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Cresce número de Cidades com Passe Livre no transporte público no Brasil

7 de Outubro de 2024, 18:24 , por Luíz Müller Blog - | No one following this article yet.
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Até setembro de 2024, 136 cidades brasileiras já adotavam a tarifa zero, segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).

Em 116 delas, a gratuidade no transporte abrange todo o sistema, todos os dias da semana.

Nas outras 20, há tarifa zero em dias específicos, ou para beneficiários, linhas e bairros determinados.

O avanço da tarifa zero no país ganhou fôlego após a pandemia: até 2020, eram 42 cidades com passe livre no Brasil. Desde 2021, outras 94 implementaram a gratuidade — ou seja, o número mais do que triplicou em quatro anos.

Ao menos seis capitais já adotam a política, ainda que de forma parcial: Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC), Maceió (AL), Palmas (TO), São Luís (MA) e São Paulo (SP).

A tarifa zero se tornou uma solução para prefeitos e empresários do transporte coletivo, em meio à crise do setor, provocada pela queda no número de passageiros, agravada pela pandemia.

Solução para a perda de passageiros

Daniel Santini, pesquisador da tarifa zero e autor dos livros Sem Catraca: da utopia à realidade da Tarifa Zero (a ser lançado pela editora Autonomia Literária em 28 de setembro) e Passe Livre: as possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização (2019), aponta três motivos principais para o avanço desta política nas cidades brasileiras.

O primeiro deles, segundo Santini, é econômico, fruto da queda no número de passageiros em meio ao avanço do transporte individual e da “uberização”, mas também do modelo de financiamento do transporte público na maior parte das cidades brasileiras, baseado na remuneração por passageiro.

“Esse modelo já estava em crise antes da covid, mas, depois dela, a diminuição no número de passageiros se agrava”, diz Santini.

Quando os sistemas começam a perder passageiros, os empresários buscam aumentar o preço da passagem para compensar a perda de receita ou reduzem a frequência dos ônibus para reduzir custos, afirma o pesquisador.

“Quando isso acontece, mais passageiros são perdidos, porque as pessoas não querem andar esmagadas ou não têm dinheiro para pagar os valores mais altos. É um ciclo vicioso, que gera uma espiral de queda [no número de passageiros], o que vai minando a sustentabilidade do transporte público”, aponta Santini.

“Com isso, você começa a ter empresários não só favoráveis ao aumento do subsídio [valor pago pelas prefeituras para financiar parte do sistema de transporte público], como da tarifa zero.”

Isso porque a gratuidade para o cidadão implica no subsídio total da tarifa pelo poder público.

ônibus no terminal do Parque Dom Pedro II, em São Paulo‘Modelo já estava em crise antes da covid, mas depois dela, a diminuição no número de passageiros se agrava’, diz Daniel Santini, pesquisador da tarifa zero

Francisco Christovam, diretor-executivo da NTU, afirma que a ideia de que os empresários de ônibus se beneficiam com a tarifa zero é equivocada.

“Eventualmente, ela beneficia as empresas que estão instaladas no município [que adota tarifa zero], porque essas empresas não têm que fornecer mais o vale-transporte. As empresas de ônibus não se beneficiam, porque o subsídio não é para elas, quem são subsidiados são os passageiros, que têm a possibilidade de usufruir de um serviço público sem a necessidade de pagar tarifa”, argumenta o representante do setor empresarial.

“O custo do transporte tem de ser coberto, seja pelos usuários através do pagamento da tarifa, ou pela Prefeitura, quando ela decide trabalhar com tarifa zero. Então, dizer que tarifa zero beneficia empresa de ônibus é ledo engano, para não dizer, má-fé.”

‘Tarifa zero dá voto’

O segundo fator que explica o avanço da tarifa zero nas cidades é político, diz Santini.

“A tarifa zero é uma política que dá votos, porque ela resulta em muita adesão por parte da população”, observa o pesquisador.

Ele destaca como evidência disso o fato de serem poucas as cidades que reverteram a política depois de sua implementação, mesmo após mudanças de administração.

“Há uma taxa de manutenção superior a 96%. Isso mostra que é uma política de sucesso e muitos políticos — inclusive muitos que não são ligados ao campo mais progressista — perceberam isso.”

Um levantamento feito por Santini para seu novo livro mostra que, das 116 cidades com tarifa zero integral atualmente em vigor, a maioria é governada por partidos de centro-direita, direita e mesmo direita radical.

Um levantamento do Laboratório de Partidos Políticos e Sistemas Partidários da Universidade Federal do Paraná (UFPR) feito após as eleições municipais de 2020, e citado em reportagem do portal G1, estimou que partidos de direita comandam 82% dos municípios brasileiros desde a última eleição, superando por uma larga margem a esquerda (15%) e o centro (4%).

Por fim, o terceiro fator citado por Santini para o avanço da tarifa zero nas cidades é o papel da mobilização social das últimas duas décadas em prol da ideia de mobilidade como direito.

Impactos sociais

Um primeiro efeito observado por gestores municipais é um forte aumento na demanda pelo transporte público após a adoção da gratuidade.

“Aqui em Maricá, [a demanda] cresceu mais de seis vezes”, disse Celso Haddad, presidente da Empresa Pública de Transportes (EPT) de Maricá (RJ), em entrevista à BBC News Brasil em abril de 2023.

“Tínhamos em torno de 15 mil a 20 mil pessoas transportadas diariamente e, hoje, transportamos mais de 120 mil. A tarifa zero é um propulsor do direito de ir e vir, é muito avassaladora a diferença.”

A cidade fluminense iniciou seu projeto de tarifa zero em 2014, durante o mandato de Washington Quaquá (PT) na Prefeitura, financiando o modelo graças a um orçamento turbinado por royalties do petróleo — compensação recebida por municípios pela exploração do óleo em suas águas.

Ônibus vermelho gratuito da cidade de Maricá, em frente a uma Unidade de Saúde da Família, com operários vestidos em uniformes laranjas trabalhando em obra na calçadaTínhamos em torno de 15 mil a 20 mil pessoas transportadas diariamente e hoje transportamos mais de 120 mil’, disse o presidente da EPT de Maricá em 2023

Um segundo impacto apontado por gestores públicos é o aquecimento das economias municipais, com o dinheiro economizado nas passagens sendo destinado ao varejo e serviços locais, resultando em maior arrecadação de impostos para os cofres das cidades. E o maior acesso a serviços de saúde e bens culturais.

“É uma questão muito maior do que a de mobilidade. Existe a questão social, a de geração de recursos, porque, na hora em que eu implantei a tarifa zero, aumentou o gasto no comércio, a arrecadação de ICMS, de ISS”, relatou Josué Ramos (PL), prefeito de Vargem Grande Paulista (SP), que implementou a tarifa zero no município em 2019 devido à necessidade crescente de subsídios para o transporte.

Na cidade, a gratuidade é financiada por meio de um fundo, cujas principais receitas são uma taxa paga pelas empresas locais no lugar do vale-transporte, publicidade nos ônibus, locação de lojas nos terminais e 30% do valor das multas de trânsito.

“Existe também a questão da saúde: tínhamos 30% de pessoas que faltavam à consulta médica e esse índice reduziu, porque as pessoas não tinham dinheiro para ir à consulta. Então ajudou em todas as áreas. A tarifa zero, ao ser debatida, precisa levar em conta tudo isso.”

Ônibus com tarifa zero em Vargem Grande Paulista, na Grande São PauloTínhamos 30% de pessoas que faltavam à consulta médica e esse índice reduziu, porque as pessoas não tinham dinheiro para ir à consulta’, diz prefeito de Vargem Grande Paulista

A proposta de criação de um Sistema Único de Mobilidade (SUM), baseada no exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS), foi apresentada pela hoje deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) na PEC 25/2023.

“Essa PEC nacionaliza a tarifa zero, tornando-a uma política pública nacional, financiada por meio de recursos dos municípios, Estados e União. Essa é hoje nossa bandeira”, diz Santarém.

Para Santini, que estudou em seu mestrado a experiência da tarifa zero em Mariana (MG), a nacionalização da política seria equivalente a um “novo Bolsa Família”.

“Cruzando dados do CadÚnico [cadastro de famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza] com o número de viagens geo-referenciadas, para identificar onde houve o maior aumento do uso do transporte público [com a tarifa zero em Mariana], fica evidente que houve um aumento expressivo nos bairros mais pobres, em linhas que conectam às regiões centrais, onde estão os equipamentos de saúde, de cultura e os empregos”, diz o pesquisador.

“Então, com a tarifa zero, há uma redução da segregação que marca nossas cidades e um aumento da possibilidade de pessoas pobres alcançarem serviços essenciais. É uma ferramenta clara para redução da desigualdade social, com potencial para ter impacto como um Bolsa Família.”

Com Informações da BBC Brasil


Fonte: https://luizmuller.com/2024/10/07/cresce-numero-de-cidades-com-passe-livre-no-transporte-publico-no-brasil/

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