A gente aprende cedo a ser múltipla: filha que cuida, mulher que entende, profissional que entrega, mãe que antecipa. Mas em algum momento, normalmente entre os 45 e 55, o corpo avisa: o que te trouxe até aqui não é mais o que vai te levar adiante.
O nome disso, dizem, é climatério. Mas ele é muito mais do que os hormônios: ele escancara o acúmulo, a ausência de pausa, o silêncio sobre tudo o que uma mulher sustenta calada.
E no mundo do trabalho, o preço é alto.
Se somos firmes, dizem que estamos “difíceis”.
Se adoecemos, sugerem terapia, mas não mudam o ritmo.
Se questionamos, nos colocam na “gaveta do RH”.
Invisibilidade institucionalizada
O mercado de trabalho ainda enxerga o envelhecimento das mulheres como um declínio - não como uma transição de potência.
A gente para de menstruar e, junto com o sangue, escoa muitas vezes o respeito, a escuta, o desejo das instituições em nos manter nos espaços de decisão.
Não falta vitalidade.
Falta vontade política de aproveitar a experiência feminina sem sugar até a última gota.
Enquanto a juventude masculina é celebrada como “inovadora”, mulheres maduras precisam provar três vezes mais que ainda “dão conta”.
Mesmo que estejam há décadas segurando não só o trabalho, mas a cultura do cuidado.
Um novo saber que precisa aparecer
O saber da mulher de 50 anos não está nas planilhas.
Está na forma como ela percebe o que não foi dito numa reunião.
Na forma como lida com o conflito entre duas pessoas da equipe que nunca foram ouvidas de verdade.
Na sua capacidade de sustentar o afeto sem fazer disso um espetáculo.
Esse saber é subjetivo, relacional, profundo.
Mas porque não é mensurável, é frequentemente descartado como “intuição” ou “jeito de ser”.
E aqui começa a nossa luta: nomear o que sabemos, afirmar o valor do que fazemos, falar sobre o que sentimos sem sermos lidas como descontroladas.
Não é sobre resiliência. É sobre reconhecimento
O climatério é, muitas vezes, a primeira oportunidade real de uma mulher olhar pra si sem culpa.
E muitas de nós, nesse processo, descobrem que não querem mais subir a escada do sucesso dos outros.
Querem construir outra escada.
Ou andar descalça.
Ou sentar no chão, junto de outras mulheres, pra inventar um novo jeito de estar no mundo.
Enquanto o mercado continuar premiando apenas a performance, continuará perdendo o que há de mais transformador no trabalho:
a presença madura de quem já viveu o bastante para não ter mais medo do espelho.
* Aline Amorim é psicanalista em formação, educadora e pesquisadora nas áreas de saúde mental, envelhecimento e relações de trabalho.