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Blog Comunica Tudo

3 de Abril de 2011, 21:00 , por Desconhecido - | No one following this article yet.
Este blog foi criado em 2008 como um espaço livre de exercício de comunicação, pensamento, filosofia, música, poesia e assim por diante. A interação atingida entre o autor e os leitores fez o trabalho prosseguir. Leia mais: http://comunicatudo.blogspot.com/p/sobre.html#ixzz1w7LB16NG Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial No Derivatives

Rio + Tóxico - o outro lado da cidade modelo

17 de Junho de 2012, 21:00, por Desconhecido - 0sem comentários ainda
Seu Francisco saiu de casa para olhar o movimento. Ficou curioso com tanta gente que desceu de um ônibus, quase todos com câmeras à mão e muitos falando outros idiomas. Perguntou o que estava acontecendo e explicaram a ele que os “turistas” eram pessoas de diversos países e do Brasil, jornalistas, pesquisadores e ativistas que estavam no Rio de Janeiro por ocasião da Rio+20 e foram conhecer de perto os impactos da siderúrgica TKCSA [Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico] no bairro de Santa Cruz, na zona oeste da capital carioca. “É um perigoso isso aqui”, comentou Seu Francisco, sobre a presença da empresa no local.

Seu Francisco, que mora no bairro há 60 anos, viu o local mudar muito com a chegada da TKCSA. Assim como ele, milhares de pessoas, estima-se que 20 mil, sintam os impactos da empresa na vida cotidiana, sobretudo nos últimos dois anos quando começaram as atividades da siderúrgica e uma “chuva de prata” começou a cair em cima das roupas no varal, das plantas e passou a fazer parte do ar respirado pelas pessoas. A visita à Santa Cruz foi um dos destinos do Rio+Tóxico, atividade organizada durante a Cúpula dos Povos na Rio+20, entre os dias 15 e 17 de junho, para denunciar os prejuízos de grandes empreendimentos ao meio ambiente e às populações, sobretudo as mais pobres, marginalizadas e comunidades tradicionais. Outro destino que recebeu visitantes foi a cidade de Magé, onde pescadores tiveram que deixar o trabalho por conta de empreendimentos da Petrobrás, além de contaminação da Baía de Guanabara e, inclusive, sofrem ameaças de morte por protestarem e denunciarem a ação da empresa pública. Também fizeram parte do tour a região de Duque de Caixas, com a visita à refinaria Reduc, à Área de Proteção Ambiental São Bento, ao aterro de Jardim Gramacho – o maior do mundo e recentemente desativado – e o local conhecido com Cidade dos Meninos, onde há contaminação por resíduos de inseticidas abandonados. Os visitantes ainda puderam conhecer a Baía de Sepetiba – que também banha Santa Cruz, e é impactada pela TKCSA e outros empreendimentos anteriores, que deixaram por lá um grave passivo ambiental. (Aguarde a cobertura completa na Revista Poli – julho/agosto).
Na saída para o primeiro dos destinos – Santa Cruz – Carlos Tautz, do Instituto Mais Democracia, explicou que a escolha do local de concentração para saída dos ônibus rumo aos locais impactados não foi feita ao acaso. “Escolhemos nos concentrar em frente ao BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para denunciar que este banco público, estatal, financia todos estes projetos. O banco está completando 60 anos, mas hão faz jus a esta idade. Apesar de ter o dobro do orçamento do Banco Mundial, financia os piores projetos no Brasil e também na América Latina e agora, na Rio +20, se apresenta como um dos grandes financiadores do capitalismo verde”, afirmou.
Raquel júnia - EPSJV/FiocruzTKCSA
viagem até Santa Cruz demorou cerca de uma hora. Miguel Trentin, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), um dos organizadores do Toxic Tour, explicou que este tempo dobra em dias úteis. A fumaça dos alto-fornos da siderúrgica já pôde ser vista assim que o ônibus chegou ao bairro. A comitiva avançou o mais próximo possível da TKCSA, um dos portões de entrada da empresa, onde um carro da segurança particular estava estacionado. Os visitantes fotografaram e filmaram a siderúrgica e também foram fotografados por um dos seguranças. Em seguida, os moradores organizaram uma recepção em um salão de festas para relatarem os impactos sofridos. Nas paredes, cartazes de protesto contra a presença da TKCSA na região e várias fotos das evidências do impacto – como uma criança com problemas de pele e a concentração do pó prateado nas folhas das plantas.
Jacir do Nascimento, ex- pescador, relatou, muito emocionado, o que vem acontecendo desde que a empresa se instalou em Santa Cruz. “Não podemos mais tirar o nosso sustento da Baía de Sepetiba, temos que procurar um outro modo de viver para levar o sustento para dentro de casa, eu estou trabalhando como servente de obra, e fazendo um biscate ali e aqui. A TKCSA acabou com nossos peixes na Baía de Sepetiba. A mesma coisa que nós aqui na terra estamos sentindo na pele com a poluição, o peixe também está sentindo dentro do mar. Os nossos governantes aceitaram essa empresa aqui, tentaram se instalar em vários outros locais e não conseguiram, e vieram se implantar aqui, em cima da gente, disseram que não havia moradores perto de onde a empresa seria implantada, o que não é verdade”, contou.
Jacir do Nascimento teve que deixar a pesca. Raquel júnia - EPSJV/FiocruzJacir acrescentou que antes da instalação da empresa foi feita uma reunião com os moradores. Na ocasião, eles se posicionaram contra o empreendimento, entretanto, de acordo com ele, foi levado para a Alemanha, sede da siderúrgica, um posicionamento diferente segundo o qual os moradores de Santa Cruz não estavam apresentando resistência à TKCSA. Ainda segundo Jacir, fotos do bairro foram tiradas de forma a mostrar as partes menos habitadas para tentar referendar o argumento de que não haveria impactos significativos aos moradores. “Isso foi fraude deles. Agora estamos passando esse perrengue aqui, minha vista tem ardência o tempo todo, essa coceira na pele. Eu com um pulmão só, pescador, com 58 anos de idade, não estou agüentando isso aqui não. E as crianças, como ficam? Quem já tem bronquite não agüenta”, protestou.
Moradores de Santa Cruz fundaram recentemente a Articulação da População Atingida pela Companhia Siderúrgica do Atlântico e, junto a pesquisadores e entidades que os apóiam, têm feito diversas ações de denúncia. Os participantes do tour receberam uma lembrancinha: um pequeno vidro com uma amostra do pó emitido pela siderúrgica. E também foi distribuído o primeiro informativo feito pelos moradores chamado “Alô TKCSA!”.
Moradores relatam aos  jornalistas problemas de saúde em decorrência da siderúrgica. Raquel Júnia - EPSJV/FiocruzPara Fernando Costa, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, também presente no Toxic Tour, a instalação da TKCSA em Santa Cruz é um típico caso dos negócios fechados entre as empresas e os governos sem levar em conta os direitos básicos das populações. “Aqui nós vemos um caso típico de injustiça ambiental que acontece em vários locais do mundo, uma comunidade que não foi consultada, que está sofrendo os impactos. Eles estão resistindo, mas a empresa tem muito mais força, está junto com o governo. Existe uma captura corporativa, uma relação promíscua das grandes corporações com os governos e é isso que estamos vendo aqui. As opções do governo não são mais para defender o povo, mas entregá-los para essas iniciativas”.
(*) Reportagem reproduzida da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).




A Rio+20 é o de menos

17 de Junho de 2012, 21:00, por Desconhecido - 0sem comentários ainda
Simultaneamente à Rio+20, uma guerra civil desaba sobre a Síria e um novo capítulo da crise econômica internacional se abre. O que esses três eventos têm em comum? Todos envolvem diretamente o chamado sistema ONU, ou seja, sua Assembleia, seu Conselho de Segurança e seus inúmeros organismos, programas, fundos e agências especializadas, como o FMI e o Banco Mundial.

Sem querer ser estraga-prazer, nem desmerecer a importância da consciência ecológica, muito menos o esforço da diplomacia ambiental brasileira, o fato é que a Rio+20 é o de menos. Seus impasses são decorrentes das contradições que a ONU enfrenta em um mundo que virou de ponta a cabeça desde a Segunda Guerra Mundial.

Os Estados Unidos, arquitetos fundamentais da formação da Organização, nos tempos de Franklin Roosevelt, abandonaram sua defesa do multilateralismo desde que mergulharam na Guerra Fria. Do final dos anos 1940 até hoje, consolidaram uma diplomacia unilateral e predatória, bem representada na metáfora dos "falcões", seus mais agressivos idealizadores.

A União Soviética desapareceu do mapa e a Rússia, âncora de um bloco que já foi apelidado de Segundo Mundo, hoje tem a seu favor, na melhor das hipóteses, uma posição entre os BRICS.

A China, em 1945, sequer havia feito sua revolução comunista, menos ainda sua revolução industrial. Reino Unido e França são potências em franca decadência, cercadas por um continente em crise profunda, não apenas econômica, mas política, social e cultural. O território ímpar do Estado de bem-estar social se tornou esteio do neoliberalismo e tem como seus mais importantes símbolos uma moeda, o Euro, seu guardião, o Banco Central Europeu, e a coveira da desunião europeia, Angela Merkel.

O Banco Mundial e o FMI, o que se tornaram? Cassandras. Podem estar certos em suas previsões catastrofistas, mas sua atuação não ajuda em nada. Ao contrário, têm atrapalhado bastante, a cada vez que acrescentam detalhes mórbidos ao clima de pessimismo já reinante. O Banco Mundial tem disseminado a previsão de que os países estão cada vez menos preparados para enfrentar a crise. A diretora-presidente do FMI marcou um "deadline" de três meses para o Euro. Com agências desse tipo, quem precisa de inimigos?

A ONU vive ultimamente de distribuir sanções, patrocinar intervenções e disseminar ilusões. Estamos na semana das promessas e das boas intensões, quando tudo se resume a uma questão de métrica, prazos e esforços: dos governos, da "sociedade" e, cada vez mais é isso que se martela, dos indivíduos. Salvar o mundo? É só ter consciência e atitude.

Uma semana antes da Rio+20, pudemos ver duas cenas patéticas. Burocratas da ONU, em ternos impecáveis e capacetes azuis, pedalando bicicletas posicionadas perto o suficiente para que não chegassem suados ao local de suas reuniões. Mais tarde, Giselle Bündchen, embaixadora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), fez uma graça, plantando uma árvore e colocando uma pá de cal nos ataques que sofreu por desfilar com casacos de pele de animais. O marketing travestido de consciência ambiental mandou trocar a velha e boa calça desbotada da sustentabilidade para dar lugar ao lema sem leme da “economia verde”.

Como toda superprodução que precisa de mocinhos e de final feliz, a aventura de salvar o planeta também demanda vilões. Por exemplo, emergentes como a China, a Índia e a Rússia. E o Brasil que se cuide. Ao que parece, eles andam usando petróleo, abusando das emissões de gases de efeito estufa, desmatando os pulmões do planeta, contaminando a água que todo o mundo precisa beber. Ao mesmo tempo, estudos "científicos", reproduzidos por inúmeras mídias, concluem que práticas diárias de cidadãos comuns prejudicam tanto ou mais do que os grandes poluidores. Gente que cria cabras e queima lenha em fogões antigos está acabando com o planeta, vejam só.

Alguém precisa fazer alguma coisa. O Brasil pode fazer alguma coisa. Pode ampliar seu investimento em ciência e tecnologia, com fundos de parte dos royalties do petróleo, para financiar pesquisas que inaugurem um protagonismo tecnológico rumo a um novo padrão de desenvolvimento. Enquanto isso, o sistema ONU continuará, entre sanções e intervenções, atualizando relatórios que mostram que o mundo que a criou já não existe mais.


(Por Antonio Lassance, no sítio Carta Maior)




Revolução à Americana - treinar oposicionistas mundo afora

17 de Junho de 2012, 21:00, por Desconhecido - 0sem comentários aindaDocumentos vazados pelo WikiLeaks mostram como age uma organização que treina oposicionistas pelo mundo afora – do Egito à Venezuela


No canto superior do documento, um punho cerrado estampa a marca da organização. No corpo do texto lê-se: “Há uma tendência presidencialista forte na Venezuela. Como podemos mudar isso? Como podemos trabalhar isso?”. Mais abaixo, o leitor encontra as seguintes frases: “Economia: o petróleo é da Venezuela, não do governo. É o seu dinheiro, é o seu direito… A mensagem precisa ser adaptada para os jovens, não só para estudantes universitários… E as mães, o que querem? Controle da lei, a polícia agindo sob autoridades locais. Nós iremos prover os recursos necessários para isso”.
O texto não está em espanhol nem foi escrito por algum membro da oposição venezuelana; escrito em inglês, foi produzido por um grupo de jovens baseados em outro lado do mundo – na Sérvia.

O documento “Análise da situação na Venezuela, Janeiro de 2010”, produzido pela organização Canvas, cuja sede fica em Belgrado, está entre os documentos da empresa de inteligência Stratfor vazados pelo WikiLeaks.

O último vazamento do WikiLeaks – ao qual a Pública teve acesso – mostra que o fundador desta organização se correspondia sempre com os analistas da Stratfor, empresa que mistura jornalismo, análise política e métodos de espionagem para vender “análise de inteligência” a clientes que incluem corporações como a Lockheed Martin, Raytheon, Coca-Cola e Dow Chemical – para quem monitorava as atividades de ambientalistas que se opunham a elas – além da Marinha americana.

O Canvas (sigla em inglês para “centro para conflito e estratégias não-violentas”) foi fundado por dois líderes estudantis da Sérvia, que participaram da bem-sucedida revolta que derrubou o ditador Slobodan Milosevic em 2000. Durante dois anos, os estudantes organizaram protestos criativos, marchas e atos que acabaram desestabilizando o regime. Depois, juntaram o cabedal de conhecimento em manuais e começaram a dar aulas a grupos oposicionistas de diversos países sobre como se organizar para derrotar o governo. Foi assim que chegaram à Venezuela, onde começaram a treinar líderes da oposição em 2005. Em seu programa de TV, Hugo Chávez acusou o grupo de golpista e de estar a serviço dos Estados Unidos. “É o chamado golpe suave”, disse.

Os novos documentos analisados pela Pública mostram que se Chávez não estava totalmente certo – mas também não estava totalmente errado.

O começo, na Sérvia

“Foram dez anos de organização estudantil durante os anos 90”, diz Ivan Marovic, um dos estudantes que participaram dos protestos contra Milosevic. “No final, o apoio do exterior finalmente veio. Seria bobo eu negar isso. Eles tiveram um papel importante na etapa final. Sim, os Estados Unidos deram dinheiro, mas todo mundo deu dinheiro: alemães, franceses, espanhóis, italianos. Todos estavam colaborando porque ninguém mais apoiava o Milosevic”, disse ele em entrevista à Pública.

“Dependendo do país, eles doavam de um determinado jeito. Os americanos têm um ‘braço’ formado por ONGs muito ativo no apoio a certos grupos, outros países como a Espanha não têm e nos apoiavam através do ministério do exterior”. Entre as ONGs citadas por Marovic estão o National Endowment for Democracy (NED), uma organização financiada pelo congresso americano, a Freedom House e o International Republican Institute, ligado ao partido republicano – ambos contam polpudos financiamentos da USAID, a agência de desenvolvimento americana que capitaneou movimentos golpistas na América Latina nos anos 60, inclusive no Brasil.

Todas essas ONGs são velhas conhecidas dos governos latinoamericanos, incluindo os mais recentes.

Foi o IRI, por exemplo, que ministrou “cursos de treinamento político” para 600 líderes da oposição haitiana na República Dominicana durante os anos de 2002 e 2003. O golpe contra Jean-Baptiste Aristide, presidente democraticamente eleito, aconteceu em 2004. Investigado pelo Congresso dos Estados Unidos, o IRI foi acusado de estar por trás de duas organizações que conspiraram para derrubar Aristide. Na Venezuela, o NED enviou US$ 877.000 para grupos de oposição nos meses anteriores ao golpe de Estado fracassado em 2002, segundo revelou o New York Times. Na Bolívia, segundo documentos do governo americano obtidos pelo jornalista Jeremy Bigwood, parceiro da Pública, a USAID manteve um “Escritório para Iniciativas de Transição”, que investiu US$ 97 milhões em projetos de “descentralização” e “autonomias regionais” desde 2002, fortalecendo os governos estaduais que se opõem a Evo Morales.

Procurado pela Pública, o líder do Canvas, Srdja Popovic, diz que a organização não recebe fundos governamentais de nenhum país e que seu maior financiador é o empresário sérvio Slobodan Djinovic, que também foi líder estudantil.

Porém, um PowerPoint de apresentação da organização, vazado pelo WikiLeaks, aponta como parceiros do Canvas o IRI e a Freedom House, que recebem vultosas quantias da USAID.

Para o pesquisador Mark Weisbrot, do instituto Center for Economic and Policy Research, de Washington, organizações como a IRI e Freedom House “não estão promovendo a democracia”. “Na maior parte do tempo, estão promovendo exatamente o oposto. Geralmente promovem as políticas americanas em outros países, e isto significa oposição a governos de esquerda, por exemplo, ou a governos dos quais os Estados Unidos não gostam”.

Fase dois: da Bolívia ao Egito

Vista através do mesmo PowerPoint de apresentação, a atuação do Canvas impressiona. Entre 2002 e 2009, realizou 106 workshops, alcançando 1800 participantes de 59 países. Nem todos são desafetos americanos – o Canvas treinou ativistas por exemplo na Espanha, no Marrocos e no Azerbaijão – mas a lista inclui muitos deles: Cuba, Venezuela, Bolívia, Zimbabue, Bielorrussia, Coreia do Norte, Siria e Irã.

Segundo o próprio Canvas, sua atuação foi importante em todas as chamadas “revoluções coloridas” que se espalharam por ex-países da União Soviética nos anos 2000.

O documento aponta como “casos bem sucedidos” a transferência de conhecimento para o movimento Kmara em 2003 na Geórgia, grupo que lançou a Revolução Rosas e derrubou o presidente; uma ajudinha para a Revolução Laranja, em 2004, na Ucrânia; treinamento de grupos que fizeram a Revolução dos Cedros em 2005, no Líbano; diversos projetos com ONGs no Zimbabue e a coalizão de oposição a Robert Mugabe; treinamento de ativistas do Vietnã, Tibete e Burma, além de projetos na Síria e no Iraque com “grupos pró-democracia”. E, na Bolívia, “preparação das eleições de 2009 com grupos de Santa Cruz” – conhecidos como o mais ferrenho grupo de adversários de Evo Morales.

Até 2009, o principal manual do grupo, “Luta não violenta – 50 pontos cruciais” já havia sido traduzido para 5 línguas, incluindo o árabe e o farsi.

Um das ações do Canvas que ganhou maior visibilidade foi o treinamento de uma liderança do movimento 6 de Abril, considerado o embrião da primavera egípcia. O movimento começou a ser organizado pelo Facebook para protestar em solidariedade a trabalhadores têxteis da cidade de Mahalla al Kubra, no Delta do Nilo. Foi a primeira vez que a rede social foi usada para este fim no Egito. Em meados de 2009, Mohammed Adel, um dos líderes do 6 de Abril viajou até Belgrado para ser treinado por Popovic.

Nos emails aos analistas da Stratfor, Popovic se gaba de manter relações com os líderes daquele movimento, em especial com Mohammed Adel – que se tornou uma das principais fontes de informação a respeito do levante no Egito em 2011. Na comunicação interna da Stratfor, ele é mencionado sob o codinome RS501.

“Acabamos de falar com alguns dos nossos amigos no Egito e descobrimos algumas coisas”, informa ele no dia 27 de janeiro de 2011. “Amanhã a irmadade muçulmana irá levar sua força às ruas, então pode ser ainda mais dramático… Nós obtivemos informações melhores sobre estes grupos e como eles têm se organizado nos últimos dias, mas ainda estamos tentando mapeá-los”.

Documentos da Stratfor

Os documentos vazados pelo WikiLeaks mostram que o Canvas age de maneira menos independente do que deseja aparentar. Em pelo menos duas ocasiões, Srdja Popovic contou por email ter participado de reuniões no National Securiy Council, o conselho de segurança do governo americano.

A primeira reunião mencionada aconteceu no dia 18 de dezembro de 2009 e o tema em pauta era Russia e a Geórgia. Na época, integrava o NSC o “grande amigo” de Popovic – nas suas próprias palavras – o conselheiro sênior de Obama para a Rússia, Michael McFaul, que hoje é embaixador americano naquele país.

No mesmo encontro, segundo Popovic relatou mais tarde, tratou-se do financiamento de oposicionistas no Irã através de grupos pró-democracia, tema de especial interesse para ele. “A política para o Irã é feita no NSC por Dennis Ross. Há uma função crescent sobre o Irã no Departamento de Estado sob o Secretário Assistente John Limbert. As verbas para programas pró-democracia no Irã aumentaram de US$ 1,5 milhão em 2004 para US$ 60 milhões em 2008 (…) Depois de 12 de junho de 2009, o NSC decidiu neutralizar os efeitos dos programas existentes, que começaram com Bush. Aparentemente a lógica era que os EUA não queriam ser vistos tentando interferir na política interna do Irã. Os EUA não querem dar ao regime iraniano uma desculpa para rejeitar as negociações sobre o programa nuclear”, reclama o sérvio, para quem o governo Obama estaria agindo como “um elefante numa loja de louça” com a nova política. “Como resultado, o Iran Human Rights Documentation Center, Freedom House, IFES e IRI tiveram seus pedidos de recursos rejeitados”, descreve em um email no início de janeiro de 2010.

A outra reunião de Popovic no NSC teria ocorrido às 17 horas do dia 27 de julho de 2011, conforme Popovic relatou à analista Reva Bhalla.

“Esses caras são impressionantes”, comentou, em um email entusiasmado, o analista da Stratfor para o leste europeu, Marko Papic. “Eles abrem usa lojinha em um país e tentam derrubar o governo. Quando bem usados são uma arma mais poderosa que um batalhão de combate da força aérea”.

Marko explica aos seus colegas da Stratfor que o Canvas – nas suas palavras, um grupo tipo “exporte-uma-revolução” – “ainda depende do financiamento dos EUA e basicamente roda o mundo tentando derrubar ditadores e governos autocráticos (aqueles de quem os Estados Unidos não gostam)”. O primeiro contato com o líder do grupo, que se tornaria sua fonte contumaz, se deu em 2007. “Desde então eles têm passado inteligência sobre a Venezuela, a Georgia, a Sérvia, etc”.

Em todos os emails, Popovic demonstra grande interesse em trocar informações com a Strtafor, a quem chama de “CIA de Austin”. Para isso, vale-se dos seus contatos entre ativistas em diferentes países. Além de manter relação com uma empresa do mesmo filão idológico, se estabelece uma proveitosa troca de informações. Por exemplo, em maio de 2008 Marko diz a ele que soube que a inteligência chinesa estaria considerando atacar a organização pelo seu trabalho com ativistas tibetanos. “Isso já era esperado”,responde Srdja. Em 23 de maio de 2011, ele pede informações sobre a autonomia regional dos curdos no Iraque.

Venezuela

Um dos temas mais frequentes na conversa com analistas da Stratfor é a Venezuela; Srdja ajuda os analistas a entenderem o que a oposição está pensando. Toda a comunicação, escreve Marko Papic, é feita por um email seguro e criptografado. Além disso, em 2010, o líder do Canvas foi até a sede da Stratfor em Austin para dar um briefing sobre a situação venezuelana.

“Este ano vamos definitivamente aumentar nossas atividades na Venezuela”, explica o sérvio no email de apresentação da sua “Análise da situação na Venezuela”, em 12 de janeiro de 2010. Para as eleições de setembro daquele ano, relata que “estamos em contato próximo com ativistas e pessoas que estão tentando ajudá-los”, pedindo que o analista não espalhe ou publique esta informação. O documento, enviado por email, seria a “fundação da nossa análise do que planejamos fazer na Venezuela”. No dia seguinte, ele reitera em outro email: “Para explicar o plano de ação que enviamos, é um guia de como fazer uma revolução, obviamente”.

O documento, ao qual a Pública teve acesso, foi escrito no início de 2010 pelo “departamento analítico” da organização e relata, além dos pilares de suporte de Chávez, listando as principais instituições e organizações que servem de respaldo ao governo (entre elas, os militares, polícia, judiciário, setores nacionalizados da economia, professores e o conselho eleitoral), os principais líderes com potencial para formarem uma coalizão eficiente e seus “aliados potenciais” (entre eles, estudantes, a imprensa independente e internacional, sindicatos, a federação venezuelana de professores, o Rotary Club e a igreja católica).

A indicação do Canvas parece, no final, bem acertada. Entre os principais líderes da oposição que teriam capacidade de unificá-la estão Henrique Capriles Radonski, governador do Estado de Miranda e candidato de oposição nas eleições presidenciais de outubro pela coalizão Mesa de Unidade Democrática, além do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, e do ex-prefeito do município de Chacao, Leopoldo Lopez Mendoza. Dois líderes estudantis, Alexandra Belandria, do grupo Cambio, e Yon Goicochea, do Movimiento Estudiantil Venezolano, também são listados.

O objetivo da estratégia, relata o documento, é “fornecer a base para um planejamento mais detalhado potencialmente realizado por atores interessados e pelo Canvas”. Esse plano “mais detalhado” seria desenvolvido posteriormente com “partes interessadas”.

Em outro email Popovic explica:“Quando alguém pede a nossa ajuda, como é o caso da Venezuela, nós normalmente perguntamos ‘como você faria?’ (…) Neste caso nós temos três campanhas: unificação da oposição, campanha para a eleição de setembro (…). Em circunstâncias NORMAIS, os ativistas vêm até nós e trabalham exatamente neste tipo de formato em um workshop. Nós apenas os guiamos, e por isso o plano acaba sendo tão eficiente, pois são os ativistas que os criam, é totalmente deles, ou seja, é autêntico. Nós apenas fornecemos as ferramentas”.

Mas, com a Venezuela, a coisa foi diferente, explica Popovic: “No caso da Venezuela, por causa do completo desastre que o lugar está, por causa da suspeita entre grupos de oposição e da desorganização, nós tivemos que fazer esta análise inicial. Se eles irão realizar os próximos passos depende deles, ou seja, se eles vão entender que por causa da falta de UNIDADE eles podem perder a corrida eleitoral antes mesmo que ela comece”.

Aqueles que receberam a análise (como o pessoal da Strartfor, por exemplo) aprenderam que segunda a lógica do Canvas os principais temas a serem explorados em uma campanha de oposição na Venezuela são:

- Crime e falta de segurança: “A situação deteriorou tremendamente e dramaticamente desde 2006. Motivo para mudança”

- Educação: “O governo está tomando conta do sistema educacional: os professores precisam ser atiçados. Eles vão ter que perder seus empregos ou se submeter! Eles precisam ser encorajados e haverá um risco. Nós temos que convencê-los de que os temos como alta esfera da sociedade; eles detêm uma responsabilidade que valorizamos muito. Os professores vão motivar os estudantes. Quem irá influenciá-los? Como nós vamos tocá-los?”

- Jovens: “A mensagem precisa ser dirigida para os jovens em geral, não só para os estudantes universitários”.

-Economia: “O petróleo é da Venezuela, não do governo, é o seu dinheiro, é o seu direito! Programas de bem-estar social”.

- Mulheres: “O que as mães querem? Controle da lei, a polícia agindo sob as autoridades locais. Nós iremos prover os recursos necessários para isso. Nós não queremos mais brutamontes”.

- Transporte: “Trabalhadores precisam conseguir chegar aos seus empregos. É o seu dinheiro. Nós precisamos exigir que o governo preste contas, e da maneira que está não conseguimos fazer isso”.

- Governo: “Redistribuição da riqueza, todos devem ter uma oportunidade”.

- “Há uma forte tendência presidencialista na Venezuela. Como podemos mudar isso? Como podemos trabalhar com isso?”

No final do email, Popovic termina com uma crítica grosseira aos venezuelanos que procura articular: “Aliás, a cultura de segurança na Venezuela não existe. Eles são retardados e falam mais que a própria bunda. É uma piada completa”.

Procurado pela Pública, o líder do Canvas negou que a organização elabore análises e planos de ação revolucionária sob encomenda. E foi bem menos entusiasta com relação ao seu “guia” elaborado para a Venezuela.

“Nós ensinamos as pessoas a analisarem e entenderem conflitos não-violentos – e durante o processo de aprendizagem pedimos a estudantes e participantes que utilizem as ferramentas que apresentam no curso. E nós também aprendemos com eles! Depois usamos o trabalho que eles realizaram e combinamos com informações públicas para criar estudos de caso”, afirmou. “E isso é transformado em análises mais longas por dois estagiários. Usamos estas análises nas nossas pesquisas e compartilhamos com estudantes, ativistas, pesquisadores, professores, organizações e jornalistas com os quais cooperamos – que estão interessados em entender o fenômeno do poder popular”.

Questionado, Popovic também respondeu às criticas feitas por Hugo Chávez no seu programa de TV: “É uma fórmula bem conhecida… Por décadas os regimes autoritários de todo o mundo fazem acusações do tipo ‘revoluções exportadas’ como sendo a principal causa dos levantes em seus países. O movimento pró-democracia na Sérvia foi, claro, acusado de ser uma ‘ferramenta dos EUA’ pela TV estatal e por Milosevic, antes dos estudantes derrubarem o seu regime. Isso também aconteceu no Zimbabue, Bielorrusia, Irã…”

O ex-colega de movimento estudantil, Ivan Marovic – que ainda hoje dá palestras sobre como aconteceu a revolta contra Milosevic – concorda com ele: “É impossível exportar uma revolução. Eu sempre digo em minhas palestras que a coisa mais importante para uma mudança social bem-sucedida é ter a maioria da população ao seu lado. Se o presidente tem a maioria da população ao lado dele, nada vai acontecer”.

Marovic avalia, no entanto, que houve uma mudança de percepção do “braço de ONGs” dos governos ocidentais, em especial dos Estados Unidos, depois da revolução na Sérvia em 2000 e as “revoluções coloridas” que se seguiram no leste europeu. “Um mês depois de derrubarmos o Milosevic, o New York Times publicou um artigo dizendo que quem realmente derrubou o Milosevic foi a assistência financeira americana. Eles estão aumentando o seu papel. E agora acreditam que a grana dos Estados Unidos pode derrubar um governo. Eles tentaram a mesma coisa na Bielorrusia, deram um monte de dinheiro para ONGs, e não funcionou”.

O pesquisador Mark Weisbrot concorda, em termos. É claro que nenhum grupo estrangeiro, ainda mais um grupo pequeno, pode causar uma revolução em um país. Para ele, não é o dinheiro do governo americano – seja através de ONGs pagas pelo National Security Council, pela USAID ou pelo Departamento de Estado – que faz a diferença. “A elite venezuelana, por exemplo, não precisa deste dinheiro. O que estes grupos financiados pelos EUA, antigamente e hoje, agregam são duas coisas: uma é habilidade e o conhecimento necessário em subverter regimes. E a segunda coisa é que esse apoio tem um papel unificador. A oposição pode estar dividida e eles ajudam a oposição a se unificar”. Para ele, muitas vezes o patrocínio americano tem uma “influência perniciosa” em movimentos legítimos. “Sempre tem pessoas grupos lutando pela democracia nestes países, com uma variedade de demandas, reforma agrária, proteções sociais, empregos… E o que acontece é que eles capitaneiam todo o movimento com muito dinheiro, inspirado pelas políticas que interessam aos EUA. Muitas vezes, os grupos democráticos que recebem o dinheiro acabam caindo em descrédito”.

Clique aqui para ver todos os documentos no site do WikiLeaks.

(Escrito por Natalia Viana e publicado em PUBLICA)




Globo faz boicote aos atletas brasileiros

17 de Junho de 2012, 21:00, por Desconhecido - 0sem comentários ainda

A presidenta Dilma recebeu no Planalto uma comitiva de atletas que vão disputar os jogos Olímpicos de Londres. Confraternizou e desejou sucesso.

A TV Globo boicotou a notícia, numa desconsideração com nossos atletas brasileiros, por mero interesse comercial, já que uma emissora concorrente, a TV Record, é quem transmitirá os jogos com exclusividade.

A Globo não sabe perder com elegância, e parece torcer contra o Brasil para não perder audiência. Ainda bem que a torcida contra da Globo não tem funcionado há muitos anos, principalmente nas eleições presidenciais.

Os atletas treinam com dedicação durante tanto tempo e tem agora seu grande momento, não custa nada prestigiá-los.


Então ficamos combinados. A Globo boicota os atletas brasileiros e a gente boicota a Globo.

(Publicado no blogue Os Amigos do Presidente Lula)




Desapropriar o mundo: sobre “O mal limpo”, de Michel Serres

15 de Junho de 2012, 21:00, por Desconhecido - 0sem comentários ainda


“Mergulhado na publicidade, quem, ensurdecido, não percebe um ânus no alto-falante de uma caixa acústica?”

“Lave-se, lave-se bem, só não se lave demais, ficaria doente...”.
Michel Serres.

Publicado em A Navalha de Dali
Le Mal propre: polluer pour s’approprier? (O mal limpo: poluir para se apropriar ?), saído em 2008 porÉditions Le Pommier, e traduzido no Brasil por Jorge Bastos em 2011, para a Bertrand Brasil é, em todos os sentidos, um escrito seminal. Se as incessantes migrações de Serres entre o exercício do pensamento e as ciências físicas, químicas e biológicas já não são novidade, Le Mal propre traduz uma renovada força expressiva em seus escritos: motriz criativa que encantava Gilles Deleuze.

É a partir da força múltipla do vocábulo propre (que significa, a um só tempo, limpo e próprio) que Serres erige a partir da etologia dos animais inferiores os comportamentos hominídeos que presidem todas as formas de apropriação. Sua raiz estaria em duas formas de sujar: malpropre, mais uma variação intensiva do conceito nodal de seu pequeno livro, significa “pouco limpo” ou “sujo”. As marcas ou as nódoas produzidas pelos corpos animais ao tentarem tornar aquilo que era limpo (propre) e impessoal, próprio (propre) e reservado.

Animais como homens fazem usos mais ou menos etológicos, mais ou menos hominídeos da apropriação pela sujeira que erige, em Serres, toda uma teoria muito particular do Direito Natural: “o próprio [le propre] se adquire e se conserva pelo sujo. Melhor ainda, o próprio [le propre] é o sujo”; exatamente como cuspimos na sopa para tornar os outros inapetentes, o logotipo suja o objeto e a assinatura, a página. O limpo é o inapropriado e o sem proprietário; a marca da apropriação é sujar, marcar, traçar, urinar, ou fazer como as putas de Alexandria – das quais os executivos do grande capital descendem em linha direta – e marcar as iniciais invertidas nas solas das sandálias, a fim de que potenciais clientes as pudessem rastrear pelas marcas.

Conspurcação-apropriação: esse par atravessa territórios, campos arados com esterco e ureia, o odor encarniçado que se evola das criptas mortuárias que demarcam lugares comunitários, o cuspe na sopa e toda forma de sujeira dura, testemunhando que os verbos avoir [ter] e habiter [habitar] possuem a mesma origem latina. A vida é concebida, vivida e adormece para sempre sob o chão ancestral com o sujo sangue de patriotas e imbecis de todo gênero; toda cidade é uma cidade dos milhões de mortos que transformaram a paisagem em país e a necrópole em metrópole: “O lugar”, segundo Serres, “não indica a morte, a morte designa o lugar”. Os três lugares fundamentais? O útero, a cama e a tumba: feto, afeto e escuridão.  A vulva torna-se o nicho, a morada do amante que a conspurca e a reserva (tal como um objeto marcado) com sêmen. A cama é o lugar do amor e do descanso; o jazigo, a morada final que o corpo ocupa e suja, retornando.

Para Serres, a apropriação tem uma origem “animal, etológica, corporal, fisiológica, orgânica, vital”, não derivada de nenhum direito positivo e fundamentada, antes, no corpo vivo ou morto; de modo que Rousseau, ao descrever a invenção da propriedade pelos homens na segunda parte do “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, teria descrito apenas uma solução imaginária, nascida, muito antes, quando Rômulo, mantendo-se fiel aos lobos que o criaram, matara seu irmão gêmeo e rival, fazendo o direito, e a cives, derivar da vida e da bestialidade. O fato de que um direito natural baseado no corpo e na vida animal tenha se tornado positivo deriva da evolução de práticas duras na direção de signos, e sujeiras, suaves.

Um movimento atravessa do duro dos corpos – e natural – ao suave – e cultural – dos signos. Assim como o pagus converte-se em página, o dejeto suaviza-se em assinatura de palavras e imagens – signos que, rapidamente, tornam-se tão poluidores quando as dejeções dos antigos gestos de apropriação.

Os consumidores tornam-se os locatários de seus carros e produtos: as empresas e suas marcas ostentatórias seriam seus reais proprietários; como continuam sendo proprietários de dados suaves e pessoais (identidade, registros, histórico de compras, hábitos etc.) a respeito de cujo conteúdo não somos mais que locatários.

Poluição dura e suave combinam-se: resíduos sólidos, líquidos e gasosos ao lado de “verdadeiros tsunamis de escritos, de signos e de logotipos com que a publicidade passou a inundar o espaço rural e citadino, público, natural e paisagístico”, escreve Serres. Duras e suaves, as poluições resultariam do mesmo gesto conspurcador, ”a mesma intenção de apropriação e que tem origem animal [...]. Quem cria lagos de viscosidades envenenadas ou outdoors coloridos garante que ninguém, em seu lugar ou vindo depois, vai se apropriar daquilo”. Ou não seríamos capazes de ver, por exemplo, no princípio do poluidor-pagador um retorno da feição excrementária do dinheiro, e sua exclusão, ao mesmo tempo, apropriante?

Eis o motor suave da expansão. Fluxo de poluição - fluxo de dinheiro (registro simbólico do excremento); comunhão espúria de merda, mercadoria e publicidade que rouba a paisagem aos olhos do comum com outdoors, palavras, imagens: dejetos suaves, nódoas intermitentes, precárias, cintilâncias que atravessam e dominam a totalidade do espaço habitável por homens completamente alienados, i. e.,possuídos. Sinal de que nada mudou desde os chacais. Quando as poluições duras são suavizadas e retornam com toda dureza, já não se pode separar poluições duras e suaves, como não se podem separar natureza e cultura ou forças e códigos: “É verdade”, escreve Serres, “só sabemos falar de poluição em termos físicos, quantitativos, ou seja, por meio das ciências duras. Mas, não, é precisamente de nossas intenções que se trata, de nossas decisões, de nossas convenções. Em suma, de nossas culturas”.

A poluição global apropria-se de tudo e derruba toda barreira e marcação onde antes sujávamos ingenuamente o nosso nicho. Já não há mais espaço mapeável, marcações ou divisórias possíveis: trata-se da luta pelo espaço em sua totalidade. O apagamento dos limites suprime a própria possibilidade de apropriar-se, de forma que o direito de propriedade atinge, nesse extremo para sempre excedido, “de repente, um patamar insuportável, perfeitamente impossível à vida”, e o mundo torna-se um mundo que, não podendo mais tê-lo, só poderemos habitá-lo como locatários – princípio do Contrato Natural com o qual Serres denuncia “a ordem cartesiana, ato agressivo e leonino de apropriação; não devemos mais nos impor como donos e senhores da natureza”, eis o princípio de uma nova cosmocracia. Sua política? Desejar e praticar o desapossamento do mundo.

Descobrir, levantar camadas e estratégias, desmanchar crostas e perceber a beleza num êxtase sem signo. “Res nullius, mundus”, o mundo teria se tornado, por excelência, o inapropriável a homens que tampouco se pertecem ainda: “Homo nullius”. Eis o que demarca o fim da história de um gesto: o de poluir para se apropriar.

A ele, segue-se a prática de um dever de  reserva, que assume quatro sentidos positivos: (1) coletivo e objetivo, designa a relação do homem com seu hábitat; (2) subjetivo, designa uma obrigação de desprendimento; (3) jurídico, que compreende a totalidade do mundo e das coisas como “a sucessão hereditária das gerações futuras”; (4) locativo, pelo qual “não há mais propriedade além da minha reserva”, meu nicho, seio de fragilidade e miséria ontológica imanentes ao Homem: “O primeiro que, tendo cercado uma horta, cuidou de dizer ‘Isso, para mim, basta’ e permaneceu egônomo, sem babar como um caramujo por mais espaço, teve paz com seus vizinhos e guardou o direito de dormir, de se aquecer, além do direito divino de amar. É puro Jean-Jacques em versão Serres”. Sequer a assinatura, o selo ou o nome, persistem próprios: todo nome é uma locação, signo arbitrário, leve, branco, “Suave, miserável e sem lugar”.
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