O ditador tem duros olhos azuis
7 de Setembro de 2016, 0:00
A redação de um grande jornal - sim, já tivemos isso no Brasil! - é um minimundo, onde se encontram pessoas de todo o tipo - mas todo o tipo, mesmo.
No hoje agonizante Estadão, por exemplo, durante um certo tempo um dos herdeiros da dinastia mesquitiana frequentava a redação, talvez para matar o tédio, talvez para pegar gosto pela profissão - algo que não aconteceu, pois ele se sentia mais à vontade entre cavalos e éguas que fazem a festa dos endinheirados nos jóqueis-clubes da vida.
Um belo dia, se aproximou de alguns empregados e puxou prosa. Contou que tinha ido, em viagem de negócios, ao Chile, e que ficara encantado com o país.
- Comi num restaurante com garfo e faca de prata - disse. Serviço sem igual.
As ruas eram limpíssimas, bem diferentes da imundície de São Paulo, relatou. As pessoas, ordeiras e educadas. Outro mundo.
Mas o que realmente o impressionara na viagem havia acontecido durante a cerimônia principal do evento de que participara.
Um senhor evento, que contara com a presença, vejam só, do general Augusto Pinochet, na época ainda o manda-chuva do Chile.
- Nunca vi coisa igual. Que homem! Ficou sentado na mesa principal, mais de meia hora ouvindo um discurso, sem mover um músculo. E o seu olhar, então! Impressionante! Duro, fixo num ponto da sala, sem se desviar um instante!
E arrematou, pouco antes de um telefonema o chamar para a sua sala, longe do barulho da redação:
- Vocês sabiam que ele tem olhos azuis?
É isso.
Quem possui a capacidade de notar que o ditador tem olhos azuis é mesmo especial. (Carlos Motta)
Democracia à moda grega é solução
6 de Setembro de 2016, 0:02 - sem comentários aindaEu gostaria de dizer que não resolveremos os nossos problemas até que reformulemos a forma com que fazemos a nossa democracia.
Direita e esquerda decorrem de posicionamentos sociais após o surgimento do conceito de democracia representativa e formação dos estados modernos.
Para superar essa dicotomia chula teremos de voltar a fazer democracia à moda grega: cargos sorteados e curtos. Se possível, 4 meses. Mas duração não é uma medida precisa, pode ser um pouco mais duradoura.
Só que não podemos mais tolerar a política como uma profissão que gera status e financia gente irresponsável com discursos demagógicos. É muito melhor para nós como sociedade que os cargos exercidos tenham executores escolhidos mediante sorteio. A cidadania é um direito de todos, política deve voltar a ser uma atividade individual participativa de cada cidadão, que deve interferir nos debates públicos.
Um golpe para destruir um país
6 de Setembro de 2016, 0:00
O golpe de 2016 é muito mais sério do que muitos imaginam, com repercussões de incomensurável gravidade, pois, afinal, ele tem como objetivo destruir tudo o que se fez para trazer o Brasil à civilização, depois que ela foi sepultada pelo golpe de 1964.
Os golpistas não querem apenas o poder pelo poder, ou o poder político, ou o poder econômico, ou o poder para assaltar os cofres públicos.
Eles querem mais - e vão avançar implacavelmente nessa direção.
Eles querem reduzir a pó o esboço de Estado de bem-estar social que os trabalhistas tentaram erguer desde o primeiro governo Lula.
No Brasil deles não cabe a proteção social, a equidade entre as relações trabalhistas, a atuação do Estado para a correção e controle dos desmandos do "mercado", a regulação da atuações dos diversos setores da economia, impedindo a formação de monopólios e cartéis.
No Brasil sonhado por eles haverá uma clara divisão de classes, que pode ser, sinteticamente, reduzida ao binômio Casa Grande - Senzala.
O Brasil deles comportará um mercado consumidor de 20 milhões a 30 milhões de pessoas, pouco mais de 10% da população - como era antes de 2003.
No Brasil deles os direitos das minorias serão esmagados, a cidadania será reduzida a uma noção abstrata para a quase totalidade dos habitantes, o controle da mídia será ainda mais fortalecido pelo cartel que a domina, as seitas religiosas evangélicas aumentarão seu domínio das mentes dos pobres coitados - e a incipiente democracia que o país viveu nos últimos anos será cada vez mais uma lembrança
A articulação da oligarquia para executar o golpe foi um processo lento, caro, e muito bem executado.
A primeira fase, essa de consolidação da ditadura, está quase concluída.
A segunda fase, de exterminar as principais lideranças políticas e sociais do campo progressista, e até mesmo o seu principal partido, o PT, ainda merece mais empenho.
Não há, pelo menos agora, no horizonte, nada que indique a reversão rápida desse quadro.
E, quando um dia isso ocorrer - se ocorrer -, o trabalho para recuperar todas as ruínas do país será longo, muito longo. (Carlos Motta)
A festa está bonita, mas cadê o Lula e a Dilma?
5 de Setembro de 2016, 0:00
Alguns poucos políticos do campo progressista participaram das manifestações contra o governo golpista deste domingo.
Uma pena que isso tenha acontecido, pois justamente neste momento em que os atos de protesto crescem, é que eles ganhariam ainda mais relevância se deles estivessem participando protagonistas da política como o ex-presidente Lula e a própria presidenta Dilma, por exemplo.
A festa antigolpe tem sido bonita.
Mas precisa se ampliar ao máximo, render notícias, arrebanhar mais corações, aumentar sua base de apoio - tudo para deixar os golpistas de plantão encurralados, sem opções a não ser atender ao pedido das multidões ou impor, definitiva e claramente, uma ditadura no país.
E para que isso ocorra é necessário que se faça uma agenda mínima de manifestações, com a presença de senadores, deputados, vereadores, líderes sindicais, estudantis e de associações de classe.
O maior líder político brasileiro, o ex-presidente Lula, tem de ser presença obrigatória nos atos principais, assim como a presidenta Dilma e todos os outros parlamentares da centro-esquerda.
O movimento antigolpe, que deverá crescer cada vez mais, é um ato eminentemente político - e fora do campo político não haverá salvação para o Brasil.
As ruas, tomadas de jovens, têm dado o recado para os coveiros da democracia.
A centro-esquerda brasileira, principalmente os partidos políticos que a compõem, não deveriam cometer o mesmo erro de 2013, quando, por temor, desinformação, negligência ou simples comodismo, deixaram as manifestações virarem "contra tudo o que está aí", ou seja, contra nada.
Hoje o alvo é muito definido: os inimigos são bem mais visíveis e, portanto, mais fáceis de combater. (Carlos Motta)
O universo paralelo
19 de Agosto de 2016, 0:00O Brasil é o país do faz de conta.
Vivemos na terra onde a ilusão esconde a realidade, a mentira se impõe como norma e a hipocrisia se apresenta como virtude.
Nada é o que aparenta ser.
Ninguém é racista.
Rejeitamos qualquer forma de discriminação e de preconceito.
Todos amam todos.
O melhor sempre vence.
Praticamos a meritocracia.
O trabalho compensa.
A religião nos torna seres humanos melhores.
Temos leis para tudo.
Obedecemos as leis.
Somos um povo cordial.
Respeitamos o diferente e encorajamos a diversidade.
Temos uma Constituição progressista, inclusiva e cidadã.
A corrupção nunca é nossa, é sempre do outro.
Nossas instituições se acham em pleno funcionamento.
A imprensa é livre e independente.
Os meios de comunicação têm uma forte função educativa.
Os empresários estão comprometidos em exercer a sua função social.
O futuro só depende de nós. (Carlos Motta)