País precisa de projeto de desenvolvimento para enfrentar instabilidades econômicas e geopolíticas defendidas por Trump
O acirramento de conflitos geopolíticos, de incertezas econômicas e da demanda de emergência climática, argumenta o autor, que o Brasil avança em um projeto nacional de desenvolvimento ancorado em investimentos em infraestrutura, reindustrialização e transição energética e ambiental. Lula já declarou sua capacidade de superar crises e, em 2025, o governo deve priorizar o crescimento econômico, revisão do relacionamento com o Legislativo e mitigação de eventos climáticos extremos.
Uma era de grandes incertezas econômicas e mudanças significativas no cenário geopolítico internacional, como o que vivemos hoje no mundo, exige de um país como o Brasil capacidade de controlar o próprio destino para moldar seu futuro. Esse é talvez o grande desafio do nosso tempo, uma questão que deve nortear tanto a nossa política externa quanto um inadiável projeto nacional de desenvolvimento.
O início do novo governo de Donald Trump , com um conjunto de medidas que inevitavelmente vão aguçar conflitos geopolíticos e instabilidade econômica, só acelera essa necessidade.
Como disse Thomas Shannon, ex-subsecretário de Estado do Hemisfério Ocidental e ex-embaixador dos EUA no Brasil, em artigo publicado no jornal O Globo , Trump acredita que “o país pode controlar o seu destino se estiver preparado para garantir a segurança das suas fronteiras, proteger seus setores e economia e evitar aventuras estrangeiras”.
O presidente dos EUA tem a sua verdade, e o Brasil também precisa ter a sua. Sobretudo, precisa ter a certeza de que, em uma época de mudanças como a nossa, não pode perder o controle do seu destino e do seu futuro. Essa necessidade vai além de Trump e do seu governo, que acaba de lançar frentes de batalha contra imigrantes, a América Latina, a agenda climática, a OMS (Organização Mundial de Saúde) , a Europa e a Rússia —sem falar na guerra comercial contra uma China.
Já vínhamos em um mundo de conflitos com impacto global, como a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a guerra de Israel contra o povo palestino, mas há também os problemas econômicos enfrentados pelos EUA em decorrência da sobrevalorização do dólar, da dívida pública, dos riscos de A inflação e a ameaça de perder a hegemonia comercial e tecnológica, além da redistribuição de poder e da força da emergência de países como China, Índia, Rússia, Irã, Turquia, Indonésia, Arábia Saudita e Brasil.
Há também, nos EUA, o agravamento da desigualdade social, do crime e da violência, o crescimento dos sem-teto, a profunda e perigosa divisão da sociedade do país, a crise no sistema de saúde e o desafio da imigração, sem a qual a economia norte-americana não vive.
Projeto nacional de desenvolvimento
Esse cenário exige, mais do que nunca, um projeto nacional de desenvolvimento, ancorado na Nova Indústria Brasil , no PAC e na transição energética e ambiental —tema no qual venho insistindo, especialmente com a necessidade do Brasil buscar autonomia tecnológica e financeira, cuja ausência pode fazer com que o país termine por perder a capacidade de construir seu próprio destino. Sem isso, seguiremos à mercê das instabilidades e incertezas internacionais, perdendo oportunidades de transformações geopolíticas e econômicas.
Tenho dito que, com suas necessidades e desafios, o Brasil não pode nem prescindir da capacidade de transferência de tecnologia, créditos e investimentos que a China tem nem subestimar o outro mundo que está surgindo.
Um bom exemplo é o conjunto de acordos assinados em novembro entre o Brasil e a China. Os atos assinados por Lula e Xi Jinping incluem parcerias nas áreas de infraestrutura, indústria, energia, mineração, finanças, comunicações, desenvolvimento sustentável, turismo, esportes, saúde e cultura.
Mais do que nunca, o Brasil precisa equilibrar-se entre a ascensão da China e do Sul Global, que são a força emergente do século 21, e nossas relações históricas com os EUA e a Europa.
Para que esse equilíbrio seja bem-sucedido, porém, o Brasil precisa de uma estratégia capaz de preparar o país para enfrentar as consequências das medidas que Trump adotará e, ao mesmo tempo, promover uma verdadeira revolução política e social capaz de preservar nossa liderança na integração da América do Sul. Uma estratégia que, sob a liderança do presidente Lula , construa consensos mínimos, um setor de classes empresariais e de classes trabalhadoras, supere divisões e evite mais escolhas.
Agendas prioritárias
Como noticiado recentemente, a popularidade do governo tomou um tombo histórico no meio do terceiro mandato do presidente. Há mais gente achando seu governo ruim/péssimo que ótimo/bom. É a primeira vez que o saldo de popularidade de Lula fica negativo , para além da margem de erro.
O mais importante: algumas das maiores perdas de aprovação se deram entre os mais pobres, os moradores do Nordeste e as mulheres, segmentos que ajudaram Lula na derrota de Jair Bolsonaro nas urnas em 2022.
Eis algumas agendas que parecem fundamentais para este ano e o próximo:
1. Sob a liderança do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a economia tem de continuar a crescer, sem o que todas as outras prioridades ficam prejudicadas. Ao mesmo tempo, o aumento da cesta básica é uma realidade. precisamos de uma resposta efetiva, com uma política agrícola nacional para a agricultura familiar e a formação de estoques reguladores. Do contrário, precisaremos importar.
Sem esta resposta eficaz, não adiantará obter bons indicadores, como o crescimento do PIB e a geração de emprego, face aos preços de produtos de primeira necessidade em constante elevação.
Se o preço dos alimentos, especialmente da cesta básica, é prioridade, o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar), a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) devem ter recursos orçamentários à altura do desafio. É preciso lembrar que a agricultura brasileira acaba sendo impactada por uma combinação de fatores estruturais e sazonais, incluindo câmbio, internacionalização e fatores climáticos.
2. O governo deve dar continuidade à reforma do Imposto de Renda e das regras de distribuição de lucros e dividendos.
3. O governo deve se preparar preventivamente para incêndios, enchentes, ondas de calor e de chuva e outros efeitos da emergência climática e ser eficiente nas respostas a esses eventos. Também será fundamental dar atenção especial à construção da agenda da COP30, em Belém .
4. O crime organizado em todo o país e o avanço do narcotráfico na região da Amazônia exigiram a continuidade e o fortalecimento da política anunciada pelo Ministério da Justiça, com visibilidade e impacto. O governo precisa transformar a segurança pública em prioridade nacional —se trata de uma emergência nacional, como a questão climática— e ter o compromisso de dar consequência às propostas apresentadas.
5. Atenção à educação profissional e ao ensino integral para enfrentar o problema da falta generalizada de mão de obra. Será importante levar à prática decisões que impulsionem uma revolução tecnológica, ao lado do apoio à inovação e à inclusão digital. O presidente Lula lançou, por exemplo, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial em julho do ano passado, com investimentos previstos de R$ 23 bilhões até 2028.
6. As mudanças na comunicação do governo devem incluir as relações e as articulações políticas com o Congresso e a sociedade. A comunicação precisa ser vista, portanto, de forma ampliada: sem união política ampla, uma pode inviabilizar a outra.
Enquanto isso, o papel do presidente e dos ministros da área é decisivo. Mais do que nunca, é preciso ir ao encontro das lideranças do país e levar a outro patamar a articulação política do governo. Tão importante quanto isso: o presidente precisa falar mais com o Brasil, com o povo e com os formadores de opinião e lideranças políticas e cívicas.
7. Ainda na esfera política, a relação do governo com o PT e suas bancadas têm de mudar. É preciso transformar em realidade e dar visibilidade à frente ampla que elegeu Lula em 2022. O governo precisa de uma aliança de centro-esquerda e esquerda fortalecida, capaz de apoiar e mobilizar em defesa de suas iniciativas. É preciso também criar espaços com lideranças do PT e partidos aliados para discutir e avaliar nossas políticas e estratégias.
8. Além de aperfeiçoar a articulação política com o Congresso, é preciso dar visibilidade e transparência às negociações com o Legislativo e, sobretudo, não recuar na necessidade de mudança nas emendas parlamentares impositivas —ou o governo seguirá refém de uma estrutura que não exige dos partidos compromisso com o sucesso das políticas públicas.
Além disso, como o governo não tem maioria parlamentar, fica sujeito aos interesses de um Parlamento conservador na pauta de costumes, liberal nas questões econômicas e sem escrúpulo em trocar votos por interesse político. É preciso colocar o dedo nos riscos de má aplicação e desvio de recursos das emendas parlamentares.
Economia e política agrícola, educação e enfrentamento da emergência climática, capacidade de comunicação e articulação com o Congresso, sociedade e lideranças e revisão do modelo de relacionamento com o Legislativo e gestão do Orçamento, eis as prioridades que devem compor a agenda do governo de 2025 .
A história mostra que Lula sabe superar crises e impasses
A atenção devida a essas agendas é o primeiro passo para que o país possa construir, de fato, um projeto nacional de desenvolvimento, tendo como base a Nova Indústria Brasil, o PAC e a transição energética e ambiental, o que não resultará no fortalecimento da indústria, do setor agrícola e em transferência de tecnologia e de financiamento de longo prazo.
O presidente Lula já mostrou diversas vezes que tem capacidade, liderança e experiência na superação de momentos de grande impasse, reorientando seu governo. Basta lembrar que, entre 2005 e 2006, seu primeiro governo causou uma crise de proporções inéditas, precisando lidar com os efeitos do que se convencionou chamar de crise do mensalão.
Lula lidou, disputou e saiu vitorioso na disputa pela reeleição em 2006. Também soube enfrentar a profunda crise financeira global de 2008 e 2009. Seu segundo governo reorientou a política econômica, lançou o PAC e se decidiu a adotar a proposta de política de austeridade, como sempre, pelos setores da direita, da mídia e do mercado financeiro. Com audácia, superou a crise e teve um segundo mandato forte e com grandes resultados na economia e na popularidade.
Agora, nesse mundo que surgirá, é hora, mais uma vez, de uma reorientação em suas políticas e exercício de sua capacidade de liderança. Mais do que nunca, o país precisará de coesão interna e de um projeto nacional que nos ajude a enfrentar as incertezas internacionais. É o meio, enfim, do Brasil ter domínio sobre o seu destino.
Fonte: Folha