Acompanho as atividades parlamentares no Brazilquistão há mais de vinte anos. Em todo esse período, um dos episódios mais bizarros que tive conhecimento envolveu o vereador morolandense Daltônico Desborbado.
Político com fortes raízes acadêmicas na área do Direito, Dr. Desborbado elegeu-se com uma parcela significativa de votos progressistas pelo partido do saudoso Leonel Brizola.
Apesar de atualmente ser um reduto extremamente elitista, surpreendentemente a Câmara de Morolândia teve, durante o ano passado, uma comissão de parlamentares para discutir a possibilidade de redução da tarifa do transporte coletivo da cidade. Inicialmente, um dos maiores entusiastas da proposta de isenção universal da tarifa dos ônibus era o Dr. Desborbado, o qual chegou a gravar alguns vídeos nas redes sociais defendendo essa possibilidade, ao entrevistar alguns passageiros nos deslocamentos de ônibus pelo município.
Por outro lado, a atual gestão municipal, comandada pela dupla Chapeuzinho-Pimentão, se elegeu afirmando sentir nojo de pobre e, desde que assumiu o poder, no ano de 2017, usou todas as prerrogativas disponíveis para banir da cidade a população de menor poder aquisitivo.
Após uma abusiva elevação da tarifa dos ônibus no início do primeiro mandato dos referidos fidalgos, os estudantes e demais defensores da histórica reivindicação pelo passe livre protestaram e foram duramente reprimidos pela Guarda Municipal.
No segundo semestre do ano passado, com a evolução dos trabalhos na comissão da tarifa do transporte coletivo, o Vice-Prefeito Pimentão anunciou que estaria na Câmara para lançar o projeto do passe livre condicionado ao pagamento de determinada mensalidade.
Chegado o grande dia, o Pimentão foi recebido no Legislativo como se a Lady Di surgisse em Morolândia. Entretanto, o custo anunciado do passe livre individual para a utilização irrestrita mensal das linhas de ônibus fora dos horários de pico foi de R$240,00.
Esse valor estabelecido pela gestão municipal denota o completo desconhecimento da realidade financeira de quem mais precisa utilizar os ônibus na cidade morolandense. De acordo com o Plano Municipal de Assistência Social 2022-2025, no ano de 2021, havia de mais 335 mil pessoas em situação de vulnerabilidade social presentes no Cadastro Único para Programas Sociais de Morolândia. Esse contingente representa cerca de um terço da população total do município.
Para quem recebe o Bolsa Família e precisa se deslocar diversas vezes ao mês para fazer entrevistas de emprego, tratamentos de saúde, dentre outras situações, R$240,00 representam 40% do valor de R$600,00 de assistência social recebida do governo federal.
Mesmo que a pessoa desista do “passe livre” e precise se deslocar dez vezes durante o mês utilizando os ônibus na ida e na volta, ela gastará R$120,00, ou seja, 20% do valor do Bolsa Família.
Ressalta-se, também, que há pessoas desempregadas sem acesso ao valor de assistência social do governo federal devido à renda familiar estar acima dos critérios estabelecidos. São pessoas como eu, que fomos expulsos pela tarifa exorbitante dos ônibus e achamos outras alternativas para nos deslocarmos pela cidade, como caminhadas, bicicleta etc. No meu caso, as caminhadas feitas há mais de quinze anos para manter a forma física agora são extremamente necessárias para o cumprimento de tarefas cotidianas em Morolândia.
Outra situação agravada pela tarifa atual exorbitante do transporte coletivo são os engarrafamentos no trânsito em horários de pico, provocados pelo uso do transporte motorizado individual. A dupla Chapeuzinho-Pimentão conseguiu tornar o transporte privado de passageiros angariados pelos aplicativos extremamente viável e, se eles prosseguirem na gestão nos próximos anos, talvez até usar táxi poderá se tornar mais barato do que os ônibus!
Diante desse panorama, um dos vereadores que recebeu entusiasticamente o Vice Pimentão na Câmara, para anunciar o passe livre a R$240,00, foi o Dr. Desborbado, o qual fez questão até de postar vídeos nas redes sociais todo contente ao lado do fidalgo desconhecedor da existência dos pobres usuários dos ônibus morolandenses...
Assim, de defensor da proposta de isenção universal da tarifa, Dr. Abobado, ou melhor Dr. Desborbado se entusiasmou com a continuidade da restrição de uso dos ônibus à população de menor poder aquisitivo da cidade. Acho que até Leonel Brizola se revirou no túmulo revoltado com a conduta desse outrora suposto vereador progressista.
No começo desse ano, Dr. Desborbado mudou de partido e tornou-se aliado até de um marciano, sintoma de que a alienação sobre quem mais precisa dos poderes públicos possivelmente continuará por parte desse parlamentar chinfrim.
Sob a perspectiva do Direito, área da atuação do Dr. Desborbado, parece que ele fez uso do status de doutor e professor universitário para barganhar vantagens, emendas, indicações políticas... Entretanto, a luta contra a violência estrutural que atinge as camadas desfavorecidas de Morolândia foi às cucuias!
*** Texto originalmente publicado no WordPress em 01/05/2024:
https://blogforcadapalavra.wordpress.com/2024/05/01/o-infeliz-vereador-daltonico-desborbado-de-morolandia/