Parceria garante doação de 50 máquinas para serem testadas em fazenda da UnB e assentamentos do MST
Demonstração de máquinas agrícolas durante a Exposição Internacional de Máquinas Agrícolas da China. Changsha, província chinesa de Hunan. Foto: Mauro RamosPor Mauro Ramos
Do Brasil de Fato | Enviado especial a Changsha e Hunan (China)
Cinquenta máquinas para agricultura familiar da China foram doadas ao Brasil mediante um acordo entre a Universidade de Agricultura da China (UAC), a Universidade de Brasília (UnB) e a Associação Internacional para a Cooperação Popular.
Máquinas como colheitadeiras, plantadeiras e adubadeiras, entre outras, serão testadas na Fazenda Água Limpa da Universidade de Brasília e em assentamentos do MST sob o Acordo de Cooperação para Testagem e Gestão de Máquinas Agrícolas da Residência Brasil-China de Ciência e Tecnologia.
A taxa de terras agricultáveis per capita da China é de 0.08 hectare, bem abaixo da média mundial. Para comparação, essa cifra no Brasil é mais de três vezes maior, de 0.27, segundo dados de 2021 do Banco Mundial. Junto à reforma agrária feita no início da República Popular da China – a partir de 1949 – , a baixa quantidade de terras agricolas impulsionou o desenvolvimento de máquinas para a pequena agricultura.
A cooperação atual envolve também a Residência Brasil-China de Ciência e Tecnologia, pela qual brasileiros estudarão na China e vice-versa.
O vice-presidente da Universidade Agrícola da China, Du Taisheng, afirma que essas parcerias têm a ver com o fato de Brasil e China terem questões em comum para responder em relação ao futuro.
“Quem vai cultivar no futuro?”, questiona Du, ao dizer que é uma preocupação central na UAC. Ele considera que a questão provavelmente também se aplica ao Brasil, já que as novas gerações podem estar menos inclinadas a se envolver em práticas agrícolas tradicionais e intensivas em mão de obra. “Sem modernização, a agricultura pode atrair cada vez menos pessoas ao longo do tempo”.
Recentemente, a Universidade de Agricultura da China realizou um evento como parte das celebrações dos 50 anos das relações diplomáticas entre Brasil e a República Popular da China, que contou com convidados de universidades, movimentos e funcionários do governo do Brasil.
Acordo de Cooperação para Testagem e Gestão de Máquinas Agrícolas da Residência Brasil-China de Ciência e Tecnologia, entre UnB, BaoBab e UAC. Pequim, China. Foto: Chen Juan
O embaixador brasileiro na China, Marcos Galvão, esteve presente na atividade. Ele afirmou que além da possibilidade de investimentos e cooperação com a reindustrialização brasileira, a cooperação na mecanização da agricultura familiar tem um importante aspecto social.
“Aumentaria não apenas a produtividade da Agricultura Familiar, que é uma base importante da alimentação de todos os brasileiros, mas também impactaria o bem-estar das famílias que se dedicam à agricultura familiar”, diz o embaixador.
A mecanização, diz o embaixador que ocupa o cargo desde 2022, torna o exercício da Agricultura Familiar muito menos sacrificado.
Fábricas e experiência de maquinário agrícola para o Brasil
A delegação brasileira também participou na China, da Exposição Internacional de Máquinas Agrícolas da China, de 26 a 28 de outubro em Changsha, China, a maior feira da Ásia.
“Nós estamos aqui pra tentar articulações pra que a gente consiga ou produzir alguma dessas máquinas no Brasil ou quem sabe ter um mecanismo de importação que possa essas máquinas chegar pra ampliar a produção de alimentos no Brasil”, disse o integrante do Setor de Produção do MST, Beá.
Para Débora Nunes, da Coordenação Nacional do MST, a feira, onde participam mais de duas mil empresas chinesas do setor, é um exemplo de como a China prioriza as políticas para a população camponesa do país. “Estamos aqui para poder conhecer as experiências das políticas para a agricultura camponesa”, diz Nunes.
A redução da penosidade do trabalho é uma das principais preocupações entre as organizações que estiveram presentes na China. Algo ainda mais preocupante no caso das camponesas nordestinas.
A mecanização na agricultura familiar brasileira pode ter um impacto positivo especialmente para as trabalhadoras rurais e camponesas da região Nordeste do Brasil, onde a taxa de mecanização está entre as mais baixas do país, com menos de 3%.
“Nós já nem falamos mais em dupla a jornada de trabalho, nós falamos em intensiva jornada de trabalho, porque você não consegue separar entre a casa e o roçado. Ao mesmo tempo que está plantando ou fazendo seus canteiros, está fazendo almoço ao mesmo tempo que você tá cuidando, embalando as crianças, você está cuidando das galinhas, da pequena pequena produção”, explica a militante da Marcha Mundial das Mulheres, Conceição Dantas.
Assim, olhar o exemplo de máquinas que fazem canteiros, colhem frutas, ou ajudam no processo de fertilização, “é fundamental para reduzir a dureza do trabalho das mulheres na roça”, diz Dantas.
A agricultura familiar como marco para os próximos 50 anos
A abordagem da China em relação à agricultura no país envolve cooperação científica entre pesquisadores, entidades de ciência e tecnologia e órgãos governamentais. Por outro lado, empresas são vistas como parceiras essenciais para o fornecimento e melhoramento do maquinário. O processo é feito em diálogo com os camponeses que produzem os alimentos e apresentam as demandas.
A leitura de ambos lados é de que parcerias deste tipo transformarão o caráter das relações Brasil-China no próximo meio século.
“Para os próximos 50 anos, acredito que estamos entrando em uma outra era de ouro”, diz Du Taisheng, que também afirma estar muito otimista em relação às perspectivas de cooperação China-Brasil nessa área.
Ele diz que sua universidade está comprometida em fortalecer os laços e a cooperação com as universidades brasileiras, empresas e comunidades rurais.
Débora afirma os intercâmbios estão sendo importantes, porque “historicamente a relação Brasil-China sempre se deu a partir das relações com o agronegócio, com esse modelo de agricultura que tem causado muitos problemas ao Brasil”.
“Nós acreditamos que os próximos 50 anos precisam ser na perspectiva de priorização, de fortalecimento da agricultura familiar (…) porque é a garantia de enfrentamento à fome e à desigualdade”, afirma a integrante da coordenação nacional do MST.