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Everton de Andrade

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Homenagem póstuma ao herói de 2020: meu amigo Delmar dos Santos

27 de Dezembro de 2020, 15:55 , por Everton de Andrade - | No one following this article yet.
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Licenciado sob CC (by)

Nesse ano muito difícil, justamente na tarde do feriado de Natal, meu amigo Delmar dos Santos faleceu após lutar contra a leucemia durante aproximadamente cinco anos.

Em 2000, aos quinze anos de idade, tive que prosseguir os estudos no Ensino Médio no período noturno no Colégio Estadual Jayme Canet, na periferia de Curitiba, por iniciar um curso técnico de mecânica automotiva pela manhã.

Essa missão revelava-se desafiadora pois, além de levantar diariamente por volta das 5h40, havia a perspectiva de fazer estágio em alguma oficina mecânica no período da tarde e estudar até às 22h no colégio.

Não conhecia praticamente ninguém dos colegas com os quais estudaria à noite. Nos primeiros dias de aula, surgiu o pedido de se fazer um trabalho de complementação de carga horária em equipe, e o Delmar foi uma das pessoas que aceitou fazer essa atividade acadêmica comigo. Ele tinha cerca de trinta anos na época e, após alguns problemas pessoais, havia retomado os estudos para concluir o Ensino Médio.

Desde então, ele foi extremamente prestativo em todas as atividades que fizemos juntos naquele ano e no seguinte, quando terminamos esse nível de ensino.

Dentre as inúmeras atividades desse referido trabalho de complementação de carga horária, o qual tratou da preservação da água, precisamos nos reunir aos finais de semana, fomos à então Estação de Tratamento de Água do Tarumã – atualmente chamada de Museu de Saneamento – fizemos um teatro sobre a preservação dos recursos hídricos numa pré-escola do bairro e apresentamos uma síntese perante nossa classe.

Após mudar minha atuação profissional para a área administrativa desde meados de julho de 2001 e com o término do Ensino Médio, priorizei ingressar no Ensino Superior numa universidade pública e o Delmar manifestou o anseio de formar uma família, especialmente pelo fato de estar com mais de trinta anos de idade.

Apesar das grandes mudanças de rotina, em meados 2003 estive na cerimônia do casamento civil dele, posteriormente também fui convidado a ser o padrinho do primeiro filho dele – naquele momento, com cerca de 19 anos, recusei o convite, pois estava num turbilhão de atividades e não me senti em condições de assumir a função de educador na fé a qual é uma das incumbências do padrinho; lamentavelmente, a esposa dele abortou posteriormente – na sequência o casal se mudou para a região metropolitana de Curitiba e durante alguns anos perdemos o contato.

Por volta de 2013 reencontrei o Delmar e soube que ele havia retornado a morar no bairro Xaxim com a esposa e os quatro filhos. No ano seguinte nasceu o quinto filho deles e ele me relatou que estava passando por alguns problemas de saúde, uma sensação de cansaço que, a princípio, havia sido caracterizada como anemia. Meses depois ele recebeu o diagnóstico de leucemia.

Há cerca de dois anos, estive na casa do Delmar e ouvi os relatos sobre as dificuldades no tratamento. Então sugeri que ele contatasse o hospital oncológico referencial da cidade para tentar um transplante de medula óssea e melhorar as condições de saúde. Assim ocorreu e, no começo deste ano, ele me avisou que estava se preparando para esse procedimento cirúrgico, o qual foi cancelado durante o primeiro semestre devido à pandemia.

Outra informação que obtive desse meu amigo nos primórdios de 2020 foi a de que a esposa dele abandonou a casa, o enfermo crônico e os cinco filhos para assumir outra relação afetiva.

No último dia 01 de novembro, o Delmar me informou que seria internado na semana seguinte para iniciar a preparação ao transplante. Na manhã de 20 de novembro, ele me surpreendeu com uma chamada de vídeo diretamente das dependências do hospital, na qual relatou as dificuldades do procedimento, de toda a equipe envolvida ele era o mais otimista quanto ao êxito da intervenção cirúrgica; também mencionou que a luta pela sobrevivência dele estava inspirando até mesmo os colegas de trabalho da empresa de vigilância em que ele atuava; e destacou algumas lembranças da época na qual estudamos juntos no começo deste milênio, mencionando, também, algumas dificuldades e o costumeiro respeito comigo. De minha parte, tive a oportunidade de agradecer a colaboração e a amizade dele desde os primórdios dos anos 2000.

Em 23 de novembro, fui comunicado de que o transplante havia ocorrido com sucesso. Dois dias depois ele manteve contato avisando que estava em recuperação. Em 17 de dezembro, ao atualizar meu status num aplicativo de mensagens relacionando a prevenção à Covid-19 como uma questão de atitude, o Delmar se manifestou favoravelmente à ideia e também me avisou sobre as dificuldades na recuperação cirúrgica.

Durante a tarde de 25 de dezembro, ao enviar uma mensagem natalina ao filho mais velho dele, fui comunicado de que meu amigo havia recém-falecido no hospital, devido à rejeição do transplante de medula óssea.

Nas atuais circunstâncias, em que prevalece o individualismo, o materialismo, as amizades são descartadas até por causa de uma expressão facial mal compreendida ou uma vírgula escrita de forma inadequada, e muita gente sabota as medidas preventivas da doença pandêmica, me sinto privilegiado por receber a atenção desse meu amigo durante esses últimos vinte anos, inclusive no leito hospitalar, e por testemunhar que ele lutou até as últimas forças para sobreviver, apesar das inúmeras dificuldades.

Aproveito a ocasião, também, para manifestar minha solidariedade ao Hitalo, Heitor, Humberto, Hortência e ao Haryel, com os votos de que eles sejam acolhidos, tratados de forma digna e possam viver muitos momentos de felicidade e de alegrias.

“A vida é bela!”


Everton de Andrade