“O circo não tem recebido a consideração que merece”, afirma a pesquisadora circense Maria Alice Viveiros de Castro em relação à falta de investimentos públicos para os espetáculos. Segundo ela, o circo foi relegado a um “espaço menor” no mundo das artes no que diz respeito a financiamento. “Sempre ouvimos dizer que a arte educa, enobrece. No teatro, na dança, na música clássica você consegue colocar isso. No circo, que é uma arte muito direta, da superação, da proeza, da capacidade de fazer alguma coisa que ninguém faz, do estranhamento, fica difícil fazer essa relação. Então na hora de conseguir subsídios, o circo não consegue apoio”, destacou durante a audiência pública da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados que tratou da atividade circense, na última terça-feira (9).
Tirando os grandes espetáculos circenses internacionais que conseguem apoio da Lei Rouanet, os pequenos circos brasileiros vivem basicamente de suas bilheterias e da pouca verba destinada a esses grupos nos editais da Fundação Nacional de Artes (Funarte).
Para Marcos Teixeira, coordenador de circo da Funarte, mais que a falta de recurso público, o maior problema dos circos no Brasil está na sua localização. Segundo ele, a especulação imobiliária afastou o circo dos centros das cidades. “Não tem mais terrenos centrais, bem localizados, grandes o suficiente para abrigar um circo nas grandes cidades. Então, começou um processo de se empurrar o circo para a periferia”, afirma.
“E nós não temos problemas em ficar na periferia. Adoramos ficar lá, mas o pessoal do centro não vai para a periferia ver o espetáculo, mas o pessoal da periferia vai para o centro. Então isso é um problema para o circo, por isso precisamos de terrenos bem localizados para os espetáculos”, rebate Marlene Querubim, presidente da União Brasileira do Circo.
O afastamento dos centros urbanos faz com que o preço do ingresso caia e quando isso acontece, começa a cair também a qualidade da estrutura do circo. “Fica sem recurso para cuidar melhor da lona, das ferragens, para ter equipamentos de boa qualidade. E quando isso acontece, começa a perder a qualidade do espetáculo e começa a fugir de onde tem maior concorrência”, explica Teixeira.
Exclusão e analfabetismo
Outro problema apontado pelo coordenador de circo da Funarte está relacionado à permanência do circo da cidade. Segundo ele, muitas vezes o circo fica em uma periferia tão pobre que o público não tem dinheiro para comprar mais de um ingresso, o que faz com que a duração do espetáculo não passe de um final de semana no lugar. “Isso gera um outro problema: a educação. O circense não vai matricular seu filho na escola por um fim de semana. Temos quase uma geração de analfabetos circenses. Se ficassem um mês numa cidade, a criança seria matriculada no colégio, porque a lei garante uma vaga para ela. Mas por um fim de semana, não tem como.”
Para Marlene, uma opção seria a criação de um passaporte para o estudante circense. Nele constariam todas as informações do aluno, como histórico escolar, faltas, observações de docentes, o que facilitaria a burocracia de uma escola para outra. “A grande questão do estudante circense é a itinerância. Então, quando chega numa nova cidade, a mãe precisa pegar um atestado de vaga na escola, precisa ter o currículo da escola anterior e isso dificulta bastante. Muitas vezes, os professores não querem receber o aluno por conta da burocracia dessa papelada. E o estudante circense é um estudante interessado e poderia inclusive contribuir muito com a turma, compartilhando suas experiências de vida com os demais alunos”, conta.
Marlene reforça que só com leis específicas para o universo circense esses gargalos poderão ser preenchidos. “Depois de mais de 20 anos de militância, estar aqui hoje é emocionante. Precisamos de vários incentivos para abrir a lona e acredito que estamos dando mais um passo para conquistar melhores condições para os circenses.”
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