Por Ana Prestes
No último dia 30 de maio representantes de 11 países mais o Brasil estiveram reunidos em Brasília. Sim! 11 países. Pela imprensa convencional temos a impressão de que só o presidente da Venezuela visitou o Brasil na última semana. De fato, no dia 29, véspera do encontro de presidentes, Lula recebeu o presidente Nicolás Maduro da Venezuela para uma reunião bilateral. Uma reunião que já era para ter ocorrido há mais tempo, inclusive o presidente Venezuela viria à posse do presidente Lula, caso os complicadores burocráticos criados pelo governo brasileiro anterior não tivessem impedido.
Mas o fato concreto é que o presidente Lula conseguiu reunir em Brasília, apenas 5 meses após o início do seu mandato, 10 chefes de estado sul americanos. Somente o Peru não foi representado por sua autoridade máxima e enviou o presidente do conselho de ministros do governo de Dina Boluarte, Alberto Otárola. Vieram a Brasília Alberto Fernández, da Argentina, Luis Arce, da Bolívia, Gabriel Boric, do Chile, Gustavo Petro, da Colômbia, Guillermo Lasso, do Equador, Irfaan Ali, da Guiana, Mario Benítez, do Paraguai, prestes a deixar seu cargo, Chan Santokhi, do Suriname, Lacalle Pou e o já citado Nicolás Maduro, da Venezuela.
Há muito tempo não ocorria uma reunião desta envergadura entre os países sul-americanos e seu acontecimento foi uma demonstração do poder de convocatória do presidente Lula e do momento de unidade da região, apesar das diferenças pontuais, entre as quais a relação de cada país com a Venezuela deu sinais de ser uma das mais evidentes, mas que não inviabiliza um olhar coletivo sobre os temas mais importantes para a região. Aliás, sobre isso, destaco três frases do discurso do presidente Lula que considero muito potentes: “Voltamos a olhar para nossa região coletivamente”, “A América do Sul deixou de ser uma referência geográfica para ser uma realidade política” e “A América do Sul voltou a ser o centro da política externa brasileira”.
Somente o fato da reunião ter ocorrido já foi uma vitória de grandes proporções, pois o que vivemos nos últimos anos foi uma destruição dos pequenos avanços que tivemos na integração sul americana no início dos anos 2000 e um progressivo distanciamento entre os países. A última reunião deste porte foi a 4a Cúpula da Unasul, em novembro de 2010, na Guiana.
O maior e mais dramático exemplo disso foi a pandemia do novo coronavírus que impactou fortemente os nossos países e que viu nossas chancelarias e presidências muitas vezes de costas viradas para países irmãos, sem buscar soluções que pudessem beneficiar todo povo sulamericano. E, nesse caso, falo principalmente da questão humanitária e do desafio de salvar vidas, mas também da recuperação econômica pós pandemia que foi mais difícil pela desintegração.
A desintegração desse período se manifestou na destruição da Unasul, do Conselho de Defesa Sul Americano, da IIRSA, que é a iniciativa de integração em infraestrutura criada em 2000, na primeira reunião de presidentes, do Conselho Sul Americano de Saúde e na criação de outros instrumentos que se demonstraram débeis e inconsistentes, como o Grupo de Lima e o Fórum Prosul.
Em um momento de tantas transformações na geopolítica mundial, especialmente com o avanço da multipolarização, uma América do Sul fraca a deixa ainda mais sujeita às crises internacionais. Neste sentido, os pontos apresentados pelo presidente Lula como propostas para este novo momento da região foram muito importantes.
Ele falou sobre o fomento aos bancos da região e a criação de uma poupança visando o desenvolvimento econômico e social, com sustentabilidade ambiental; busca da independência monetária de moedas extrarregionais; desburocratização da circulação de bens; melhoria do comércio eletrônico e mecanismos de cooperação com apoio dos avanços tecnológicos; atualização dos projetos de infraestrutura, principalmente nas fronteiras; ações de combate às causas das mudanças climáticas; reativação do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde com expansão do atendimento para populações carentes e povos indígenas; fazer uma discussão sobre um mercado sul-americano de energia; criar programas de mobilidade regional na área da educação superior; retomar a cooperação da área da defesa.
Muitas destas propostas já haviam sido ativadas na época do funcionamento da Unasul, mas então por que o presidente Lula não propôs um relançamento da Unasul?
Essa foi uma das maiores perguntas que giraram em torno da Cúpula. Penso que o presidente brasileiro quis primeiro criar uma base sólida para que todos se sintam confortáveis em um novo momento de retomada da integração. A reconstituição da UNASUL ou até mesmo um outro instrumento que leve em conta o legado da organização seria um próximo passo a se avançar rumo a solidificação do edifício sulamericano.
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