Estarrece-me a hipocrisia do tema do ENEM deste ano. Um governo que fala em "desafios para a educação formal de surdos" em uma prova oficial enquanto sucateia a educação de forma acintosa é hipócrita e mentiroso.
De outro lado, fugindo de questões polêmicas, porque o ensino aos surdos não deve ser motivo de polêmica, mas simplesmente de ações inclusivas e de investimento na formação docente e no ambiente escolar (coisa que está longe de acontecer como deveria nas instituições públicas de Ensino Básico), o governo tira a cara da possibilidade do tapa e ilude os precipitados, que, em um primeiro momento, podem achar "bacana" a escolha do tema. Bacana seria respeitar o que os/as candidatos/as a uma vaga na universidade vêm estudando o ano inteiro.
Em 2002, a Língua Brasileira de Sinais foi oficialmente reconhecida no Brasil. A criação do curso superior de LIBRAS, em 2006, na UFSC, e o investimento posterior na ampliação da oferta desse curso nas universidades públicas, evidenciou mudanças de rumo em relação à questão.Coisa que também se deve ao hoje odiado governo do PT.
Com 15% de redução na verba destinada ao Ensino Superior, faz-me rir que o (Des)Governo de hoje, por meio do ENEM, busque que adolescentes e jovens tenham SOLUÇÕES diferentes para algo que todo mundo sabe que depende de investimento financeiro e de políticas públicas educacionais comprometidas com a sociedade, coisa que esse Governo já cansou de demonstrar que não tem para oferecer.
Isso tudo me parece, na verdade, uma fuga de temas polêmicos (fruto da certeza de que haveria um "chuva" de críticas à atual gestão do país), e, ao mesmo tempo, uma forma perversa de tirar de milhões de estudantes a chance de obterem uma boa nota da redação, visto que um/a adolescente ou um/a jovem na faixa etária média de quem faz o ENEM não tem ainda maturidade ou mesmo conhecimentos suficientes para refletir sobre um tema específico assim. Estivesse mesmo o Governo preocupado com isso, não estaria visivelmente voltado para atingir no estômago o sonho de uma educação de maior qualidade e com práticas sérias de inclusão.
Claro que a questão é importante. Claro que deve ser debatida. Mas transferir para a gente jovem - que se prepara o ano todo para essa redação estudando temas cuja natureza mais polêmica torna-os compatíveis com uma produção de texto dissertativo-argumentativo como a do ENEM - a responsabilidade de refletir sobre os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil, em uma situação de tensão (porque é sob tensão que se faz essa prova) e sem tempo ou leitura suficiente para uma opinião madura, é, a meu ver, mais uma CRUELDADE desse governo.
Além disso, agora me parece ainda mais suspeita a decisão de não zerar a redação de quem fira os direitos humanos, pois, certamente, o que não faltarão serão menções preconceituosas aos surdos, já que o estado atual da sociedade brasileira tem revelado inacreditáveis e jamais vistos níveis de preconceito e discriminação! E todos sabemos de onde vem a maioria das manifestações dessa natureza. Vem daqueles e daquelas que esse governo elitista quer que continue com acesso às universidades.
Um "tema surpresa" que requer conhecimentos especializados para abalar o estado emocional dos/as candidatos/as é algo bem típico de uma situação de exclusão, que claramente aponta para se ampliar a dificuldade de acesso à formação superior. Sendo assim, o tema "inclusão" é, realmente, de uma HIPOCRISIA gritante. Autor desconhecido.