexy que uma mini-saia, saltos altos e meias de vidro.
As mulheres revolucionárias são mais bonitas porque são mais humanas e sentem como suas as dores de parto da humanidade sofrida. As mulheres revolucionárias sentem mais fundo, indignam-se mais vezes, gritam mais alto e desejam com mais força. As mulheres revolucionárias cheiram a pólvora, beijam com a ansiedade de saber que só temos estes anos e entregam-se mais porque não têm nada a perder. As mulheres à esquerda são mais perigosas: não respondem aos aborrecidos ditames da conveniência conjugal nem à opressora liturgia do lar, lêem bons livros e vêem bons filmes de que nunca ouviste falar. Não são subalternas de nada, vão à luta e lideram os homens. Acreditam na fruição do amor pleno e riem-se do cumprimento de contractos. Gabriel García Márquez dizia que o amor tem mais quartos que uma casa de putas. Mas há casas de putas e casas de putas... O coração da mulher revolucionária não é um T0, onde só cabes tu e depois se fecha ao mundo como um ouriço-cacheiro. As mulheres de esquerda conseguem amar a humanidade inteira. O coração da mulher revolucionária é maior que o hotel Marriott e tem mais capacidade que o parque de campismo exterior da Festa do «Avante!».
As mulheres de esquerda não são senhoras nem usam casacos de peles: são edifícios elegantes que quando falam te ensinam coisas. As mulheres revolucionárias são mais femininas que a ilusão do espelho e que a estética senil das revistas de moda: vestem uma t-shirt e uns calções e vão construir a festa, para se sujarem se for preciso. Voltam tisnadas de óleo e sujas de terra e ainda mais bonitas. As mulheres de esquerda são femininas porque o são. Mas de uma feminilidade diferente, da sua própria lavra.
As mulheres revolucionárias são mais bonitas porque compreendem que também a beleza obedece às leis dialéticas que regem a história do mundo. A beleza feminina é dialética pura, embora alguns homens só se apercebam disso durante momentos fugazes: aquelas palavras que não se tiveram de dizer, a ameaça de um sorriso nos cantinhos dos lábios, a alça descaída do sutiã, uma nova e insondável profundidade na aguarela de um olhar, que é diferente porque vê mais longe, até ao horizonte sempre mais longínquo e que há-de resgatar-nos da barbárie. Os olhos das mulheres de esquerda são como os da Blimunda Sete-Luas e vêem sempre o que os homens são no fundo. Às vezes, o cabelo das mulheres de esquerda é como o dia está a ser. E também por isso, cada reflexo que brilha em solução de cobalto é mais verdadeiro, cada jeito rebelde é mais puro e cada ponta espigada e insurgente é mais autêntica.
As mulheres revolucionárias são bonitas quando estão cansadas, porque trabalharam oito horas. São bonitas quando estão tristes, porque estão desempregadas. São bonitas quando, como dizia a Maria Velho da Costa, acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas. E, sobretudo, as mulheres revolucionárias amam melhor, porque sabem que o amor verdadeiro é só uma espécie invulgar de camaradagem.
Por António Santos.