“Toda revolução é impossível até que
se torne inevitável”. (Leon Trotsky)
O pensamento da epígrafe nos provoca. E, de repente, nos pegamos vasculhando o passado político mais recente de nosso país para por à prova o ensinamento trotskista. Será que pouco tempo antes de ocorrerem as grandes transformações sociais em nosso país as pessoas da época realmente a tinham como imutáveis?
O que pensávamos uma década antes da vigência do voto feminino; do controle da inflação em nosso país; da universalização do ensino fundamental? E quando assistíamos a apurações fraudulentas em que urnas cheinhas de cédulas emergiam nos rios dias após a apuração das eleições?
É bem provável que o cidadão comum, nessas ocasiões, se mostrasse incrédulo a respeito de qualquer mudança. "O Brasil é assim desde Cabral, meu filho. Não muda, não", diriam muitos. "Trata-se de um fenômeno característico da 'pseudo-etnicidade reiterada' incrustado em nossas instituições. Não muda!". Concluiriam alguns cientistas sociais. "É coisa de gene ... ". Arrematariam os médicos.
A despeito das compreensíveis incredulidades, hoje as mulheres votam, a inflação flutua em patamares drasticamente inferiores aos da década de 1980, o ensino fundamental alcança mais de 95% das crianças em idade escolar, e o processo eletrônico de nossas eleições é exemplo mundial de apuração de votos.
Avanços tímidos, é verdade, mas não deixam de ser exemplos históricos que nos autorizam a sonhar com uma redução acentuada das práticas de corrupção em nosso país. Acredito, aliás, que um movimento nesse sentido já esteja acontecendo.
A Lei Complementar n.º 131, de 27 de maio de 2009, que alterou a LRF e estabeleceu mecanismos de transparência "em tempo real" para as finanças públicas, forneceu ferramentas concretas para levantarmos o comportamento fiscal dos governos. Os "Portais Transparência" são obrigatórios, hoje, para a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios com mais de 50 mil habitantes. No ano que vem essa obrigatoriedade se estenderá aos demais municípios brasileiros.
A Lei da Ficha Limpa também tem colecionado resultados importantes. O Tribunal de Contas da União já disponibilizou ao Tribunal Superior Eleitoral a lista de todo aqueles que possuem contas julgadas irregulares, o que os torna inelegíveis por 8 anos. Tratam-se de 6.912 políticos, dentre eles 194 de Mato Grosso. Esse número deve crescer consideravelmente ao somarmos as listas dos condenados pelos demais órgãos colegiados brasileiros.
Mas, além das inelegibilidades, o debate proporcionado pela Lei da Ficha Limpa impulsionou uma série de outras legislações estaduais e municipais que estenderam seus efeitos, como é o caso do Estado do Rio de Janeiro, que exige a ficha limpa para os diretores de escolas e membros do Tribunal de Contas do Estado; e dos municípios de Apuí (AM), Curitiba (PR) e Cuiabá (MT) que também passaram a exigir a ficha limpa para os cargos de confiança.
O compromisso de ampliar a transparência e adotar medidas concretas de combate à corrupção também foi firmado pelo governo brasileiro no cenário internacional. Em 20 de setembro do ano passado o Brasil assumiu, em parceria com os Estados Unidos, a presidência do Comitê Diretor da Open Government Partnership (OGP), ou Parceria para Governo Aberto. A Parceria, que já conta com a adesão de 55 países, prevê que cada país adote um Plano de Ação para ampliar a transparência e combater a corrupção.
O Plano de Ação apresentado pelo Brasil aponta, entre outras medidas, a implementação da Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor em maio deste ano e deve impactar positivamente a gestão pública ao adotar o sigilo como exceção e ao prever mecanismos ativos de disponibilização de dados (quando os governos expõem os dados governamentais em portais na internet) e mecanismos passivos (quando o Estado age provocado pelo cidadão que solicita uma informação específica).
Consta também, no Plano de Ação da OGP-Brasil, a realização da 1ª Conferência Nacional de Transparência e Controle Social (Consocial), que, na verdade, já foi realizada e contou com a participação de cerca de um milhão de pessoas nas conferências municipais, estaduais e nacional. Concluída a etapa nacional nos dias 18, 19 e 20 de maio deste ano, em Brasília, a plenária final da Consocial priorizou 80 propostas a serem adotas no Brasil para combater a corrupção e também criou o Fórum Nacional de Acompanhamento das Propostas da Consocial.
Dentre as propostas a serem implementadas pelos governos destaca-se a criação de um Conselho de Transparência e Controle Social. Nos municípios de Sinop, Juína, Cáceres, Barra do Bugres e Aripuanã os diálogos para a criação do conselho já estão ocorrendo de forma mais avançada e, em Cuiabá, o Projeto de Lei n.º 03/2012, que cria o conselho, já tramita na Câmara de Vereadores e conta com a recomendação positiva da Controladoria e Contabilidade do Município.
Poderia citar aqui vários outros sinais de que as coisas estão mudando, no entanto, longe de querer emplacar profecias, este artigo, quando muito, pretende plantar esperanças. Quem sabe um dia possamos olhar para trás e ver que conseguimos controlar essa verdadeira epidemia de corrupção que assola o nosso país. Nós podemos, e os nossos filhos merecem.
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ALEXANDRE CÂNDIDO DE OLIVEIRA CAMPOS, é Mestre em Educação pela USP, Presidente da Associação Mato-grossense de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Representante de Mato Grosso no Fórum Nacional de Acompanhamento das Propostas da Consocial.
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