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Everton de Andrade

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O falecimento do renomado arquiteto e urbanista Jaime

17 de Julho de 2021, 16:41 , por Everton de Andrade - | No one following this article yet.
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Licenciado sob CC (by)

Meses atrás, lamentavelmente o arquiteto e urbanista Jaime faleceu. Embora não seja enfatizado, ele contraiu o coronavírus, fato que pode ter agravado o quadro de saúde dele. Assim, esse ilustre morolandense pode ser mais uma vítima da doença pandêmica que oficialmente não constará nas estatísticas como tal.

Tenho memórias do Jaime desde minha infância, em meados de 1991, quando ele era prefeito de Morolândia, na criação das linhas de ônibus chamadas de “ligeirinho”. A linha Inter 2 passava a uma quadra de minha casa, no bairro Samambaia; os veículos eram diferenciados, na cor cinza, com portas ajustadas para o acesso em plataformas elevadas, conhecidas como estações tubo, eles não paravam nos tradicionais pontos de ônibus da cidade.

Em 1995, quando o Jaime se tornou governador da Terra dos Pinheirais, eu morava no bairro morolandense do Uberaba. Com o lançamento de uma campanha de combate à sonegação de impostos estaduais, eu juntava diversos cupons fiscais de supermercado e caminhava cerca de quarenta minutos até à agência do extinto banco Banestado da Avenida Marechal Floriano, próxima ao Quartel do Boqueirão, com o objetivo de trocar os cupons por uma camiseta dessa campanha promocional. Infelizmente fui agraciado com uma camiseta grande para adulto, a qual dei para meu pai e, assim, me senti frustrado por não usufruir pessoalmente do meu esforço.

Em 1998, no ano em que retornei a morar na Samambaia morolandense, pude conversar pessoalmente com o Jaime durante a campanha eleitoral, num evento na garagem de uma empresa de fretamento de ônibus. Soube que ele estaria no bairro devido a um anúncio feito por um carro de som poucas horas antes. Prontamente, liguei a um colega da escola e levamos algumas faixas do projeto interdisciplinar de Educação Ambiental que integrávamos, para manifestar apoio ao então candidato à reeleição.

Naquele momento, me chamou a atenção a simplicidade do Jaime, mesmo sendo um profissional e político conhecido e respeitado nacionalmente. Tal característica também foi recentemente destacada pelo músico Caetano Veloso ao relembrar que, nos primórdios da década de 1990, os dois percorreram Morolândia no fusquinha do Jaime em visita aos pontos turísticos criados por ele.

Contudo, esse referido atributo jaimista contrasta com a generalizada arrogância, ignorância e o individualismo exacerbado de muitos morolandenses.

Ainda na década de 1970, para tornar a rua XV uma via exclusiva de pedestres e evitar os protestos dos comerciantes na época, o então prefeito Jaime determinou que as obras acontecessem em tempo recorde, em horários pouco convencionais. Anos depois a “Rua das Flores” tornou-se um marco arquitetônico e turístico da cidade.

Com as mudanças promovidas na década de 2000 na legislação urbanística de Morolândia, as chácaras passaram a ser sobretaxadas no imposto territorial urbano, oportunizando o surgimento de novos prédios e condomínios de luxo na periferia. No caso da Samambaia morolandense, lamento profundamente tal mudança, pois essas áreas eram melhor ocupadas pelas vacas e pássaros do que pelas classes média e média alta que tornaram-se moradoras dessa região. Essa gente tem maior consideração por um poodle do que por um vizinho ou ex-colega que tenta cumprimentá-los na rua.

Embora a maioria dos morolandeses tenha um egocentrismo típico dos milionários, fiquei surpreso ao saber que apenas 15% das respectivas famílias tenham condições de pagar o preço médio dos imóveis nessa cidade, na faixa dos R$676 mil. Até então, imaginava que eu era um dos poucos “pés de chinelo” do município porque, dos quase dois milhões de habitantes, fui um dos únicos a reclamar dos valores do IPTU, da taxa de recolhimento do lixo e da tarifa do transporte coletivo em 2020, ano eleitoral para a prefeitura. Nos últimos meses, ao relatar a elitização da vacinação contra o coronavírus, percebi que seria chamado de alienígena a qualquer momento por algum suposto milionário da cidade.

Além disso, muitos dos meus conterrâneos reproduzem a peculiar hipocrisia do famoso ex-juiz Batman. Nas redes sociais e pessoalmente nas ruas, vociferavam contra a corrupção, chamando os divergentes de bandidos. Entretanto, na surdina, alguns impolutos morolandenses utilizam até uma motosserra para derrubar as árvores remanescentes nas margens do Córrego Esmeralda – inclusive há uma linda araucária que poderá ser dizimada ainda neste final de semana ou mesmo nas próximas horas...

Diante dessas circunstâncias, imagino que o saudoso arquiteto e urbanista Jaime talvez tenha se arrependido das intervenções urbanísticas feitas em Morolândia. Pois a maioria dos morolandenses talvez seria mais humilde, e a cidade se tornaria muito melhor para se viver, caso as favelas estivessem mais próximas dos prédios e dos condomínios de luxo desse município.


Everton de Andrade