Publicada em 23 de Novembro
Link https://oglobo.globo.com/opiniao/narrativas-de-reforma-da-previdencia-22100617
Por Rubens Penha Cysne
Imagine uma sociedade na qual há três contribuintes para cada beneficiário no sistema da Previdência. E que cada contribuinte contribua com 15% da sua renda. Se todos são iguais e ganham R$ 100 quando na ativa, então o equilíbrio orçamentário do sistema implicará uma aposentadoria de R$ 45 (= 3 X 15). De fato, os três contribuintes gerarão R$ 15 cada um, sendo tais recursos alocados para o beneficiário (aposentado). Em termos de médias, este é o caso dos Estados Unidos.
Suponha que uma reforma da Previdência aumente a idade mínima de aposentadoria. E que isto faça a razão entre contribuintes e beneficiários aumentar de três para quatro. Pode-se agora manter a contribuição de 15% do salário da ativa e elevar o salário de aposentadoria de R$ 45 para R$ 60 (= 4 X 15). Alternativamente, pode-se manter o salário de aposentadoria em R$ 45 e reduzir a alíquota de contribuição dos mais jovens de 15% para 11,25% (= 45/4).
Indo na direção oposta, suponha que seja mantida a idade mínima para aposentadoria, mas que a população envelheça. E que isto reduza a razão inicial entre contribuintes e beneficiários de três para dois. Neste caso, manter a contribuição de 15% do salário da ativa implica reduzir o salário de aposentadoria de R$ 45 para R$ 30 (= 2 X 15). Alternativamente, manter o salário de aposentadoria em R$ 45 implica elevar a contribuição dos mais jovens de 15% para 22,5% (= 45/2).
Baseados nestes efeitos contrários sobre o equilíbrio orçamentário do sistema previdenciário, muitos países têm elevado a idade mínima de aposentadoria para compensar a queda na taxa de nascimentos e o envelhecimento da população.
Nos exemplos acima, é fácil restabelecer a neutralidade distributiva entre os mais velhos e os mais jovens quando a população envelhece. Basta elevar a idade mínima de aposentadoria que permita à razão entre contribuintes e beneficiários manter-se constante e igual a 3. Isto permite manter constante (igual a R$ 45) o salário de aposentadoria recebido pelos mais velhos. Sem que tal fato implique em aumento do percentual de contribuição dos mais jovens.
Politicamente, a questão é muito mais complicada do que fazem sugerir esses exemplos. A política não se rege por médias, mas sim por casos individuais. A narrativa apenas fiscal não tem força política suficiente para a geração de reformas. Dois simples números, receita e despesa, não conseguem se contrapor a um exército de anseios e emoções. O ponto, naturalmente, é tão mais forte quanto mais socialmente heterogêneo o país.
A narrativa que motiva é a de “correção de injustiças”. Ainda que haja alguns candidatos mais ou menos óbvios para a chamada “redução de privilégios”, nesta seara estarão sempre presente prós e contras de toda ordem. Alguns, em particular, defenderão uma maior aposentadoria como forma de compensar assimetrias ao longo da carreira.
Um problema inerente a esse processo político é que os mais jovens ficam sempre subrepresentados. Muitos ainda nem nasceram. Ou já nasceram, mas ainda não votam. Se a narrativa é de correção de injustiças esta, de caráter intertemporal, deve também vir à tona.
Tomemos, para exemplificar, apenas o INSS. Neste, tem-se hoje em dia algo em torno de 2,15 contribuintes por beneficiário, e uma alíquota efetiva de contribuição sobre a folha salarial da ordem de 28,7%. O equilíbrio atuarial do sistema levaria, na média, a um salário de aposentadoria em torno de 61,7% (= 2,15 X 28,7) do salário da ativa (na prática, há complementação de receitas por impostos que elevam tal percentual a algo em torno de 82,5% do salário da ativa).
Com o envelhecimento da população e na ausência de reformas, apenas para manter o salário de aposentadoria de 61,7%, as alíquotas de contribuição efetiva passam dos 28,7% hoje em dia existentes para algo em torno de 32,3% em 2020, 36,7% em 2025 e 41% em 2030.
Observe-se que tais alíquotas serão ainda acrescidas do Imposto de Renda. Frente a tais circunstâncias, muitos jovens poderão no futuro optar por trabalhar menos, trabalhar no setor informal, ou mesmo emigrar para outras economias. Em qualquer caso, com menos contribuintes, aumentam ainda mais as alíquotas previdenciárias daqueles que decidem permanecer no país e trabalhar no setor formal.
Rubens Penha Cysne é Professor da FGV EPGE