As diplomatas do Sul Global, entre elas a brasileira Bertha Lutz, tiveram papel essencial nas Nações Unidas desde sua concepção, em 1945, inclusive nas negociações do primeiro acordo internacional a mencionar a igualdade de gênero como direito humano fundamental: a Carta da ONU.
De acordo com estudos acadêmicos recentes, as delegadas mulheres dos países em desenvolvimento tiveram papel significativo em garantir que a Carta fizesse menção à igualdade de gênero. Elas eram apenas quatro dos 850 delegados que assinaram o documento histórico que criou as Nações Unidas na Conferência de San Francisco 73 anos atrás.
Evento na sede da ONU em Nova Iorque na terça-feira (22) lembrou o legado dessas diplomatas, com a presença das pesquisadoras Elise Dietrichson e Fatima Sator, da Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS, na sigla em inglês), da Universidade de Londres.
Pesquisa feita por elas mostrou que não apenas as latino-americanas foram responsáveis pela menção à igualdade de gênero na Carta da ONU, como haviam enfrentado forte oposição de diplomatas norte-americanas e britânicas.
“As atas da conferência de 1945 mostram a contribuição essencial para a igualdade de gênero por parte das delegadas Bertha Lutz, do Brasil, Minerva Bernardino, da República Dominicana, e da senadora Isabel de Vidal, do Uruguai, e assessoras de México, Austrália e Venezuela”, disse Elise Dietrichson durante o evento.
Você sabia que a inclusão da #igualdade de gênero na Carta da ONU foi fruto da insistência da brasileira #BerthaLutz?
Diplomata foi lembrada em evento na ONU.
Assista ao vídeo sobre Lutz produzido pelo @UNICRio e exibido em NY: https://t.co/uEfy35rA5ihttps://t.co/RNNDusYB4T
— ONU Brasil (@ONUBrasil) 23 de maio de 2018
Inspiring event at @UN Headquarters honoring #SouthernWomen ‘s contribution to the foundation of the #UN! #GlobalGoals #genderequality #WomenEmpowerment #BerthaLutz @IndiaUNNewYork @PakistanUN_NY @ColombiaONU @SAMissionNY @SOAS @Stockholm_Uni pic.twitter.com/ci99WWAAMJ
— Brazil Mission UN (@Brazil_UN_NY) 22 de maio de 2018
“Essas mulheres foram classificadas como feministas ‘extremistas’ por lutarem pelo que hoje consideramos garantido, o explícito reconhecimento dos direitos das mulheres na ONU”, completou a pesquisadora, lembrando que no rascunho original da Carta da ONU não havia menção aos direitos das mulheres.
Elise lembrou que Bertha Lutz, Minerva Bernardino e Isabelle de Vidal deram importantes contribuições à Carta da ONU, apesar de essa história ser frequentemente esquecida. “Tirar as mulheres da história é problemático porque contribui para sua subordinação, ao não levar sua agenda a sério”, declarou.
Bertha Lutz participa de discussões durante a Conferência de San Francisco, em 26 de junho de 1945. Foto: Arquivo/ONU
Fatima Sator disse que a conclusão da pesquisa mostrou claramente que se não fossem as diplomatas latino-americanas, o tema da igualdade de gênero estaria em outro patamar atualmente.
“Se lemos ‘direitos humanos de homens e mulheres’ no preâmbulo (da Carta da ONU), é graças a elas. Inicialmente, o preâmbulo dizia ‘direitos humanos dos homens'”, disse. “A história mostrou que sempre que não se menciona especificamente o direitos das mulheres, elas perdem direitos”, completou.
“Sou argelina e essa história realmente me inspirou, mas também me preocupou. Me inspirou porque me fez perceber que se as mulheres latino-americanas tiveram sucesso em influenciar a agenda pela igualdade de gênero 70 anos atrás, podemos fazer isso também. Me preocupou porque muito do que elas pediram ainda não aconteceu”, salientou Fatima.
Women delegates, assemble! Did you know that at San Francisco Conference there was only 3% of female participation? Look at the picture we took today and see the difference. We are so proud of the raising number of #women at the #UN. #Planet5050 #genderequity pic.twitter.com/sxEBOhD5PP
— Brazil Mission UN (@Brazil_UN_NY) 22 de maio de 2018
“Convido vocês, como Estados-membros (da ONU) a garantir que ofereçamos às próximas gerações os modelos que elas merecem. Espero que vejamos essa história nos livros escolares e nos filmes.”
Também presente no evento, a chefe de gabinete da ONU, a diplomata brasileira Maria Luiza Viotti, disse que apesar de a Organização trabalhar pela igualdade de gênero atualmente, também é preciso lembrar sua história. “Isso significa homenagear as pioneiras dos primeiros anos de luta”, afirmou.
“Desde então, a ONU elaborou um extenso corpo de leis, padrões e normas que articulam os direitos das mulheres — das oportunidades às quais têm direito às proteções que precisam ser garantidas”, disse ela, lembrando a necessidade de paridade de gênero não apenas nos Estados-membros, como na própria Organização.
“A luta continua. Leis e objetivos no papel são essenciais. Mas é preciso mais passos tangíveis para realizar essas regras e direitos”, concluiu Viotti.
Assista ao vídeo com imagens de Bertha Lutz e de outras diplomatas latino-americanas: