Gomercindo Silva nasceu num janeiro daqueles, 38 graus. Enquanto a mãe paria, o pai, ansioso, sorvia um chimarrão pra se acalmar.
Aos cinco anos numa “subida ao centro” com a mãe, foram até loja de pilchas. Ganhou uma bombacha cinza com favos de mel, mas gostou mesmo foi de um vestido de prenda lilás, estampado com flores miúdas.
Aos quatorze era fluente na leitura. A professora de artes estava selecionando alunos pra montar uma peça a ser apresentada na Semana Farroupilha. Gomercindo cismou que queria fazer o papel de Anita. Os colegas passaram a inticar com ele. A mãe e o pai começaram a frequentar o culto.
Aos dezoito saiu de casa, foi morar numa pensão. Aprendeu costurar com Lilica. Batendo máquina dia e noite juntou dinheiro pra operação de mudança de sexo. Aos vinte e um mudou, em La Plata, na Argentina.
Voltando ao Rio Grande do Sul, mudou de cidade, mudou de nome e abriu um atelier especializado em vestidos de prenda. Anita Silva criava, desenhava e costurava pra CTGs de todo Estado.
Num janeiro daqueles, não parou de admirar a primeira prenda da cidade quando experimentava o vestido, bem acinturado, criado especialmente para ela.
Namoraram, enfrentaram e venceram preconceitos, mas nos bailes ainda ouviam cochichos: onde se viu duas mulheres namorando.
Na primavera casaram. Anita Silva estava radiante, usava um vestido de prenda lilás, estampado com flores miúdas. Foi o primeiro casamento LGBTQIA+ do CTG
Ao final da cerimônia, abraçadas, se dirigiram à charrete decorada pelos amigos, carregando nos ombros a bandeira do Rio Grande, na qual Anita cuidadosamente bordou o lema: “Liberdade, Igualdade, Humanidade“.
Nandi Barrios
Conto de Nandi Barros publicado originalmente no Livro Entrevero Literário, do Nandi Barros, que pode ser acessado clicando aqui.