Mamãe Lúcia fez 90 anos no último dia 27, com celebração na igreja São Luiz, festa no Luizão de Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande do Sul, cercada pela comunidade e por oito dos seus nove filhos. O Irmão marista Antônio Cechin, falecido dia 16 de novembro, perto de completar 90 anos, deixou tristes militantes, sonhadores/as, lutadoras, companheiros/as do Profeta da Ecologia. As cinzas de Fidel Castro, falecido dia 25 com 90 anos, estão rodando toda Cuba, sob o olhar, o choro, a tristeza de gente do mundo inteiro, refazendo a Caravana da Liberdade de 1959, vitoriosa a Revolução, agora ao contrário, de Havana a Santiago de Cuba. São vidas mais que bem vividas. Mamãe foi agricultora familiar a vida inteira, criando nove filhos e, mesmo em tempos muito mais difíceis que os de hoje, todos completaram pelo menos o segundo grau. Ir. Antônio Cechin dedicou a vida inteira aos pobres e excluídos e à catequese libertadora. De Fidel, a melhor palavra é de Lula: “Para os povos do nosso continente e os trabalhadores dos países mais pobres, especialmente para os homens e as mulheres de minha geração, Fidel foi sempre uma voz de luta e esperança. Fidel era o maior de todos os latino-americanos.” São/foram vidas que se alongam/alongaram, vidas de dimensões obviamente muito diferentes, mas vidas que, por nove décadas, dedicaram-se aos outros, dedicaram-se a transformar o mundo, construíram esperança. Fidel falou em abril de 2016 no Congresso do Partido Comunista cubano: “Em breve vou completar 90 anos. Talvez seja a última vez que falo nesta sala. A hora chega para todos, mas ficam as ideias dos comunistas cubanos, como prova de que neste planeta, se trabalharmos com dignidade, podemos produzir os bens materiais e culturais que os seres humanos necessitam.” Para os da minha geração, os que começamos nos anos 1960/1970, Fidel, Che e os revolucionários cubanos eram a esperança e o futuro que sonhávamos para o Brasil, a América Latina, o mundo. Fidel disse: “Os homens passam, os povos ficam. Os homens passam, as ideias ficam.” É o nosso consolo, por um lado. É a nossa esperança, por outro, em tempos de tanta dor e intolerância. Parece às vezes que tudo o que Fidel, Che e os revolucionários cubanos fizeram desde os anos 1950 de pouco ou nada valeu. Mas quando olho para mamãe, seus noventa bem completados e sua vida, quando encontro os papeleiros e os profetas da ecologia do Ir. Antônio Cechin, quando vejo Cuba e seu povo altaneiro resistindo por décadas, sei que a vida tem ou pode ter sentido. E que é preciso lutar sempre, a vida toda, para que o sonho de uma sociedade onde se contribua “de cada um segundo sua capacidade” e se garanta “a cada um segundo sua necessidade” um dia se concretize. O sonho de uma América Latina com igualdade e justiça e de um mundo onde a solidariedade seja o valor maior não há de morrer, porque ‘os homens passam, os povos ficam, os homens passam, as ideias ficam’. E continuam nas mentes e corações de tantas e tantos que lutam por direitos, por democracia, por vida para todas e todos. Mamãe Lúcia, que quando escrevo está tomando chimarrão comigo, Ir. Antônio Cechin e Fidel Castro, este mais que ninguém, contribuíram para se manter a esperança e manter-se o sonho vivo. Cabe a nós todos e todas seguir em frente e torná-lo realidade. “Se trabalharmos com dignidade, podemos produzir os bens materiais e culturais que os seres humanos necessitam.” Hasta siempre, Comandante! Hasta la victoria! PS. Este texto/artigo já estava quase inteiramente escrito quando aconteceu a tragédia da Chapecoense, os mortos em sua maioria jovens, muito longe dos 90, com muita vida e história pela frente. Nesta Medellin de tanta história, onde, em 1968, aconteceu o Encontro do episcopado latino-americano que plasmou a opção pelos pobres neste continente de tanta injustiça ao longo de sua história e plantou as bases e raízes da Teologia da Libertação. Nesta Colômbia, que acabou de celebrar a paz sob as bênçãos de Raul Castro, depois de décadas de divisão entre FARC, sociedade e governo. Medellin e Chapecó deram uma demonstração impressionante da magia do futebol e sua capacidade mobilizadora na hora da dor, como fazem na hora do gol. Mas também, como disse uma vez o Che e diria de novo, deram um abraço coletivo de unidade latino-americana pela vida, pela paz, pela justiça, pelo diálogo e fraternidade entre os povos.
‘Fuerza, Chapecó’.
Selvino Heck
Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)
Em dois de dezembro de dois mil e dezesseis