O editorial do Estadão de 1º/12/2023 retomou com toda a energia a crítica à ambição brasileira de adentrar no seleto grupo de países capazes de atuar no mercado de semicondutores, fonte de disputas geopolíticas pelas quais superpotências prometem ir às últimas consequências em defesa do domínio ou acesso às cadeias globais de produção de chips. Para quem lê, a impressão é que os redatores do editorial se aconselharam com o ex-presidente da República, ou o seu defensor local, Sebastião Melo. O primeiro, responsável pela tentativa frustrada de liquidar a empresa. O segundo, prefeito da cidade onde a empresa está instalada, incapaz de se mover em defesa desta que é a joia da microeletrônica brasileira, gaúcha e porto-alegrense.
Convém explicar que a “doação” da fábrica da Motorola, instalada no Texas (EUA) até o final dos anos 1980, foi resultado de uma articulação para a qual concorreu a ação da PUCRS, Unicamp e USP, universidades formadoras de mão de obra recrutada por fabricantes de semicondutores nos EUA. Considerando objetivos políticos estratégicos de empresários e policy makers norte americanos, a eles interessava dotar o Brasil, país com tradição na produção industrial microeletrônica no quadro dos anos 1970 e 1980, de uma fábrica de solução completa (projeção, fabricação e comercialização). O objetivo desta meditada ação política era construir o chamado chip latino americano. Eles ofereciam uma planta básica, o Brasil faria as adequações, upgrades, para que a boa e bem formada geração de engenheiros brasileiros pudesse integrar a cadeia de produção global do promissor mercado de semicondutores.
A fábrica da Motorola foi disputada por São Paulo e Rio Grande do Sul. A “escolha gaúcha” foi produzida a partir de uma intensa articulação interinstitucional, liderada pela PUCRS e UFRGS, além da participação da Prefeitura de Porto Alegre e Governo do Rio Grande do Sul. De importância decisiva para instalação da fábrica e sensibilização do Governo Federal para comprar a ideia foi a existência do Porto Alegre Tecnópole, uma estratégia de desenvolvimento focada na validação de ativos locais como recursos para alcançar desenvolvimento econômico em bases tecnológicas. Nessa época, a Democracia Participativa, as contas públicas no azul e com recursos substanciais para realização de investimentos em infraestrutura, caracterizavam uma cidade reconhecida nacional e internacionalmente como a capital da qualidade de vida. São ativos deste tipo que realmente importam quando se fala em “crescer inovando”, o resto é conversa fiada.
As atividades do CEITEC iniciaram de fato em 2009 e foram interrompidas em 2020. Nesse período, o empenho de recursos alcançou valores de 856 milhões de reais (Relatório de Gestão, 2020). Apesar de caminhar paulatinamente para autossuficiência em termos econômico-financeiros, a empresa foi sabotada pelo Governo Bolsonaro, como forma de suprimir da história anos de investimentos do Estado brasileiro para que o País pudesse chegar mais próximo da fronteira tecnológica no mercado de semicondutores. A esse respeito, convém informar que não há fábricas de solução completa em semicondutores, sem apoio direto de fundos soberanos ou recursos do tesouro, onde quer que estas empresas estejam: Intel (EUA), TSMC (Taiwan), Samsung (Coréia do Sul) ou SMIC (China), todas prescindem de mobilização intensiva de capital. Bilhões de dólares.
A abordagem brasileira para o tema, de fato, carece de capital intensivo, mas de maneira nenhuma se pode abandonar uma estratégia consistente para integrar o País nestas cadeias globais de produção. Nós possuímos universidades de “classe mundial” e, até por este motivo, as grandes fabricantes de semicondutores recrutam mão de obra brasileira. Talvez esta realidade conforte aqueles que possam vir a sofrer do famoso “complexo de vira-latas”.
Nosso entendimento, assim como o do presidente Lula, é outro: um país como o Brasil tem obrigação de possuir o conhecimento de toda a cadeia produtiva, e para isso trabalharemos duramente para a solução relacionada ao volume de investimentos, levantando todas as hipóteses de parceria estratégica, para assim alcançar o desenvolvimento econômico e social fundamentado na necessária soberania tecnológica brasileira. É por estas razões que a reativação do CEITEC veio em boa hora e seu fortalecimento, que irá beneficiar Porto Alegre, o Rio Grande do Sul e o Brasil, é o próximo passo.