Editorial do site Vermelho:
A obtenção de assinaturas superior ao limite mínimo de adesão de 257 deputados federais, necessário ao requerimento de urgência ao Projeto de Lei da anistia, corretamente denominado de “projeto da impunidade”, representa um fato novo no processo de punição aos participantes de atos golpistas liderados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. A decisão de pautar ou não o requerimento de urgência na ordem do dia da Câmara dos Deputados agora depende da decisão do presidente da Casa, deputado Hugo Motta.
O fato em si revela que a extrema direita é capaz de aglutinar, em pautas dessa natureza, parcelas amplas do conservadorismo que, hoje, é hegemônico na Câmara dos Deputados.
Mais de mil requerimentos de urgência, oriundos de outras legislaturas, estão na fila, aguardando deliberação. O presidente Hugo Motta, portanto, tem margem para decidir sem pressa. Ocorre que a oposição ameaça obstruir a pauta, além do que ele se vê emparedado, pois foi eleito presidente tanto com votos da base do governo quanto da bancada bolsonarista. Nas redes sociais, Motta comunicou que irá ouvir o conjunto das lideranças das bancadas para decidir sobre a questão.
O pedido de urgência refere-se a um Projeto de Lei de 2022, do então deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), com outras seis propostas apensadas, que propõe anistia a todos que participaram de atos “do dia 30 de outubro de 2022 ao dia de entrada em vigor” da lei, abrangência que atinge até os que já foram ou estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelos atos de 8 de janeiro de 2023.
O Projeto anistia, além dos participantes em manifestações, “o financiamento, a organização e o apoio de qualquer natureza”, assim como “falas, comentários ou publicações em redes sociais ou em qualquer plataforma na rede mundial de computadores (internet)”. Anistia também “os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”. Neste infinito conceito de “qualquer natureza” certamente caberia a “Operação Punhal Verde Amarelo” que previa o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes.
Em suma, o Projeto praticamente “desenha” o rosto de Bolsonaro, posto que o objetivo escancarado é anistiar o ex-presidente e os demais integrantes do núcleo central da trama golpista. Vai por terra a demagogia da extrema direita de que tal anistia se destina às “velhinhas” do 8 de janeiro.
O projeto, além de pretender premiar com a impunidade Bolsonaro e demais mandantes dos atos golpistas, propõe o absurdo de vetar novas denúncias contra os suspeitos de envolvimento na escalada golpista. O absurdo chega ao patamar da escatologia: proíbe ações judiciais, sob risco de acusação de abuso de autoridade e perseguição. Com outras palavras: a extrema direita pretende criminalizar quem do Poder Judiciário ou de outras instituições “ousarem” voltar ao assunto.
Conforme explica o advogado Aldo Arantes, da Associação Nacional de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC), o Projeto é ilegal por afrontar a Lei de Defesa da Democracia, incorporada ao Código Penal, que estabelece pena de reclusão por tentativa de empregar “violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Afronta também a Lei de Defesa do Estado e a Constituição, que prevê, como clausula pétrea, punição para atentados contra o Estado Democrático de Direito.
Em outra frente, a discussão sobre a dosimetria – a aplicação da pena correspondente ao crime, conforme a legislação – para os condenados procura minimizar a gravidade dos atos golpistas, uma competência que, em última instância, cabe ao STF. As penas são condizentes com os crimes, como explicou Gilmar Mendes, ministro do Supremo. “Foi algo bastante grave, não se trata de algo ingênuo”, diz ele.
De todo modo, há no âmbito do STF reflexões que examinam a hipótese de ajustes nas penas dos executores da trama golpista, isto é, da turba que, comandada por profissionais, promoveu o grave ataque às sedes dos Três Poderes, no 8 de janeiro. Mas essas mesmas reflexões indicam que aos integrantes “do núcleo crucial da organização criminosa”, com Bolsonaro à cabeça, não há o que modular.
O essencial do julgamento histórico em andamento no STF é o robusto conjunto de provas apresentado na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Sobretudo o que aponta os crimes do núcleo principal da trama e, nele, Jair Bolsonaro, o principal mentor e operador da escalada criminosa, que deu cumprimento a suas várias proclamações de que pretendia derrubar o Estado Democrático de Direito. Bolsonaro, com sua ideologia de extrema direita, incompatível com a democracia, sempre foi contumaz apologista de ditaduras.
É preciso repelir as pressões sobre o STF e reforçar a defesa da legalidade democrática, princípio sagrado da luta histórica das forças progressistas por liberdade e justiça social. Com esse fato novo, novas ações devem ser adotadas, uma mobilização ampla e unitária, envolvendo o governo federal, o conjunto das organizações democráticas, os movimentos sociais, os partidos políticos e as bancadas no Congresso Nacional que combatem o golpismo. O momento exige uma ação decidida para evitar a impunidade dos que praticaram os graves crimes apontados pela PGR.
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