Desde que Donald Trump foi eleito para um segundo mandato nos EUA, Jair Bolsonaro, aqui no Brasil, ficou ouriçadíssimo, em estado contínuo de gozo e alegria.
Voltou super atuante e otimista nas redes sociais, dando novas cores a questões antigas, ressignificando o discurso, projetando futuro, fazendo planos para o Brasil.
Até aí, tudo bem – essa euforia era esperada, todos sabemos das ligações da família Bolsonaro com Trump e o significado dessa eleição para o clã.
Mas, o ponto chocante nesse contexto é o espaço qualificado que a mídia corporativa está dando a Jair Bolsonaro no cenário político brasileiro, como alguém capaz de fazer análise (!) do cenário conjuntural mundial da eleição de Donald Trump, normalizando uma figura abjeta e que não titubeia em se insurgir contra a democracia.
Jair Bolsonaro perseguiu a imprensa, foi absolutamente negacionista na gestão da pandemia, estruturou um ecossistema de desinformação potente no Brasil, deixou a boiada passar com o meio ambiente, desbaratou a economia e as políticas sociais, está sendo investigado por ligações com a articulação de um golpe para impedir a posse de Lula, o que se materializou no 8 de janeiro em Brasília, e está inelegível – apenas para lembrar alguns fatos recentes.
É esse o ator político que a mídia brasileira alça como figura relevante para falar sobre a eleição de Donald Trump e ganhar palco para defender o seu próprio retorno em 2026?
Na Presidência da República, Bolsonaro relegou a imprensa ao cercadinho. Batia diuturnamente, sem dó nem piedade, na Folha de São Paulo e na Globo. Retirou todos os anúncios governamentais. Fez ameaças de censura e de não renovar concessão, no caso da Globo. E agora, o que vemos?
Entrevista de página inteira em O Globo, artigo (queria saber quem escreveu) na Folha de São Paulo falando em democracia, capa bem produzida da Veja onde Jair afirma, à la Luiz XIV, o rei absolutista francês, que “O candidato sou eu”.
Contidas as inquietações do fígado após tantas manchetes, vamos refletir sobre esse abraço atual em Jair, o inelegível.
A mídia brasileira é, antes de qualquer coisa, antipetista e antilulista – alguns mais, outros menos, com realinhamentos que podem ocorrer –, o que é então o primeiro filtro para nossa reflexão.
O segundo é que esse abraço de 2024 não é exatamente um movimento novo – em 2018, a mídia também abraçou Jair Bolsonaro.
Quando falo isso em palestras ou entrevistas, as pessoas reagem surpresas dizendo enfáticas que a mídia não apoiou Bolsonaro.
Há formas e formas de simular ser contra alguma coisa. Assim como há formas e formas de fingir ser a favor e fingir alinhamento – alguém pode olhar nos seus olhos, trabalhando em projetos com você, parecendo ser leal e parceiro e puxar seu tapete com um email.
Portanto, no caso midiático, bater na tecla da polarização entre Haddad e Bolsonaro, colocar o personagem em evidência no hospital, fazer entrevista exclusiva, não deixar chamá-lo de candidato de extrema direita… tudo isso são estratégias de discurso para fingir ser contra sem ser exatamente contra.
Naquele momento, o que valia era a mobilização para apagar o PT e garantir que Lula ficasse preso e Haddad fosse varrido do mapa da eleição.
Muito bem. Em 2024, o que importa é achar elementos e personagens e mobilizar narrativas para fazer frente a Lula em 2026.
Não se enganem, apesar dos resultados das eleições municipais, Lula é um candidato muito forte: a economia vai bem, o desemprego cai ao menor nível, aeroporto virou rodoviária de novo, as vendas deste Natal vão bater recorde.
E nada disso, como sabemos, agrada a Faria Lima, o deus mercado, o capitalismo selvagem – mesmo que simulem reações de contentamento.
Portanto, não há estratégia melhor do que construir consenso em torno de algumas questões, essa maravilha que Chomsky nos mostrou lá atrás.
E quem melhor do que Jair que, embora inelegível, ainda é capaz de mobilizar corações e mentes?
Muito embora sonhe com Tarcísio – e sonha –, a mídia sabe que ele não é páreo para Lula em condições normais de temperatura e pressão. Portanto, o alinhamento com Jair, trazê-lo de volta à cena política pode ser entendida como contraponto ao favoritismo de Lula.
No entanto, sempre há brechas, furos, e o mar da história é agitado.
Primeiro, porque Lula está fortalecido e se fortalecendo, o que veremos com os eventos do G20.
Segundo, e muito importante: Bolsonaro incensado é um perigo. O ego dele é incontrolável, e os filhos não são idiotas, pelo contrário, e partem para a briga rasteira.
Jair não é um personagem político que pode ser simplesmente usado para alguns fins – e o que quero dizer com isso é que Bolsonaro com ego inflado é péssimo para Tarcísio e coloca a extrema direita Danoninho e a extrema direita raiz em rota de colisão – com todos sabendo usar muito bem o mundo digital e com expertise em construir realidade paralela.
Brincar com fogo é perigoso.
A ação calhorda da mídia pode ser, de novo, um grande tiro no pé. Aguardemos.