Fri, 02 Aug 2013 10:36:13 +0000
2 de Agosto de 2013, 4:36 - sem comentários aindaA VOLTA DA VELHA SENHORA
Facebook reintroduz a censura no Brasil
Por Elizabeth Lorenzotti em 02/08/2013 na edição 757
A censura voltou ao Brasil. E a herança maldita foi reintroduzida por uma empresa estadunidense pontocom, o Facebook. O mundo virtual não é diferente do real, sabemos. Por isso, os que sobreviveram à ditadura brasileira lembram-se bem da sensação horrível de quando uma pessoa desaparecia, inesperadamente. “Onde está fulano/a?” E a resposta: “Fulano/a caiu”.
Redemocratizado o país, quase 30 anos depois a sensação é parecida para muitíssimos que navegam no Facebook. “Onde está fulano/a?”, perguntamos ao notar o desaparecimento de uma pessoa de nossa lista de amigos. “Ah, foi bloqueado/censurado/suspenso.” Ainda bem que as consequências da censura feicebuquiana não são as mesmas da ditadura, pois você continua normalmente vivo no Brasil real. Mas a sensação de ser censurado é a mesmíssima.
Pergunta-se como uma corporação estadunidense pode ter esse poder? A rede preferida pelos brasileiros atingiu aqui, em março deste ano, 67 milhões de usuários, sendo o Brasil o segundo país em número de perfis, atrás apenas dos Estados Unidos. A Índia está em terceiro lugar. Segundo a Socialbakers, empresa de estatísticas sobre mídias sociais, no fim de 2011 o Brasil tinha 35,1 milhões de usuários. Um ano depois, o número chegou perto de dobrar e foi para 64,8 milhões. Isso significa que a abrangência do Facebook no Brasil se aproxima de um terço (32,4%) da população de 201,1 milhões de pessoas.
Mas como uma empresa pode impor normas de censura a um terço da população brasileira, se a Constituição de 1988 continua em vigor, assegurando a liberdade de expressão? Trata-se de uma boa pergunta. Diz o artigo 5, inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Diz o artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou meios não sofrerá restrição, observando o disposto nesta Constituição”.
O Facebook – que embora pontocom, funciona aqui à base de conteúdo gerado por internautas e de seus perfis, utilizados para fins comerciais e sabe-se lá mais para o que – pode, sim, impor aos brasileiros seus padrões de moralidade (ver aqui) e censurar imagens e textos políticos, ao seu bel prazer.
No ano passado, um grupo de jornalistas, escritores, poetas, artistas plásticos, cineastas, produtores etc. realizou o primeiro Dia da Livre Expressão do Nu contra a censura no Facebook. O motivo foi o recrudescimento de bloqueios, suspensões, intromissões nas páginas privadas dos participantes da rede social alegando-se discordância com as normas da empresa de Mark Zuckerberg. Normas que proíbem (não explicitamente, nos textos postados pela empresa no FB, mas reveladas pela ação de sua censura) exibição de seios de mães amamentando, genitálias, seios em geral, nus frontais – incluindo-se nesse rol os grandes artistas da todas as épocas que tenham pintado nus. Independentemente de se tratar de Da Vinci, Michelangelo, Velásquez, Salvador Dali, enfim, qualquer grande gênio da pintura ou uma foto considerada pornográfica.
Obelisco censurado
Em 2012, a campanha provocou suspensões de vários participantes e o Facebook censurou, inclusive, o Obelisco do Ibirapuera, além de tribos de índios e de africanos nus – outra saga da censura feicebuqiana. Acionada, a assessoria de imprensa do FB não se pronunciou, o que fez quando começaram a surgir matérias na grande imprensa sobre a censura.
Este ano não foi diferente. Num domingo, 28 de julho, realizou-se a segunda edição do Dia da Livre Expressão do Nu no Facebook. Desta vez, puxada pela censura sofrida pelos poetas Claudio Willler e Floriano Martins, que haviam postado a foto da cantora negra estadunidense Nina Simone nua (ver aqui). Um grupo fechado organizou a campanha durante um mês. No dia 28, foram cerca de 2 mil os usuários do FB que postaram na rede suas imagens, sempre acompanhadas do seguinte texto:
28 DE JULHO – DIA DA LIVRE EXPRESSÃO DO NU NO FACEBOOK
Esta postagem de nudez artística faz parte de um movimento contra a censura no Facebook. A censura vai contra a Constituição do meu país. Se o Facebook opera aqui no Brasil, deve respeitar suas leis.
>> o artigo 5. IX. da Constituição brasileira é claro: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”;
>> o artigo 220 é ainda mais claro: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou meios não sofrerá restrição, observando o disposto nesta Constituição”.
“This postage of an artistic nude is part of a movement to rule out cultural Censorship in Facebook. Censorship goes against the constitution of my country. If Facebook operates here in Brazil it should respect its laws.
>> Article 5. IX. of the Brazilian constitution is clear: “expression of intelectual, artistic, scientific and communication content is free, independently of censorship or licence”.
>> Article 220 is even more clear: “manifestation of thought, creation, expression and information, under any form, process or means will not undergo restriction according to this Constitution”.
Nem assim adiantou. Foram censurados a jornalista poeta Célia Musilli e mais cerca de seis pessoas até quarta-feira – o número aumenta desde domingo –, ela já uma campeã da perseguição feicebuquiana desde o ano passado, quando foi condenada a 30 dias de bloqueio, punição que se repetiu agora.
Os bloqueios impedem os usuários de usarem normalmente a rede. Geralmente o FB avisa sobre a punição e ameaça: primeiro retira ou obriga o usuário a retirar suas imagens condenadas. E se reincidir, terá sua cabeça cortada.
Célia publicou meio nu frontal do grande poeta beat Allen Ginsberg, autor do poema “Uivo”, também ativista, que costumava fazer performances nu e por isso foi expulso de alguns países. Seu órgão sexual estava coberto por uma placa. “Uivo” também rendeu processo a Ginsberg, e a nova censura, depois de décadas de sua morte, revela que o poeta continua alvo de perseguição por seus conterrâneos, no século 21 (ver aqui).
No mesmo domingo, a Folha de Londrina, onde escreve semanalmente, publicava artigo de Célia sobre o protesto com o título “O mundo ficará mais nu“. No texto, Célia afirma que a manifestação “é pertinente porque escancara o preconceito em relação ao nu artístico, de protesto ou cultural – como o das tribos indígenas – frequentemente censurados no Facebook. A contradição fica por conta da vulgaridade escrachada presente em toda mídia, sobretudo com a exposição frequente do corpo feminino como mercadoria. Afinal, a soma de tudo isso significa uma liberalidade estrábica ou mera hipocrisia? Em que tempos vivemos e com que lentes enxergamos a moral e a cultura?”
A jornalista lembra que “no momento este debate também é pertinente porque o chamado Marco Civil da Internet – que vai inaugurar uma legislação específica para a internet no Brasil – deverá ser votado na segunda semana de agosto no Congresso Nacional, depois de quase dois anos de discussões e atrasos. A votação é bem-vinda, porém devemos ficar de olho para saber o que vem por aí. O sociólogo Sérgio Amadeu, que acompanhou a elaboração do Marco Civil, faz críticas severas a modificações que vêm sendo feitas no texto. (…) Segundo Sérgio, ‘querem transformar a internet numa grande rede de TV a cabo’. ‘Acham que, por controlarem os cabos, por estarem numa situação estratégica de controle da sociedade da informação, podem controlar os fluxos’. E reforça: ‘Quando a operadora tiver poder de filtrar o tráfego e disser que tipo de conteúdo poderá passar nesses cabos, quando ela puder pedagiar o ciberespaço, matará a criatividade da internet’”.
Em seguida, Célia retoma a discussão sobre o controle de conteúdos no Facebook, “onde existe, por exemplo, um mecanismo de censura que prevê a denúncia de um usuário contra outro que tenha publicado ‘conteúdos indesejáveis’. Neste sentido, a rede social, além de incentivar a delação, desconsidera totalmente a Constituição do país, que prevê irrestrita liberdade de expressão artística e ideológica. Como brasileira, acho que os direitos previstos na Constituição estão muito acima de um contrato virtual que defecadores de regras costumam evocar quando burlamos as normas na rede em franca desobediência a mecanismos contraditórios sob o ponto de vista moral e cultural. Em síntese: por que a Mulher Melancia passa e a Vênus de Botticelli é censurada no Facebook?”
Uma outra excelente pergunta.
Índias amamentando
Além de Célia foram censurados seis outros perfis, e retiradas fotos, com alerta, de outros dois. A professora e poeta Liria Porto, de 67 anos dá o seu depoimento:
“No dia28 escolhi fotos de todo tipo, queria ver o que é censurado – índias amamentando, crianças índias em brincadeiras, índias nuas em fotos, e também um corpo de homem – de costas – a dos seios de uma mulher, uns postais antigos com mulheres nuas, uns quadros de Modigliani. Fiz questão que fossem variados. E apoiei Célia Musilli que tinha sido bloqueada por 30 dias.
“Aí recebi o comunicado de que algumas fotos minhas haviam sido denunciadas. O Facebook enviou as fotos que retiraram do meu mural e o comunicado de que eu estava bloqueada por 24 horas – com a advertência de que eu poderia ser excluída definitivamente se os fatos se repetissem. Raramente publico fotos, mas luto pelo direito de publicá-las sempre que necessitar.”
O repórter fotográfico paranaense do jornal O Estado de S.Paulo Carlos Ruggi também foi bloqueado por postar uma foto que tem corrido bastante pela internet: a suposta imagem de Angela Merkel praticando nudismo com amigas, quando era jovem (ver aqui).
O poeta Floriano Marins publicou e também caiu da rede. Eleconta como foi censurado, antes do Dia do Nu:
“Um de meus perfis aqui no FB acaba de ser suspenso pela difusão que venho fazendo desta foto da Nina Simone, sob a acusação de que se trata de pornografia. Me enviaram primeiramente um questionário, onde respondi justificando não se tratar de pornografia, porém não aceitaram. Juntamente com a suspensão veio este texto (abaixo), que é um verdadeiro libelo de excitação criminosa à delação que promove o próprio Facebook: ‘Denunciando abuso. Se você encontrar algo no Facebook que considerar uma violação aos nossos termos, informe-nos. Lembre-se de que denunciar um conteúdo não garante que ele será removido do site. Devido à diversidade da nossa comunidade, é possível que algo possa ser desagradável ou perturbador para você sem atender ao critério de remoção ou bloqueio. Por esse motivo, oferecemos também controles pessoais sobre o que você vê, como a capacidade de ocultar ou se desvincular de pessoas, páginas ou aplicativos ofensivos’.”
O vendedor João Carlos foi punido pelas fotos de duas mulheres seminuas, com referência de fotógrafos famosos e poesia. O jornalista Luis Carlos Lorencetti igualmente sofreu bloqueio de 24 horas por uma foto do famoso Lucien Clergue (ver aqui).Diz ele: “Republiquei a foto que, segundo o FB, provocou o bloqueio de 24 horas. Se você entrar na minha linha do tempo, vai ver que outras fotos, até mais ousadas, permanecem por lá. Então, creio que a teoria de que o FB age por denúncia faz sentido”.
A nudez de Simone de Beauvoir e as fotos de Pedro Martinelli
Rubens Jardim, jornalista e poeta, postouvárias fotos de nu em adesão ao movimento. “Uma delas, exatamente aquela célebre, a da Simone Beauvoir nua, já publicada tantas vezes e por tantas pessoas, acabou sendo retirada. Fiquei sabendo quando voltei a entrar no Face e recebi uma mensagem” (ver aqui).
Eu, autora deste artigo, também fui censurada, não no domingo, mas na terça-feira (30/7). Primeiro, censuram a imagem de Iansã, a senhora dos raios, pintada com os seios nus, como aliás é a caracterização da orixá. Na quarta-feira (31), em meio a este artigo, recebi a informação do FB de que outra foto havia sido removida, desta vez sem identificá-la.
Fui procurar e dei por falta de belíssima foto do premiado repórter-fotográfico brasileiro Pedro Martinelli: índios Panará, da Amazônia, nus, de costas, examinando o interior de um avião. (As fotos citadas neste artigo e não linkadas não foram mais encontradas.)
A mesma foto permanecia no meu perfil desde o Dia da Livre Expressão do Nu no Facebook, enquanto havia sido censurada domingo no perfil de outra internauta.Pedro Martinelli nunca foi censurado durante a ditadura, quando sua foto foi capa de O Globo, em reportagem sobre no contato com os índios gigantes. Mas é censurado agora, por uma empresa norte-americana que se locupleta no Brasil e desrespeita sua Constituição. Incrivelmente, até quarta-feira, nenhum denunciante havia delatado ainda a belíssima foto que continua lá. (Ver aqui, primeira foto da segunda fileira; foi capa de O Globo, em 1973, na ditadura, e não foi censurada.)
Na mesma quarta-feira (31/7), quando já havia terminado de escrever este artigo, recebo outra advertência do Facebook, desta vez me suspendendo por 24 horas: sem poder interagir. A censura foi à clássica foto de Marilyn Monroe, ainda Norma Jean. Precisando de dinheiro, no final de 1949 ela posou nua por 50 dólares, na famosa sessão que acabou sendo publicada por Playboy em sua edição inaugural, de dezembro de 1953, quando ela já se tornara Marilyn Monroe (ver aqui).
O músico Pita Araujo também foi bloqueado na quarta-feira (31) por postar obra do artista argenntino Leon Ferrari, morto em 25/7, aos 92 anos, e considerado o papa do anticlericarismo na pintura contemporânea. Ferrari ficou conhecido pelos escândalos provocados por sua obra. O mais lembrado é a discussão com o atual papa Francisco, quando ainda era Jorge Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, em 2004. Na época, Bergoglio condenou uma exposição retrospectiva de Ferrari, definindo a mostra como “um desrespeito aos valores religiosos e morais dos argentinos” (ver aqui).
Entre 1976 e 1991, Ferrari exilou-se no Brasil. Um de seus três filhos foi “desaparecido” pela ditadura argentina. Em sintonia com a ditadura argentina e com a igreja católica, o Facebook também condena Ferrari, depois de morto, e continua aceitando indiscriminadamente denúncias contra obas de arte.
A maioria das censuras, acreditamos, foi disparada por meio de denúncias anônimas. Como afirma Célia Musilli, “feita a denúncia não creio que os censores do FB analisem os casos. Se o fizessem, não censurariam a foto de Ginsberg que nem é exatamente um nu, pois seu órgão genital esta coberto por uma placa. Eles apenas acatam as denúncias e, se alguém não vai com sua cara, pode denunciá-lo por isso e não exatamente por sua postagem”.
“O Facebook passou por cima de todo o termo de privacidade que tenho, como usuária dessa rede”
A jornalista e escritora Priscila Merizzio também dá seu depoimento:
“Entre os dias 29 e 30 de julho de 2013, minha conta do Facebook passou por três suspensões. A primeira, ocorreu às 22h e durou até 9h30 da manhã seguinte. À noite (29/7), fui automaticamente deslogada e, em seguida, quando tentei fazer o login, havia uma série de obstáculos que a administração do Facebook impôs. Alguém denunciou o meu perfil como falso, de uma pessoa ‘irreal’,segundo definição do próprio Facebook. Para conseguir reaver o acesso de minha conta, tive que identificar vários perfis de contatos meus, através de suas fotografias. Um trabalho de Sísifo. No primeiro erro de identificação, minha conta logo foi suspensa, em um processo que adentrou a madrugada. Quando consegui, finalmente, acessar minha conta, no início da manhã (30/7), a administração do Facebook alegou, depois de ter me acusado de não ser uma pessoa real, que fui suspensa por causa de três fotografias. Removeu-as, naturalmente. Sem minha autorização. Algum tempo depois, recebi a notificação de que outras duas imagens que eu havia publicado, tinham sido denunciadas (por quem?). Fui convidada a remover os conteúdos, pois, caso não o fizesse, sofreria punição. Provavelmente teria minha conta suspensa por 30 dias ou, até mesmo, seria expulsa da rede social. A administração do Facebook também me avisou que estavam (quem estavam?) decidindo o que fariam com meu perfil. Seria eu processada por causa de alguma fotografia de Helmut Newton? Finalmente, perto do meio-dia, novamente fui automaticamente deslogada. Na tentativa de fazer o login, mais uma vez fui acusada de manter um perfil falso. Dessa vez, contudo, enviaram um código de confirmação em meu celular, para eu comprovar que existo. Quando entrei, o Facebook havia removido outras quatro fotografias. No dia 28 de julho, publiquei muitas imagens.
“Dentre tantas fotografias, de fotógrafos renomados, o Facebook removeu uma imagem onde estavam seis índias nuas e duas crianças de colo, gargalhando alegremente, totalmente à vontade em sua cultura. Nessa terceira vez de suspensão, fiquei impossibilitada de interagir em meu perfil durante 24 horas (sem curtir, publicar conteúdos no meu mural ou de amigos etc.). Podia apenas conversar por inbox.
“Acredito que fui denunciada por alguém que faz parte de meus contatos pessoais ou algum integrante do grupo onde nos organizamos para promover ‘28 de julho – O dia da livre expressão do nu no Facebook’. O que me incomoda não é ter sido denunciada por algum contato melindroso, hipócrita, desconhecedor de arte e dispersivo quando se trata de assuntos políticos. O que me perturba é que, além de não ter tido um crivo coerente na hora de analisar as denúncias, o Facebook passou por cima de todo o termo de privacidade que tenho, como usuária dessa rede social. Eles ‘invadiram’ minha conta e removeram o conteúdo que julgaram impróprio, seja por alguma acusação ou por critérios dos próprios censores.
“Que método arbitrário e estranho de seleção para remover imagens e perseguir usuários da rede social, não? Cá com meus botões, pensei que a época de perseguição que Gustave Flaubert e Henry Miller tiveram que enfrentar, por exemplo, tinha ficado para trás. Pelo visto, estou muito equivocada. Além disso, os senhores feudais da administração do Facebook, muitas vezes, também alegam que certos conteúdos são impróprios para menores de idade. Até onde sei, menores de idade não podem abrir conta nessa rede social. E, também sei que, por lei, cabe aos pais ou maiores responsáveis filtrarem o conteúdo que os menores acessam na internet. Não cabe a mim, como usuária, adulta, preocupar-me com as imagens que publico em meu perfil pessoal, para outros adultos. Ainda mais porque elas não são pornografia. Outra coisa que me encafifa é que, das vezes em que a administração do Facebook, por conta do manifesto, removeu minhas imagens (ou me obrigou a removê-las), acusou-me de ter publicado conteúdo de ‘nudez e pornografia’. Take it easy! Nudeze pornografia são coisas completamente diferentes. Não há necessidade de ser um estudioso de Semiótica, Teoria da Arte ou ter um olhar artístico educado, para saber a diferença entre uma coisa e outra. Basta ter em mãos qualquer dicionário de língua portuguesa, para diferir os significados dessas palavras. Nudez é uma coisa. Pornografia é outra. A administração do Facebook implica com fotos que são nus artísticos, quadros e esculturas famosas.
“Lamentavelmente, fotografias de comunidades indígenas, tribos africanas e outras culturas que não vestem roupas são vilipendiadas pelos censores. Campanhas contra o câncer de mama e mulheres grávidas ou amamentando seus filhos, também. Grupos fechados de exposição de nus artísticos são exterminados sem qualquer satisfação aos administradores e integrantes. No entanto, páginas com apologia à violência contra a mulher, pedofilia, racismo, xenofobia, grupos de extermínio, skinheadsetc, continuam ao ar, impunes. Perfis fakes de pessoas inconvenientes, idem. Comentários ignorantes e chulos, de contatos aleatórios, quando marcados como spam, também se safam. Agora, uma foto artística, um vídeo de algum diretor respeitável, poemas eróticos, são severamente execrados. Os censores da administração do Facebook Brasil atêm-se a detalhes irrelevantes e deixam o essencial de fora. Esse é um costume miserável que, infelizmente, se perpetua. Confesso que só mantenho uma conta nessa rede social porque, infelizmente, ela é o melhor espaço, hoje, para manter contato com colegas, amigos e, também, pleitear oportunidades profissionais. Se surgir outra rede mais evoluída, inteligente e refinada, inclusive na parte de design, que se torne popular, certamente migrarei para lá. Enquanto isso, que haja mais manifestos da livre expressão do nu dentro do Facebook. Por trás dessa invasão de privacidade e comportamento maniqueísta, existe um jogo que questiona se o Estado é realmente laico e, também, o direito de se expressar artisticamente no Brasil, cujas leis garantem que isso é permitido.”
Um dossiê da censura
O poeta, ensaísta e tradutor Claudio Willer compõe, desde o ano passado, um dossiê da censura no Facebookque agora chegou ao relato 69, exatamente com o caso da censura à minha página. Segundo ele, “as práticas do Facebook são desrespeitosas, ofensivas. Devemos nos recusar a ser tutelados, tratados como incapazes ou algo assim. E subordinar a legislação brasileira aos estatutos de uma corporação multinacional é, evidentemente, intervenção colonialista”.
No ano passado, em seu blog, Willer premonitoriamente comentava:
“Nesse momento, há dois grandes temas em debate, relativos ao meio digital. Um, a censura em redes sociais. Outro, as ‘políticas de privacidade’ das ferramentas de busca, provedores de conteúdo e redes sociais. Quanto a esse assunto, se quiserem montar um ‘perfil’ a partir de meus acessos e buscas, para comercializá-lo, então quero comissão… Chamarem a utilização comercial de informações pessoais de ‘política de privacidade’ é, evidentemente, linguagem orwelliana.”
George Orwell, aliás, também é citado no post dos Advogados Ativistas, no dossiê de Willer, em 26/7/2013. Este grupo surgiu recentemente no FB e seu objetivo é subsidiar os manifestantes com informações jurídicas.
“A Equipe de administradores dos Advogados Ativistas teve o acesso da página bloqueado em razão de uma CENSURA feita pelo Facebook. Tratava-se de um ‘printscreen’ que denunciava um perfil de um policial militar (Túlio Oliveira) que dizia querer matar manifestantes. Nos comentários feito pelo PM, vários dos seus colegas de corporação concordaram com a declaração do militar. O grupo Advogados Ativistas repudiou a conduta e convocou sua equipe para tomar as medidas cabíveis, qual seja, levar ao conhecimento das autoridades competentes a conduta do oficial. O post tornou-se viral e atingiu mais de 300.000 pessoas. De alguma forma, o Facebook encontrou uma maneira de censurar a página por 12 horas. A equipe AA não concorda com esta punição e está pedindo explicações ao Facebook Brasil, pois acredita ser realmente uma forma de censura. Desafia-se o Facebook a encontrar em suas ‘políticas de comunidade’ alguma cláusula que tenha-se quebrado. Parece-nos por demais oportuna a frase de George Orwell, ‘Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir’.”
Recentemente o Facebook divulgou um comunicado, creio que a respeito de censuras a paginas de órgãos de imprensa em sua rede. (Sim, Folha de S.Paulo e CartaCapital também foram censurados, a primeira por postar foto de ocupantes da Câmara Muncipal de Porto Alegre posando nus, e a segunda por uma foto de mulher nua e agachada, em matéria sobre revista em presídios. O jornal Brasil de Fato, que não publica nus, mas fala de política, ficou alguns dias sem poder postar e a Mídia Ninja, por algumas horas.
1. Diz um trecho do comunicado do FB:
“Não removemos conteúdos com base no número de denúncias recebidas: temos uma infraestrutura robusta de denúncia que inclui links para reportar páginas que estão no Facebook e também um time de revisores altamente treinado para avaliar esses casos. Quando um conteúdo é denunciado, ele só é removido se violar nossos Termos de Uso. É importante esclarecer que não retiramos conteúdos com base no número de pessoas que reportaram algo.”
>> Digo eu. Muitos pensavam que quanto maior o numero de denúncias anônimas, mais efetivas. FB diz que não é o caso. Mas seus vigilantes “revisores altamente treinados” costumam avaliar com base em que padrões? Porque estes que o FB alega – incitação à violência, pornografia e qualquer tipo de assédio – realmente não convencem. Nus artísticos não são pornografia, discursos políticos censurados são os discursos que não convêm a alguns.
2. Diz outro trecho do comunicado do FB:
“Em quase todos os casos, revisamos manualmente todas as denúncias e não temos sistemas automatizados que removem discursos políticos: para proteger milhões de pessoas que se conectam e compartilham informações diariamente no Facebook, a esmagadora maioria do conteúdo é revisada manualmente. Utilizamos sistemas automatizados apenas para um número muito limitado de casos, como, por exemplo, spam. Nestas situações, a automação é usada com mais frequência para que possamos priorizar os casos que precisam de revisão manual, mas isto não substitui a revisão manual.”
>> Digo eu. Sabíamos, desde matéria publicada no UOL ano passado, que há censores contratados no mundo pelo FB. Muitos não acreditavam. Inúmeras são as páginas denunciando a censura nessa rede em todo o mundo, as mais recentes no ano passado, especialmente na Europa, desde os movimentos Occupy. Imagine-se o trabalho de Sísifo de milhares de censores, lendo centenas de milhares de posts no mundo todo, em alta rotatividade.
Um novo F.a.c.e – Frente Alternativa contra o Establishment
Em todo o mundo há protestos contra a censura do FB, especialmente a textos e fotos de ativistas políticos. No ano passado, o Wikileaks anunciou que construiria uma rede para se contrapor a Zuckerberg, mas em função de tudo o que aconteceu, o projeto abortou. Agora, na Argentina é anunciada a criação de uma nova rede social para a América Latina,que critica e imita o Facebook, o Facepopular, em que “face” não significa rosto, mas “Frente Alternativa Contra o Establishment”, e tem uma postura crítica em relação ao establishment Facebook, que lhe serviu de inspiração. Seus idealizadores dizem que o objetivo é “gerar um canal de comunicação e interação comunitária sem as arbitrariedades e modelos de imposição de outras redes sociais desenhadas e operadas fora da América Latina por corporações multinacionais”.
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Elizabeth Lorenzotti é jornalista, escritora, pesquisadora de mídias digitais, ex-professora de graduação e pós-graduação em Jornalismo da PUC-SP e Universidade Metodista
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Fri, 02 Aug 2013 10:35:17 +0000
2 de Agosto de 2013, 4:35 - sem comentários aindaREDES SOCIAIS
Mr. Obama não vai curtir
Por Sandra Muraki em 02/08/2013 na edição 757
Reproduzido da seção “Tendências/Debates” da Folha de S.Paulo, 1/8/2013; intertítulos doOI
Uma “nova concorrência” parece deixar os jornais perplexos: as redes sociais e os buscadores.
A disputa da mídia impressa pelos leitores na internet tem sido um dos grandes desafios da indústria da comunicação. Como fazer jornalismo nesse meio e como distribuí-lo? Como implementar novas tecnologias? Qual é o conteúdo que o leitor deseja encontrar?
São perguntas de difíceis respostas, que demandam investimentos e criatividade. Mas, nesse campo, a despeito dos desafios lançados, os jogadores jogam de igual para igual.
As redes sociais ganharam forte adesão, especialmente no Brasil, e tornaram-se grandes difusoras de informações, a ponto de terem sido um dos meios mais utilizados por movimentos sociais na mobilização das recentes manifestações no país.
Ao mesmo tempo, com base nessa afluência e influência, essas empresas foram construindo estratégias comerciais de venda de publicidade. Com conteúdo, público, espaço qualificado e tecnologia, passaram a ser uma alternativa atraente de mídia publicitária.
Foco prioritário
Pesquisas mostram o crescimento do investimento publicitário na internet e o avanço dos portais, redes e buscadores sobre fatias dos demais meios. No primeiro bimestre deste ano, por exemplo, os anunciantes investiram mais na internet do que em revistas.
O faturamento nesse meio ainda é muito inferior ao dos jornais impressos, mas é crescente, enquanto que, para a imprensa de papel, o cenário é de crise.
Isso explica em grande parte a ofensiva que a imprensa vem fazendo contra a “nova concorrência”.
Entretanto, os jornais não assumem a discussão sob esse ângulo. Preferem questionar a seriedade com que as redes sociais protegem as informações dos usuários. Lançam suspeitas sobre o fornecimento dos dados a serviços de inteligência, atacam as políticas de uso. Criticam os usuários, chamando-os de “bobos” por produzirem conteúdo gratuito para as redes e disporem tantas informações pessoais.
Mas os jornais também estão nas redes, oferecem informação de graça e dispõem para os administradores das redes, também de graça, quem são seus seguidores, que notícias compartilham, como trafegam.
Os dados dos usuários parecem ser o grande achado das redes sociais. Pela atividade das pessoas, seus comentários, fotos de família, viagens, animais de estimação, festas e pratos preferidos, e “curtidas”, as redes detêm um conhecimento de seu público que nenhum jornal tem de seu leitor de internet – e que dificilmente terá.
As empresas jornalísticas não dispõem da mesma poderosa tecnologia das empresas de redes sociais, nem de recursos, nem mais de tempo para construir algo semelhante e enfrentar essa concorrência.
Além disso, o foco prioritário dos jornais é produzir conteúdo e veiculá-lo na tecnologia disponível ou na que pode ser desenvolvida para tal finalidade. Ao mesmo tempo, as redes sociais, também dentro do seu foco, estão em pleno desenvolvimento de ferramentas que vão refinar ainda mais o conhecimento dos seus usuários para os anunciantes.
Exposição voluntária
É uma disputa desequilibrada pelas mesmas verbas publicitárias e um ponto de inflexão, que vai além da discussão do futuro da imprensa.
Essa fragilidade a que as empresas jornalísticas estão expostas, contudo, não é responsabilidade dos usuários das redes. A nós foram dados uma fantástica forma de estabelecer relacionamentos e um canal de expressão que nenhum meio de comunicação já pode proporcionar. As pessoas usam as redes conscientes da exposição a que se submetem voluntariamente.
Não parece sensato que mr. Obama tenha interesse nos nossos posts, nas nossas fotos. Quem tem interesse nisso está muito mais perto de nós. E os incomodados que se retirem.
Leia também
Uma nova forma de monopólio – Gustavo Romano
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Sandra Muraki, jornalista, é coordenadora do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo)/Observatório da Imprensa
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Fri, 02 Aug 2013 10:34:33 +0000
2 de Agosto de 2013, 4:34 - sem comentários aindaREDES SOCIAIS
Uma nova forma de monopólio
Por Gustavo Romano em 02/08/2013 na edição 757
Reproduzido da seção “Tendências/Debates” da Folha de S.Paulo, 1/8/2013; intertítulos doOI
Um monopólio não é determinado pela essencialidade do produto monopolizado, mas pela ausência de alternativa viável.
A Microsoft, por exemplo, foi multada pela Comissão Europeia em meio bilhão de euros em 2004 por formação de monopólio não porque seus produtos eram essenciais, mas porque dominavam o mercado.
Tradicionalmente, monopólios surgem por imposição legal, restrição de acesso a matéria-prima, propriedade intelectual, ou processo de fabricação.
O Facebook não é essencial, mas é um novo modelo monopolístico, criado pelo somatório de nossas escolhas individuais.
Se a maior parte da comunicação social on-line de massa ocorre por meio de sua plataforma, não há opção exceto utilizá-la. Como um buraco negro, criada a massa crítica, torna-se impossível escapar.
Possíveis alternativas, como Google+, não são verdadeiras alternativas. Uma plataforma de comunicação só é útil se os interlocutores podem ser atingidos por ela. Daí o Facebook ter assumido condição análoga à de um monopólio. E daí surgirem problemas inerentes.
Padrões de moralidade
Primeiro, regras de economia de mercado não funcionam em monopólios. Não há como o usuário deixá-lo sem sofrer consequências simplesmente porque não há alternativas viáveis. O usuário não tem poder de barganha: ou aceita as regras ou cai no ostracismo social on-line.
Ademais, o usuário não é o cliente. O cliente são as empresas de marketing. Usuário e suas informações pessoais são o “produto” que o Facebook oferece aos anunciantes. É na capacidade de vender informação do usuário que reside o valor de mercado da empresa, o que gera conflito de interesses.
Terceiro, o grupo de jovens que controla a empresa é também legislador e juiz de padrões morais impostos ao usuário. Em 2011, a empresa excluiu imagens da pintura “Origem do Mundo”, de Gustave Courbet, porque mostrava uma vagina. Neste ano, excluiu fotos do Jamurikumalu no Alto Xingu porque havia índias nuas. E nos últimos dias, excluiu fotos de manifestantes nus.
Não se trata aqui se tais jovens têm problemas em lidar com a própria sexualidade, mas que impõem seus padrões de moralidade a milhões de usuários. Proíbe-os de ler ou ver aquilo que não ofende o usuário, mas ofende quem comanda a empresa. Vale lembrar: quem viu tais fotos optou por seguir determinada página ou usuário.
Controlar e limitar
Por fim, suas decisões não passam por um processo transparente. O usuário não tem chance de explicar-se, defender-se ou recorrer. Nem sequer sabe como ou por quem a decisão é tomada. Tampouco sabe que está sendo julgado. É apenas informado de sua condenação.
É como se, certo dia, você acordasse e descobrisse que alguém (sabe-se lá quem) decidiu que você não pode mais telefonar ou receber cartas.
Fosse um país, o Facebook não seria apenas o terceiro maior do planeta: sua conduta seria equiparável à da Coreia do Norte.
Não fosse um monopólio, o usuário se socorreria na competição. Mas, sendo-o, cabe ao legislador controlar e limitar a conduta da empresa em relação a seus usuários.
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Gustavo Romano, mestre em direito pela Universidade Harvard e em administração pela London Business School, é editor do site “Para Entender Direito”
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Fri, 02 Aug 2013 10:32:47 +0000
2 de Agosto de 2013, 4:32 - sem comentários aindaAGÊNCIA BRASIL
Regina Lima
01/08/2013 na edição 757
“O leitor e o impacto turístico da JMJ”, copyright Agência Brasil, Brasília (DF), 29/7/2013
“Entre os aspectos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que pautaram a cobertura da Agência Brasil, o impacto turístico foi um dos mais destacados. Não só quantos turistas – nacionais e estrangeiros – teriam participado e quanto dinheiro eles teriam gasto, mas também os relatos dos voluntários que foram preparados para orientar os visitantes, os depoimentos dos peregrinos sobre os percursos que seguiram para chegar ao Rio e suas opiniões sobre o atendimento que receberam durante sua permanência na cidade.
Do total de 348 matérias publicadas pela Agência Brasil sobre a JMJ no período de 1º/1 a 26/7, 53 (15%) contêm referências ao ‘turismo’ ou aos ‘turistas’, dois pontos percentuais a mais que as 46 matérias com referências aos ‘grandes eventos’ dos quais a JMJ faz parte, junto com a Copa das Confederações, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Quinze por cento pode parecer pouco, mas representa um nível de atenção muito maior do que foi dada a outros temas importantes, tais como ‘evangelização’ (2%), ‘renovação’ (1%) e ‘reformulação’ (1%). Mesmo palavras chaves como ‘alegria’ e ‘pobreza’ apareceram com menos frequência: 8% e 3%, respectivamente. Dos outros temas pesquisados, o que chegou mais próximo foram ‘manifestações’ ou ‘protestos’, citados em 39 das matérias (11%).
Um dos pontos que nos chamaram a atenção na cobertura da ABr sobre a JMJ foi a discrepância entre as expectativas do Ministério de Turismo (MTur) e os dados concretos no que diz respeito ao impacto turístico do evento. O MTur conta com os ‘grandes eventos’ para atrair quantidades inusitadas de turistas estrangeiros e alavancar um salto sustentável no fluxo para patamares mais elevados e a expectativa, com a JMJ, era do ritmo do fluxo dar a primeira acelerada grande: ‘A Jornada Mundial da Juventude [JMJ] deve atrair entre 1,7 milhão e 2 milhões de pessoas ao Brasil, disse à Agência Brasil o secretário nacional interino de Políticas de Turismo do Ministério do Turismo, Sandro Fernandes’. A título de esclarecimento, o secretário acrescentou que ‘a jornada coincidiu com o mês em que normalmente o Brasil recebe um fluxo maior de turistas em razão da alta temporada. Considerando o evento em si, deve haver um aumento razoável de turistas entre 500 mil e 1 milhão de pessoas, em relação a um evento normal nesta época do ano’ [1].
Os comentários do secretário parecem se referir aos turistas estrangeiros, mas a reportagem poderia ter procurado esclarecer essa questão. Entre os pontos questionáveis, ter-se-ia observado que o fluxo mensal de turistas estrangeiros que chegaram ao Brasil em 2012 não ultrapassou 750 mil e que julho, com 411 mil chegadas em 2012, não é um mês da alta temporada para turistas estrangeiros no Brasil. Uma expectativa de atrair de 1,7 milhão a 2 milhões ou mesmo um aumento de 500 mil a 1 milhão de turistas estrangeiros para participar na JMJ significaria no mínimo dobrar o fluxo normal nesta época.
A prefeitura do Rio de Janeiro, outra fonte oficial consultada pela ABr, apresentou expectativas mais modestas, incluindo os turistas nacionais: ‘São esperados 800 mil turistas e um público de 1,5 milhão de pessoas nas solenidades com a presença do papa’ [2]. A mesma cifra se repete em uma matéria sobre a cobertura do evento na imprensa internacional, sem, porém, identificar a fonte: ‘De acordo com autoridades, são esperados 800 mil turistas para a jornada, considerado o maior encontro internacional de jovens católicos’ [3].
No dia 23/07, a diretora de Inscrições do Comitê Organizador Local (COL) da JMJ divulgou os seguintes dados, relatados pela ABr: um total de 355 mil peregrinos inscritos, dos quais 220 mil brasileiros (62%) e 135 mil estrangeiros (38%). Dos estrangeiros que vieram de 175 países, as maiores delegações são da Argentina (23 mil), dos Estados Unidos (10,8 mil), do Chile (9,2 mil), da Itália (7,7 mil) e da Venezuela (6,1 mil). A esses números devem ser acrescentados os 60 mil voluntários inscritos no evento, dos quais 6 mil (10%) são estrangeiros. Portanto, contando só os inscritos oficiais até o segundo dia do evento dá um total de 415 mil participantes, sendo 274 mil brasileiros e 141 mil estrangeiros [4].
Para chegar aos 800 mil turistas esperados pela prefeitura do Rio ou ao aumento de entre 500 mil e 1 milhão turistas projetados pelo Ministério de Turismo – caso as declarações do secretário interino sejam reinterpretados para incluir os turistas nacionais – é preciso somar os participantes não residentes do Rio que não se inscreveram no evento. Para servir de guia para fazer essa conta, há a seguinte informação fornecida à ABr pelo secretário municipal de Transportes do Rio de Janeiro, Carlos Roberto Osório, que comentou em relação ao movimento maior do que era esperado na Estação Rodoviária Novo Rio: ‘Pela experiência que se tem de jornadas passadas, para cada peregrino inscrito, há mais um ou dois peregrinos que não se inscreveram’ [5].
O secretário refere-se aos peregrinos que vêm de ônibus (‘principalmente brasileiros de outros estados’). Para uma parte dos estrangeiros, aqueles dos outros países sul-americanos, muitos dos quais também viajaram de ônibus, a mesma regra pode ser aplicada, mas para outros o único meio de transporte disponível teria sido o avião, que requer que a viagem seja planejada com mais antecedência, portanto seria razoável supor que a proporção de participantes não inscritos seja menor entre os estrangeiros do que entre os brasileiros. Assim uma estimativa ajustada com base de um e meio não inscritos para cada peregrino inscrito entre os brasileiros e um não inscrito para cada peregrino inscrito entre os estrangeiros – sem alterar os números de voluntários – daria o seguinte resultado: 600 mil turistas nacionais e 280 mil turistas internacionais, para um total de 880 mil turistas que teriam se deslocado para o Rio para participar na JMJ.
Quanto ao impacto financeiro, os dados disponíveis nas matérias publicadas pela ABr são escassos. ‘Na mesma matéria onde ele afirma que a JMJ ‘deve atrair entre 1,7 milhão e 2 milhões de pessoas ao Brasil’, Sandro Fernandes acrescentou:’ ‘Isso, por si só, deve trazer impacto para o país de mais ou menos R$ 1,2 bilhão na economia’. Somente em despesas diretas com hospedagem e alimentação, a estimativa é atingir R$ 660 milhões. O gasto médio por turista, incluindo hospedagem, transporte e alimentação, deverá ficar em torno de R$ 305 por dia, informou o secretário. ‘A expectativa serve tanto para turistas estrangeiros, como nacionais ‘.
Essa cifra é questionável diante das informações fornecidas em outras matérias que relatam que muitos participantes procuraram hospedagem em hotéis mais baratos (tipo hostel e albergue) ou em casas de família, escolas, paróquias e centros culturais cadastrados pela organização do evento [6]. Em todo caso, se não se transformar num fluxo sustentável, a contribuição financeira da JMJ não passará de uma gota no oceano, mesmo que a cifra alcance a quantia esperada pelo MTur. Só a diferença entre o que os brasileiros gastaram no exterior e os que os estrangeiros gastaram no Brasil em junho deste ano – o déficit na conta de viagens internacionais – ficou em US$ 1,475 bilhão, 177% a mais que os R$ 1,2 bilhão que o MTur projeta que será o impacto da JMJ na economia do país.
Pelo levantamento das matérias publicadas na Agência Brasil, pode-se dizer que a cobertura fornece subsídios suficientes para o leitor ter uma noção bastante precisa do impacto turístico da JMJ, pelo menos em termos diretos e imediatos. O único senão seriam as discrepâncias de informações apresentadas por outras fontes.
Boa leitura!
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Fri, 02 Aug 2013 10:32:16 +0000
2 de Agosto de 2013, 4:32 - sem comentários aindaCASO BRADLEY MANNING
TVs dão cobertura mínima a veredicto de soldado
01/08/2013 na edição 757
Tradução de Jô Amado, edição de Larriza Thurler e informações de Jack Mirkinson [“Bradley Manning Coverage: Networks Move On Quickly After Verdict”, do Huffington Post, 30/7/13]
O veredicto no julgamento de Bradley Manning, na última terça-feira (30/7), não recebeu da mídia a cobertura contínua concedida a outros casos recentes. Enquanto julgamentos como o de George Zimmerman, vigia que matou o adolescente negro Trayvon Martin, ou mesmo o de Jodi Arias, que matou o namorado a facadas, foram abordados em horas de análise, exame e atenção, a notícia de que o homem responsável pelo maior vazamento de documentos confidenciais na história dos EUA fora condenado por acusações que o manterão preso por mais de 100 anos foi considerada digna de uma chamada, ou no máximo duas, durante a hora que se seguiu ao veredicto.
A Fox News foi a primeira a dar a notícia do veredicto, assim como foi a primeira a largar o assunto. A MSNBC largou a cobertura que fazia do almoço da ex-secretária de Estado Hillary Clinton com o vice-presidente Joe Biden, deu a notícia do veredicto, entrevistou um analista e passou a outro tema. A CNN deu a maior cobertura, embora no momento em que o veredicto foi divulgado estivesse falando de um caso de fraude fiscal envolvendo Teresa Giudice, que ficou famosa por participar do reality show The Real Housewife of New Jersey. Após dar início à cobertura do veredicto e em seguida fazer uma pausa, a CNN voltou depois à matéria quando seu correspondente do Pentágono Chris Lawrence já saíra da sala do tribunal onde ocorrera o julgamento. Depois de um pingue-pongue com Lawrence, o âncora Wolf Blitzer passou a uma matéria sobre preços de moradias. O site BuzzFeed avaliou que as três redes de TV passaram uma média de apenas quatro minutos com a matéria.
Definitivamente, a mensagem era clara: a matéria sobre Manning era importante, mas não suficientemente importante para alterar por completo a programação da rede para o dia. A falta de uma cobertura sustentável não foi necessariamente surpreendente: as principais redes de TV, de uma maneira geral, têm evitado o julgamento de Manning quase por completo e mesmo jornais como o New York Timestêm sido criticados pelo nível de atenção que vêm dando à matéria.
Caso os telespectadores quisessem acompanhar uma cobertura completa, poderiam entrar na internet, onde o site Democracy Now dedicou à matéria um programa especial.
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