Ao raiar do dia 04 de dezembro, já se podia perceber que não seria uma segunda-feira como todas as outras. No horizonte da manhã surgia o branco sobre o qual canta a sambista Claudete Macêdo todos os anos nesta mesma data, e junto com ele, o Pelourinho se pintava de vermelho. A Alvorada de Fogos anunciava que a Festa de Santa Bárbara enfim havia chegado. Conforme acontece há mais de 200 anos, a Missa Campal reuniu milhares de pessoas que mesmo com diferentes crenças e religiões estavam hoje unidas pela mesma fé na figura sagrada que comandando os raios, ventos e trovoadas representa a força e o espírito aguerrido do povo em meio às dificuldades.
Guardiã oficial da Festa de Santa Bárbara, a Ordem do Rosário dos Pretos conduziu a Missa Campal, celebrada pelo padre Lázaro Muniz, que contou um pouco da história da Padroeira dos Bombeiros e dos Mercados. “Bárbara se preocupava com as pessoas e ansiava entender o por que das coisas, da natureza, da criação. Quando encontrou os cristãos descobriu uma razão para as suas perguntas e abraçou a fé”. A escolha pela fé selou um destino trágico para Bárbara, pois o seu pai, que tinha outros projetos para ela, irado a entregou para as autoridades da cidade, que proibiam o cristianismo. Bárbara terminou decapitada pelo próprio pai, e conta a tradição que, após ter cometido o ato, o homem foi fulminado por um raio. Daí surge a sua relação com os raios e as trovoadas, uma das características que para muitos devotos a aproximam da figura de Iansã no sincretismo religioso. “É importante lembrar que se fossemos tomar as duas por suas características muito próprias nós encontraríamos pouca relação. Iansã era casada e teve filhos, Bárbara era virgem, a idade era diferente, entre várias coisas. Mas aqui entre nós encontramos toda a razão para fazer porque há uma relação muito profunda daquela que é guerreira, defensora da vida, que batalha para defender a fé e iluminar as coisas”, explica o padre Lázaro, justificando porque as manifestações da multidão se misturavam entre “vivas” a Santa Bárbara e “Eparrey Oyá!”.
O culto a Santa Bárbara existe há cerca de 375 anos. A Festa é celebrada há mais de dois séculos e permanece com um forte apelo junto ao povo, abrindo oficialmente o Calendário das Festas Populares da Bahia. Para a secretária de Cultura do Estado, Arany Santana, momentos de dificuldade tornam ainda mais propício ao povo abraçar a fé. “Eu acredito que as mulheres e homens dessa terra veneram a Santa Bárbara porque ela nos dá força para caminhar diante das adversidades, como o racismo, a desigualdade. Sua história inspira especialmente as mulheres negras que trabalham e lutam por suas famílias e por um futuro melhor. Cada ano que passa essa festa se torna maior, assim como a fé das pessoas, que vem em massa celebrar e festejar a ela que nos dá coragem para enfrentar as lutas e desafios” reflete a secretária e filha de Iansã.
A celebração religiosa é marcada por homenagens e ofertas dos fieis. Flores e acarajés são alguns dos itens mais depositados no altar da Missa. A baiana Tereza Conceição, 65, participa do ofertório há 30 anos, desde que começou a trabalhar com a venda de acarajé. “Santa Bárbara que é a dona do acarajé. Então a baiana antes de ir pro ponto tem que se apegar a ela, pedir com fé que alcança”, conta a baiana, que usa uma saia branca com bordados vermelhos identificando a Festa de Santa Bárbara. Já a devota Rosa de Sá por promessa não deposita junto aos outros objetos o pequeno altar com a imagem de Santa Bárbara enfeitada com flores. “Há 12 anos, desde que fui alcançada com a graça de comprar minha casa própria, participo da missa carregando Santa Bárbara em meus braços”, conta.
A Missa Campal trouxe cânticos entoados pelo Coro da Rosário dos Pretos, além da participação da sambista Claudete Macêdo, cuja participação é sempre aguardada e reverenciada na festa, e Mariene de Castro, que ainda fará show no Largo do Pelourinho à noite. A cantora revela que apesar de já ter frequentado muito a Festa, está retornando após cerca de cinco anos ausente. “Estou muito feliz e grata por participar, por cantar aqui hoje. É emocionante ver a Bahia vermelha e branca, reverenciando esta Santa que nos dá tanta força para seguir todos os dias, e ver o sincretismo, o verdadeiro Axé da Bahia”, afirma.
Após o encerramento da Missa, o Cortejo seguiu pelo Terreiro de Jesus, Praça da Sé, Rua da Misericórdia descendo pela Ladeira da Praça, levando Santa Bárbara até o quartel do Corpo de Bombeiros localizado na Barroquinha, onde foi reverenciada pela comunidade e pelos bombeiros militares, que a tem como Padroeira. O Cortejo seguiu pela Baixa dos Sapateiros, até retornar para a Igreja do Rosário dos Pretos, no Pelourinho. Além de Mariene de Castro, que fará show às 18h, atrações como Jorginho Commancheiro, Partido Popular e Viola de Doze realizam apresentações no Largo do Pelourinho.