Com informações do CONJUR
É lícita a autorização para importação de sementes, plantio, cultivo, industrialização e comercialização da maconha para fins medicinais. Essas atividades poderão ser exercidas por empresas brasileiras a partir de uma regulamentação que deverá ser editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela União em até seis meses.
Essa conclusão é da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que fixou tese vinculante sobre o tema em julgamento ocorrido nesta quarta-feira (13/11). A conclusão foi unânime, conforme a proposta da ministra Regina Helena Costa.
O resultado, histórico, avança sobre uma morosidade regulatória que impede o acesso da maioria da população a remédios à base de canabidiol, hoje disponíveis apenas via importação, e com altos custos.
Esse é um dos motivos que têm levado a uma explosão de pedidos de Habeas Corpus para que os próprios pacientes plantem maconha e produzam caseiramente o remédio sem o risco de serem presos com base na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).
O processo julgado pela 1ª Seção, em vez disso, tratou da autorização sanitária para importação e cultivo de variedades de cannabis que, embora produzam o tetrahidrocanabinol (TCH), substância responsável pelo efeito psicoativo da planta, contam com ele em baixas concentrações.
Essas mesmas variedades são as que geram altos índices de canabidiol ou de outros canabinoides e podem ser usadas para produção de medicamentos.
A conclusão foi de que, se a planta produz THC de até 0,3% de concentração, não tem substância psicotrópica capaz de causar dependência e, com isso, não se enquadra na definição de drogas feita pela Lei 11.343/2006. Com isso, nada impede o Judiciário e o Executivo de conceder autorização para importação de sementes, plantio e produção desses remédios em solo nacional.
Será preciso, no entanto, que a União e a Anvisa atualizem a regulamentação sobre o tema. Para isso, o colegiado deu prazo de seis meses, a ser contado a partir da publicação do acórdão.
Ganhou, tem que levar
A 1ª Seção definiu a tese em sede de incidente de assunção de competência — uma previsão do Código de Processo Civil que permite a formação de um precedente qualificado a partir de um único caso cuja questão de direito seja relevante e de grande repercussão.
Ninguém divergiu da posição da relatora quanto à autorização sanitária para a produção da maconha medicinal no Brasil, embasada por audiência pública sediada pelo STJ e por uma miríade de dados, normativas e jurisprudência citadas.
A discussão foi quanto ao prazo imposto à Anvisa e a União para regulamentar a questão. Inicialmente, ela propôs não fixa-lo, no que definiu como “um voto de confiança”.
Isso porque há notícia de que ministérios do governo federal e a própria Anvisa estão realizando estudos para atualizar essa normativa. Ela considerou, também, como a questão vem evoluindo no marco regulatório de forma paulatina recentemente.
Para a ministra Regina Helena, ficaria até difícil prever um prazo: ele envolve a conclusão desses estudos e a produção de resultados, o que implica o empenho de recursos humanos e financeiros. Não é uma missão simples.
Nesse ponto, cinco ministros divergiram. A posição geral foi de que, se não se fixasse um prazo, haveria uma situação de “ganha, mas não leva”. Não haveria nem como cobrar o descumprimento da decisão do STJ.
Votaram assim Paulo Sérgio Domingues, Afrânio Vilela, Teodoro Silva Santos, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina. Com isso, a ministra Regina Helena e o ministro Francisco Falcão aderiram à proposta.
Jogo de empurra
A posição firmada pela ministra Regina Helena Costa partiu de uma conclusão principal no sentido de ser errônea a regulamentação existente feita pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde, a partir de uma equivocada interpretação ampliativa.
Em suma, tratou-se do tema sempre como uma questão vedada de forma absoluta pela Lei de Drogas, apesar de serem conhecidas variedades da maconha que, por produzirem tão pouco THC, sequer teriam poder de causar dependência, como define a norma.
Isso gerou, ao longo dos anos, um jogo de empurra no governo. A Anvisa até passou a admitir a importação do canabidiol. Mas, sempre que precisou regulamentar o plantio no país, declarou a competência do Ministério da Saúde, que simplesmente nunca se interessou.
“A deficiência de regulamentação impede o desenvolvimento de um setor que poderia oferecer terapias de baixo custo, além de gerar emprego e fomentar pesquisa, aspectos que mostram a falha estatal no cumprimento do direito a saúde”, disse.
Como a Anvisa vai fiscalizar
Se é lícita a autorização sanitária para produzir a maconha medicinal no Brasil, caberá a União regulamentar e fiscalizar seu cumprimento. Para isso deve definir diretrizes destinadas a obstar o desvio dessa possibilidade ou a destinação indevida das plantas.
O voto traz algumas sugestões. A entidade pode impor, por exemplo, a rastreabilidade genética da maconha, restrição do cultivo em determinadas áreas, a obrigação do plantio indoor ou limitar qualitativamente as possibilidades.
E, para garantir a idoneidade das empresas habilitadas a produzir o medicamento, exigir cadastramento prévio, a regularidade fiscal trabalhista, a falta de anotações criminais de seus empregados e outros, de modo a garantir a segurança da cadeia produtiva e comercial.