Os entendidos em arapongagem e afins sabem pelas circunstâncias que o equipamento responsável pela gravação do diálogo entre Dilma e Lula às vésperas da nomeação deste para o ministério da Casa Civil não se encontrava disponível a nenhum dos órgãos de segurança internos (PF, FFAA ou Abin), ao menos não oficialmente.
Tratava-se de uma escuta ambiental localizada fora dos escritórios presidenciais capaz de captar os diálogos internos, inclusive telefônicos.
Ainda é uma incógnita como as degravações chegaram prontamente às mãos do juiz Moro, um reconhecido amigo dos EUA, e foram criminosamente (art. 10 da Lei 9296/96) vazadas à rede Globo a tempo de serem divulgadas no Jornal Nacional na mesma noite.
Essa foi a tacada derradeira do golpe que aniquilou 54 milhões de votos. Todo o processo subsequente foi consequência dessa ainda mal explicada e impune ilicitude.
Pano rápido: em 2011, em sua primeira visita oficial ao Brasil, segundo a imprensa mundial, o então presidente dos EUA Barack Obama autorizou de território brasileiro os primeiros ataques contra a Líbia de Muammar Kadhafi ao abrigo de uma tenda paramentada com dispositivos que inviabilizam tecnicamente bisbilhotices externas, algo que o amadorismo do governo brasileiro sob a liderança de Dilma não dispunha, mesmo depois do escândalo das escutas ilegais revelado pelo WikiLeaks e após Putin e Erdogan terem alertado que o país era alvo preferencial de corporações internacionais nas tais jornadas de 2013.
O golpe lançou por terra qualquer veleidade de construção de uma nação soberana, cujos primeiros passos haviam sido ensaiados a partir do resgate de uma política externa independente, fruto da parceria entre o chanceler Celso Amorim e o presidente Lula, apenas tolerada durante um certo período pelos países hegemônicos, especialmente os EUA.
E como se não bastassem as concessões internacionais (entrega do pré-sal à exploração estrangeira, fim do conteúdo nacional, privatizações etc.) culminadas com o pagamento de uma multa sem pena imposta de R$ 10 bilhões a fundos abutres americanos pela Petrobras, as instituições brasileiras passaram a trabalhar com esmero contra o seu povo em prol de contrarreformas (trabalhista, congelamento de investimentos sociais por vinte anos, estrangulamento fiscal dos Estados, fim da previdência social etc.) que haviam sido rechaçadas nas últimas quatro eleições presidenciais, mas que atendiam aos interesses do tal “mercado”, um ente despersonalizado que nada mais é do que um seleto grupo de capitalistas transnacionais sem compromisso com coisa alguma a não ser com o acúmulo de divisas.
Essa nova institucionalidade, produto de uma ação constitucionalmente ilegítima, nada tem a ver com os preceitos generosos da Constituição de 1988 e se sustenta ancorada em uma aliança coesa entre os três poderes da República (legislativo, executivo e judiciário/MP) e o aparato de propaganda, ou seja, a mídia privada oligopolizada, todos a serviço do “mercado” e não do bem comum.
Nunca as insígnias em si contraditórias do partido referido por Orwell no clássico “1984” fizeram tanto sentido, daí que no Ministério do Trabalho temos alguém que é contra o trabalhador, na Fazenda um ex-funcionário de um banco americano, no Banco Central outro banqueiro, na Saúde um cidadão contrário ao SUS e representante dos planos médicos privados...
Do lado oposto, apenas o povo desorganizado ou insuficientemente organizado aguardando pelas eleições quase gerais deste ano, depositando suas esperanças majoritariamente na candidatura de Lula para impedir ou reverter tudo que lhe parece ilegítimo e draconiano, pois imposto por gente estranha, forasteiros que tomaram de assalto o trem pagador. Aparentemente, o povo brasileiro, ao contrário do argentino, trocou a política das ruas pela ação nas urnas.
E como nessa nova institucionalidade não há lugar para o povo – trata-se de um arranjo essencialmente inimigo do povo - urge cassar-lhe a prerrogativa de impor pela via racional e não violenta a mudança.
O ato que se ensaia no julgamento de Lula pelo TRF4 está longe de ser o epílogo da virada de mesa que entronou a grei de Temer. Nem mesmo os cidadãos de good will, os crentes em unicórnios e gnomos, os jovens que aplaudem o pôr do sol no Arpoador ou que jogam pedras na lua creem em desfecho diferente da manutenção da sentença condenatória de Moro, ainda que juridicamente insubsistente como sabem até mesmo os estudantes de primeiros passos nas academias de direito.
Lula inviabilizado é pouco. Outro que vier a substituí-lo será sumariamente decapitado. E mais outro e mais outro, pois o que precisa ser mesmo neutralizado é o povo e seu ímpeto de rebeldia. Custe o que custar.
A máquina que pariu Temer e os lavajateiros, apenas na aparência antípodas, pois alinhados no mesmo projeto de inviabilizar o Brasil, opera com capacidade plena, o que nos leva a crer que não será dentro das regras já viciadas desse jogo que vamos recobrar um mínimo de dignidade cidadã.
Por Yuri Carajelescov.