A água no filtro de barro é levemente fria e bebo muito para tomar os remédios prescritos pelo médico do posto de saúde. O novo medicamento que ele passou já não faz mais efeito e eu passo noites em claro. Às vezes, quando vou à farmácia do município, a moça que fica lá, de tanto que já me atendeu, pergunta.
- Já mudou de remédio novamente?
Eu dou um sorriso de canto de boca envergonhado. As pessoas já perceberam que tem algo errado, mas eu não acho isso. É que eu me sinto só. Por isso o meu apartamento de sala e banheiro é onde me sinto bem acolhido. Lá não tem ninguém para fazer perguntas que me incomodam.
Um barulho no corredor chamou a minha atenção. Estou preocupado. Não ouço passos, nem vozes. E isto é muito estranho. As luzes continuam a sua sequência e um facho de luz penetra pela janela que está entreaberta. Vejo que meus pés ficam iluminados por ele. Às vezes os mexo para sentir que estou vivo.
As horas passam e novamente ouço barulhos lá fora. Levo meus olhos em direção à fresta da porta por baixo. Há um movimento, uma resta se movimenta e o medo começa a me dominar agora. Me encolho na cama. Me cubro todo com o lençol e deixo somente meu nariz e meus olhos de fora.
No canto esquerdo do apartamento a mesinha já bem gasta pelo tempo é onde deixo os livros que já li e reli várias vezes. O tamborete não é confortável, mas é onde consigo sair deste lugar e viajar pelo mundo através das leituras diárias. Eu acredito que a leitura salva vidas. Eu sou um exemplo disso. Eu estou vivo.
Eu não posso ficar amedrontado e enrolado na cama. Passa um carro da polícia na rua. O barulho das sirenes começou baixo e foi aumentando à medida que iam chegando mais perto. Já bem distante, eu quase não ouço mais. Estou sentado agora na beirada da cama. Se o barulho voltar, eu vou abrir a porta para saber quem está lá fora. Pode ser que algum dos vizinhos esteja precisando de ajuda.
Uma porta se abre. Ouvi o barulho dela se fechando em seguida. Dessa vez só a agitação de algo se movendo apareceu novamente por baixo da porta. Eu senti um calafrio. O medo ainda está em mim. Faz tempo que o tenho e quando algo assim acontece, ele aumenta e eu até transpiro. Vi que o movimento veio agora na direção contraria. É agora que eu tomo coragem. Um tempo mais. Só mais um pouco. Coloco os chinelos no pé, pego a chave que fica na mesinha e dou três passos em direção à porta. Bastou para eu abrir a fechadura sem fazer barulho e fico esperando o momento certo para fazer o movimento na maçaneta.
Abro a porta rápido para ser uma surpresa. Olho para o lado direito e não há ninguém. Olho o esquerdo e só aquela caquera sem nada plantado nela continua lá, deixando ainda mais feio o corredor. Algo se move em minha direção. Olho para baixo e a barata tenta entrar no apartamento. Não tenho outra alternativa a não ser matá-la com meu pé. Chego a ouvir o barulho característico de algo explodindo. Ainda chuto aquele corpo inerte para longe. Entro, fecho a porta, passo a chave. Deixo a sandália perto da porta e me deito novamente. Os primeiros raios do Sol estão surgindo pela janela. O sono está chegando. Me enrolo novamente. Acho que o remédio que tomei está fazendo efeito.
- Bom dia! É hora de dormir.