por Rodrigo Vianna.
Link do artigo: http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/palavra-minha/a/
Já não é mais possível dizer que estamos a um passo do rompimento da ordem democrática. O rompimento já aconteceu.
Há algumas semanas, escrevi aqui sobre esse “1964 em câmera lenta”. E o quadro se consolida.
PM cerca sindicatos: a esquerda está em minoria, mas PSDB teme reação até dia 18Em São Paulo, capital reaça do Brasil, a PM comandada pelo governador Alckmin (PSDB) cercou sindicatos de trabalhadores desde sexta-feira. A Globo e a Veja atacam sem nenhum limite. Guerra de extermínio, para matar a esquerda e os movimentos sociais – estejam ou não alinhados a Lula.
Ao contrário de 1964, o cerco não é comandado pelo Exército – que está quieto. Mas pela burocracia de Estado. Juízes, policiais federais, parcelas do Ministério Público Federal e das promotorias nos estados oferecem à classe média raivosa uma narrativa de “combate aos corruptos”.
1964 foi feito contra a corrupção e contra a esquerda. Nesse ponto, nada mudou. Mas os métodos são mais sofisticados.
Difícil explicar para setores mais moderados que há um golpe jurídico em curso, com apoio midiático; ou um golpe midiático, com apoio jurídico. Difícil porque surge sempre a pergunta: “mas um golpe? eles são apenas policiais e procuradores combatendo a corrupção”.
É a narrativa de que “o braço da lei não perdoa ninguém” (essa ideia devo à jornalista Laura Capriglione, formulada durante uma conversa angustiada sobre os rumos do país).
Claro que os setores organizados de esquerda e quem conhece a história do Brasil sabem bem do que se trata: combate à corrupção? Com Aécio (o senador do “terço de Furnas” e das 5 delações) e Alckmin (merendão e trensalão) comandando as massas de classe média?
Mas o fato é que essa narrativa de “braço da lei contra o partido dos corruptos” vem avançando, e atinge o ápice nesse fim-de-semana com a marcha de 13 de março.
As revistas semanais, a Globo e outras tvs servem a esse discurso, tornando “natural” que o combate à corrupção se faça apenas contra um partido e um setor da sociedade. A esquerda psolista e marineira não percebeu isso antes. Espero que agora perceba: não é o PT apenas que eles querem destruir…
Mas é evidente também que a aposta do governo Dilma, ao romper com a base popular que poderia fazer sua defesa, cria uma situação dramática.
Dilma apostou tudo na governabilidade “institucional”, digamos assim. E nos afagos ao “mercado”. Ficou sem apoio nas ruas, e não ganhou nada nos mercados e instituições.
Dilma entregou poder a Renan/PMDB do Rio, para enfrentar a ala do PMDB que desejava impeachment já em 2015. Pois agora é Renan, empoderado por Dilma na negociação do Pré-Sal, quem acerta os detalhes para o desfecho do golpe.
A PM cerca os sindicatos em São Paulo, a classe média vai pra rua, e o PMDB dá um prazo de 30 dias pra decidir a saída do governo. São 30 dias para acertar os ponteiros com os tucanos.
Em 1964, Jango caiu quando o PSD abandonou o governo e se uniu à UDN, isolando os trabalhistas. É exatamente o movimento que se repete: a UDN (tucanos) atrai o PSD (temer e seus garotos) para o ataque final.
Eles estão com pressa. Precisam derrubar Dilma e parar a Lava-Jato antes que a investigação (via STF) chegue (já chegou) a Aécio, Renan e Temer.
A essa altura, há quatro fatores que podem interromper o cerco e frear a escalada golpista:
- Lula, no governo ou nas ruas, comandar a resistência e reagrupar o que resta de movimentos organizados dispostos ao combate (a direita faz cálculos pra saber se é melhor mantê-lo livre ou preso, qual situação seria menos danosa ao golpe);
- a Lava-Jato, via STF, trazer novas revelações que podem desmoralizar os golpistas (Moro não o fará, porque ele integra a inteligência do golpe institucional; mas Teori mostra que não pretende poupar tucanos e peemedebistas)
- a esquerda ir pras ruas e mostrar de forma decidida que não aceitará a colombianização do Brasil (na Colômbia, há uma combinação de autoritarismo, exclusão das esquerdas do jogo político e ataque aos direitos – tudo disfarçado sob o manto da “normalidade” institucional) ;
- a direita cometer novos “erros” que comprometam seu avanço.
Esse último ponto é o que chamo de “o imponderável de Almeida”.
A ação do MP de São Paulo foi claramente um erro do lado de lá. A petição dos 3 patetas – inepta, absurda – escancara a escalada autoritária travestida de legalidade.
A direita erra, por sua arrogância.
Temer errou com sua carta chorosa, Moro errou na condução coercitiva de Lula, o MP-SP errou esta semana com a petição dos 3 patetas. Alckmin erra usando a truculência da PM. Erram porque acreditam na miragem de que haja “um país inteiro a favor de derrubar o PT, seja de que jeito for”.
A realidade não é bem essa.
Há maioria do povo, sim, inconformada por Dilma ter abandonado o programa vitorioso em 2014. E há a direita de classe média, insuflada pela mídia e por Moro.
O segundo grupo fará qualquer coisa pra derrubar o governo e prender Lula. Acha que está liberado para o vale-tudo. Mas o primeiro grupo, ao ver o abuso do segundo, pode compreender o que há em jogo.
Contemos com a capacidade da direita de escancarar seus métodos.
A direita – que cerca sindicatos e persegue (com PF e procuradores) um ex-presidente e todos aqueles que estão com ele – vai mostrar sua cara nos próximos 30 dias. Vamos ajudar a expor esse rosto sombrio.
Eles entraram numa guerra total. Estão mais fortes. Mas em posição de força muitos exércitos cometem erros. É com isso também que podemos contar, na defesa da democracia.
Mas não sejamos ingênuos. A situação é muito favorável a um golpe institucional, pela direita.
O que nos anima é que a história dá voltas. Um ataque truculento agora, ainda que amparada pela legalidade, deve ser enfrentado de forma firme.
Os movimentos sociais e a esquerda podem até perder essa batalha agora. Mas travá-la é fundamental, porque logo adiante esse governo de direita que pretende se implantar no Brasil vai mostrar seus limites.
Essa gente se engana se pensa que o golpe jurídico-midiático vai ser um passeio no parque. Não será.
Todos pagarão preço alto, inclusive aqueles que hoje usam a violência simbólica (Globo/Veja et caterva) e a força jurídica para humilhar e destruir os adversários.
A resistência será longa, devemos olhar para longe. Lutar agora – mesmo em minoria – significa mostrar que estamos vivos e que não aceitamos o desmonte do Brasil, dos direitos sociais, do Estado nacional.