Sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, o clima é de comoção e esta noite não seria como tantas outras de normalidade. Naquele prédio estava o maior líder político mundial da atualidade. Cercado por uma multidão de pessoas que estavam ali com um único propósito, defender e garantir sua integridade física. Sabíamos que policiais federais estavam infiltrados entre a multidão e que tinham conseguido ter acesso as dependências. Já não conseguíamos mais controlar e saber quem era quem.
No segundo andar onde estávamos, o sentimento era de resistência. Lutar, se preciso fosse, para que Lula pudesse encontrar uma embaixada, pedir asilo e de lá comandar a luta política no país. Este era o sentimento predominante naquelas dependências. Eram poucas as palavras o que se via muito eram os abraços e carinhos. No rosto de cada um havia uma tristeza. Acho que falar seria como uma faca que corta, machuca e deixa a ferida. Havia muita solidariedade e conforto em cada um.
Poucas pessoas tinham acesso direto a ele. E naquela bagunça generalizada, havia uma mulher, a Cilene Antoniolli, que mesmo abatida, mostrava uma força interior que contagiava a todos os presentes. Ver ela fazendo as coisas acontecerem era o alento que se precisava. Sabíamos que, mesmo após a prisão, Lula não estaria abandonado e a luta continuaria. As mulheres Petistas demostraram, desde a luta contra o Golpe na Dilma, que elas são a principal força de combate da militância. Seja nas ruas, nos acampamentos ou no Congresso Nacional, são elas que veem dando show de organização e engajamento. Era dela a função de fazer as coisas acontecem bem para todos, do Presidente a direção do partido, das lideranças de outros partidos, dos advogados, da família e da militância que estava fora do prédio.
As horas iam passando e sabíamos que o momento da prisão estava mais próximo. A tensão aumentava. Autoridades e populares se misturavam pelos corredores e salas do sindicato. Advogados e dirigentes mais próximos ao Presidente Lula, já tomavam as providencias necessárias para sua apresentação à Justiça.
Para piorar um pouco mais as coisas, cortaram a água e foi preciso providenciar garrafas de água. As coisas só iriam ficar mais difíceis. Havia a informação de que a polícia poderia invadir o sindicato. A determinação de todos era que não haveria rendição naquele local, acontecesse o que acontecesse. Eles não iriam humilhar a maior liderança política mundial. Esta era a determinação no local. Mais tarde, Lula mudou este sentimento.
Haviam três pessoas, a Gleisi Hoffman, o Paulo Pimenta e o Wadih Damous que naquelas horas, lutaram bravamente e defenderam publicamente o nosso Presidente, mostrando o erro que estava sendo cometido pela justiça brasileira. Não há provas para a prisão o que restou foi convicção de um juiz que depois se mostrou um político parcial. Eles se tornaram os guardiões da vida do Lula naquelas horas. Ninguém, nem a polícia federal, teria a coragem de invadir ou fazer qualquer ato com os parlamentares no local.
Foi organizado melhor o acesso ao segundo andar para que o Presidente pudesse circular mais à vontade. Isolaram uma parte do corredor e uma sala para que ele pudesse conversar com dirigentes e advogados e outra sala para que ele pudesse ficar com sua família.
Durante a madrugada o Lula resolveu circular pelo prédio lotado. Mal dava para andar pelos corredores. As pessoas tentavam chegar nele. Se ouvia choro. Se via abraços e muitos celulares tirando fotos além da preocupação de que ele saísse do prédio. A segurança pessoal e lideranças tiveram muito trabalho para o convencer de não ir até a rua.
Passam as horas, e a resistência dentro do sindicato continuava. Alguém mostrava pelo celular a repercussão que estava havendo na imprensa internacional do que acontecia em São Bernardo. A Rede TVT – Televisão dos Trabalhadores, era a única que fazia uma cobertura correta no Brasil. Estas informações chegavam rapidamente a Lula.
Na madrugada circulou a informação de que Lula não queria ver sangue derramado ali. Já havia sido tomada a decisão de que ele iria se entregar. Houve muita reclamação da militância quanto a isto, mas a disposição dele, talvez para que não houvesse confronto, tenha ocorrido e se fez chegar a todos a sua decisão.
Já começavam a aparecer os primeiros raios do sol. Naquela manhã haveria uma missão em homenagem à Dona Marisa. E que foi assistida pelo mundo através da internet.
Ele demostrava estar tranquilo. Acalmava os mais exaltados. Tratava a todos de sua equipe mais próxima com muito carinho. Lula já não era confortado, Lula confortava a todos com palavras. As vezes brincava. Olhando aquela cena os olhos encheram de lagrimas. Como um homem que vai ter a sua vida privada da liberdade consegue sorrir e dar carinhos? Até hoje me pergunto o porquê de ele não ter ido a uma embaixada e de lá comandar a reação ao golpe. Só o Presidente poderá falar um dia sobre isto.
Chegou a hora de Lula sair do prédio e ir participar da missa.
Ele passou pelos corredores ouvido fritos de “Lula, guerreiro do povo brasileiro”. Sorria, abraça as pessoas, beijou outras. De fora vinha um barulho muito grande, eram milhares que ocupavam a frente e as ruas ao redor do sindicado. Aquele homem, que saiu do Nordeste como retirante e que chegou a presidência da república chegava a porta da saída. De longe deu para ver sendo levado pelos braços do povo. Lula levantou os olhos, sorriu para uma mulher que lhe estendia as mãos, foi ao encontro dela e as beijou. Ele retomou o caminho e foi seguido por lideranças que não o abandonaram um só minuto naquela noite.
Lula sumiu no meio do povo, sendo abraçado por aqueles que reconhecem nele o melhor Presidente da história do Brasil. Me resta a lembrança dos sons e das imagens de um povo defendendo o seu líder.